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terça-feira, 25 de março de 2008

Informativo 498

Brasília, 10 a 14 de março de 2008 Nº 498
Data (páginas internas): 19 de março de 2008
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Progressão de Regime e HC de Ofício
Apropriação Indébita Previdenciária e Natureza
Ação Originária: Interesse da Magistratura e Incompetência do STF
Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 4
Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 5
Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 6
Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 7
Prisão Civil e Depositário Infiel - 2
Vinculação de Receitas e Fundo de Reaparelhamento - 3
Destinação de Custas Judiciais e Efeito Repristinatório das Decisões no Controle Abstrato - 3
Improbidade Administrativa: Ministro do STF e Competência
1ª Turma
Processo Disciplinar e Agravamento da Pena - 3
Falha na Citação e Não Ocorrência de Preclusão
Estabelecimento Militar e Regime Aberto
Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade Objetiva
2ª Turma
Competência Penal e Prevenção - 2
Alegações Finais e Ampla Defesa
Lei de Imprensa e Prescrição Retroativa
Culturas Ilegais de Plantas Psicotrópicas e Área a ser Desapropriada
Clipping do DJ
Transcrições
Ação Rescisória e Enunciado 343 da Súmula do STF (RE 328812 ED/AM)
CPI Estadual - Direito ao Silêncio - Assistência Efetiva e Permanente por Advogado (HC 94082 MC/RS)

Plenário

Progressão de Regime e HC de Ofício
Tendo em conta o Enunciado 606 da Súmula do STF (“Não cabe ‘habeas corpus’ originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em ‘habeas corpus’ ou no respectivo recurso.”), o Tribunal, por maioria, não conheceu de habeas corpus impetrado, contra decisão da 2ª Turma, em favor de condenado pela prática de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, II e IV), à pena de 18 anos de reclusão, em regime integralmente fechado. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que afastava o óbice do verbete e conhecia do writ, ao fundamento de se estar diante de situação peculiar, qual seja, o fato de o Tribunal, somente após a impetração, ter assentado a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, no julgamento do HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006). Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, concedeu a ordem, de ofício, considerando a orientação fixada no referido precedente.
HC 86928/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008. (HC-86928)

Apropriação Indébita Previdenciária e Natureza
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Marco Aurélio, que determinara o arquivamento de inquérito, do qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:”). Salientando que a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material — no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva —, e tem por objeto jurídico protegido o patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte.
Inq 2537 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008. (Inq- 2537)

Ação Originária: Interesse da Magistratura e Incompetência do STF
O Tribunal, por maioria, não conheceu de ação originária e declinou da competência, ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, para julgar mandado de segurança impetrado por magistrado contra ato do Presidente daquela Corte que, ao aplicar sobre os vencimentos dos magistrados do referido Estado-membro a sistemática introduzida pela Lei estadual 10.732/89, determinara a redução dos seus proventos nas parcelas correspondentes à gratificação adicional por tempo de serviço, conhecida por “repicão” (sete qüinqüênios), e ao auxílio-moradia. Entendeu-se que o caso concreto não se enquadraria na hipótese prevista no art. 102, I, n, da CF (“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal... n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;”). Considerou-se que o impetrante teria se aposentado ante circunstâncias próprias, ou seja, à época da aposentadoria, seria beneficiário na percentagem máxima do denominado “repicão”, o cálculo do adicional por tempo de serviço, de forma geométrica. Assim, não haveria interesse no desfecho do writ dos atuais integrantes do aludido tribunal de justiça, nem dos magistrados que continuam em atividade, mas somente dos aposentados, naquela situação, quando ainda em vigor a observância do mencionado cálculo. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, presidente, Carlos Britto e Gilmar Mendes que conheciam da ação, ao fundamento de que a discussão teria repercussões além do presente caso e, por estar inserida no âmbito do mencionado tribunal de justiça, abrangeria, direta ou indiretamente, interesses da magistratura local.
AO 81/GO, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 10.3.2008. (AO-81)

Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 4
O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69: “Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.”) — v. Informativos 449 e 450. O Min. Celso de Mello, em voto-vista, acompanhou o voto do relator, no sentido de negar provimento ao recurso, ao fundamento de que a norma impugnada não foi recebida pelo vigente ordenamento constitucional. Salientou, inicialmente, que, em face da relevância do assunto debatido, seria mister a análise do processo de crescente internacionalização dos direitos humanos e das relações entre o direito nacional e o direito internacional dos direitos humanos, sobretudo diante do disposto no § 3º do art. 5º da CF, introduzido pela EC 45/2004. Asseverou que a vedação da prisão civil por dívida possui extração constitucional e que, nos termos do art. 5º, LXVII, da CF, abriu-se, ao legislador comum, a possibilidade, em duas hipóteses, de restringir o alcance dessa vedação, quais sejam: inadimplemento de obrigação alimentar e infidelidade depositária.
RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 12.3.2008. (RE-466343)

Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 5
O Min. Celso de Mello, entretanto, também considerou, na linha do que exposto no voto do Min. Gilmar Mendes, que, desde a ratificação, pelo Brasil, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não haveria mais base legal para a prisão civil do depositário infiel. Contrapondo-se, por outro lado, ao Min. Gilmar Mendes no que respeita à atribuição de status supralegal aos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, afirmou terem estes hierarquia constitucional. No ponto, destacou a existência de três distintas situações relativas a esses tratados: 1) os tratados celebrados pelo Brasil (ou aos quais ele aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da CF/88, revestir-se-iam de índole constitucional, haja vista que formalmente recebidos nessa condição pelo § 2º do art. 5º da CF; 2) os que vierem a ser celebrados por nosso País (ou aos quais ele venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC 45/2004, para terem natureza constitucional, deverão observar o iter procedimental do § 3º do art. 5º da CF; 3) aqueles celebrados pelo Brasil (ou aos quais nosso País aderiu) entre a promulgação da CF/88 e a superveniência da EC 45/2004, assumiriam caráter materialmente constitucional, porque essa hierarquia jurídica teria sido transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade.
RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 12.3.2008. (RE-466343)

Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 6
O Min. Celso de Mello observou, ainda, que o alcance das exceções constitucionais à cláusula geral que veda a prisão civil por dívida poderia sofrer mutações, decorrentes da atividade desenvolvida pelo próprio legislador comum, de formulações adotadas em sede de convenções ou tratados internacionais, ou ditadas por juízes e Tribunais, no processo de interpretação da Constituição e de todo o complexo normativo nela fundado, salientando, nessa parte, o papel de fundamental importância que a interpretação judicial desempenha, notadamente na adequação da própria Constituição às novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos da sociedade contemporânea. Reconheceu, por fim, a supremacia da Constituição sobre todos os tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive os que versam o tema dos direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções internacionais que o Brasil tenha celebrado (ou a que tenha aderido) impliquem supressão, modificação gravosa ou restrição a prerrogativas essenciais ou a liberdades fundamentais reconhecidas e asseguradas pela própria Constituição. Em seguida, após as manifestações dos Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso, mantendo os respectivos votos, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito.
RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 12.3.2008. (RE-466343)

Alienação Fiduciária e Depositário Infiel - 7
O Tribunal retomou julgamento de recuso extraordinário no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia — v. Informativos 304 e 449. O Min. Celso de Mello, em voto-vista, acompanhou o voto do relator para negar provimento ao recurso, adotando os fundamentos expendidos no caso acima relatado. Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista o Min. Menezes Direito.
RE 349703/RS, rel. Min. Ilmar Galvão, 12.3.2008. (RE-349703)

Prisão Civil e Depositário Infiel - 2
O Tribunal retomou julgamento de habeas corpus, afetado ao Plenário pela 1ª Turma, em que se questiona a legitimidade da ordem de prisão, por 60 dias, decretada em desfavor do paciente que, intimado a entregar o bem do qual depositário, não adimplira a obrigação contratual — v. Informativos 471 e 477. O Min. Celso de Mello, em voto-vista, acompanhou o voto do relator para conceder a ordem. Adotando os fundamentos expendidos nos casos acima relatados, asseverou que o Decreto 1.102/1903, que institui regras para o estabelecimento de empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas empresas, não foi recebido, especificamente no que concerne à expressão “sob pena de serem presos os empresários, gerentes, superintendentes ou administradores sempre que não efetuarem aquela entrega dentro de 24 horas depois que judicialmente forem requeridos”, constante do seu art. 11, nº 1, e, também, no que se refere à locução “sem prejuízo da pena de prisão de que trata o art. 11, nº 1”, inscrita na parte final do art. 35, 4º. Em seguida, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito.
HC 87585/TO, rel. Min. Marco Aurélio, 13.3.2008. (HC-87585)

Vinculação de Receitas e Fundo de Reaparelhamento - 3
O Tribunal retomou julgamento de ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República, em que se pretende a declaração de inconstitucionalidade do inciso V do art. 28 da Lei Complementar 166/99, com a redação conferida pela Lei Complementar 181/2000, do Estado do Rio Grande do Norte, que determina que os recursos provenientes da cobrança efetuada em todos os procedimentos extrajudiciais, todos os serviços notariais e de registro, estabelecidos com os respectivos valores na forma de tabelas anexas, constituirão recursos financeiros do fundo de reaparelhamento do Ministério Público do referido Estado-membro — v. Informativo 485. Chamado o feito para continuação do julgamento, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.
ADI 3028/RN, rel. Min. Marco Aurélio, 13.3.2008. (ADI-3028)

Destinação de Custas Judiciais e Efeito Repristinatório das Decisões no Controle Abstrato - 3
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, atribuiu, à declaração de inconstitucionalidade da “Tabela J” do anexo da Lei 1.936/98, na sua redação vigente, dada pela Lei 3.002/2005, e na sua redação original, e do art. 53 e da Tabela V da Lei 1.135/91, todas do Estado de Mato Grosso do Sul, efeitos a partir da EC 45/2004 — v. Informativo 472. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que aplicavam efeitos ex tunc.
ADI 3660/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.3.2008. (ADI-3660)

Improbidade Administrativa: Ministro do STF e Competência
O Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada em petição, firmou sua competência para julgar ação por ato de improbidade administrativa ajuizada contra atual Ministro do STF, à época Advogado-Geral da União, e outros, na qual se lhe imputam a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 11, I e II, e 12, III, da Lei 8.429/92. Reportando-se à orientação fixada pela Corte na Rcl 2138/DF (pendente de publicação), entendeu-se que distribuir competência para juiz de 1º grau para julgamento de ministro da Corte quebraria o sistema judiciário como um todo. Os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello fizeram ressalvas. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, relator, que, na linha de seu voto na citada reclamação, e salientando estar definida a competência do Supremo de forma exaustiva na Constituição (art. 102), considerava ser do juízo da 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal a competência para o processamento e julgamento da ação. Em seguida, o Tribunal, por maioria, determinou o arquivamento da petição, em relação ao referido Ministro desta Corte, haja vista o fato de ele não mais ocupar o cargo de Advogado-Geral da União, e a descida dos autos ao mencionado juízo de 1ª instância, relativamente aos demais acusados. Vencido, também nessa parte, o Min. Marco Aurélio que, asseverando tratar-se de ação de natureza cível, tendo em conta a ressalva contida no art. 37, § 4º, da CF, e reconhecendo a independência das esferas cível, penal e administrativa, não extinguia o feito quanto ao Ministro do STF.
Pet 3211 QO/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 13.3.2008. (Pet-3211)


Primeira Turma

Processo Disciplinar e Agravamento da Pena - 3
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança em que se sustentava a nulidade do processo administrativo disciplinar que resultara na demissão de servidor, cuja penalidade de suspensão por trinta dias, sugerida pela comissão processante, fora agravada pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao acolher parecer da consultoria jurídica do Ministério — v. Informativo 463. Inicialmente, aduziu-se que o processo administrativo é um continuum, integrado por provas materiais, depoimentos pessoais, manifestações técnicas e outras informações, nos quais se lastreia a decisão final da autoridade competente para prolatá-la. Desse modo, não se vislumbrou qualquer irregularidade ou ilegalidade na demissão do recorrente, haja vista que a decisão atacada levara em conta o parecer da consultoria jurídica, adotando-o como razão de decidir, como também fizera expressa menção aos fatos imputados ao servidor. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Carlos Britto, que, por considerar ausente a motivação que teria levado ao desprezo do relatório da comissão disciplinar, proviam o recurso para assentar a insubsistência do ato que implicara a demissão do recorrente, com as conseqüências próprias, ou seja, a respectiva reintegração com o pagamento da remuneração alusiva ao período em que esteve afastado em decorrência do ato glosado.
RMS 25736/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, 11.3.2008. (RMS-25736)

Falha na Citação e Não Ocorrência de Preclusão
A ausência de citação escorreita para os atos do processo caracteriza vício insanável. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP que, em virtude de erro no endereço constante do mandado de citação, fora citado por edital. Considerou-se que a defesa do paciente restara prejudicada por falha do aparelho judiciário, haja vista ser plausível a hipótese de que, se procurado no endereço correto, poderia ter sido encontrado para o ato de chamamento à lide penal. Asseverou-se que, embora tal alegação só tivesse sido suscitada em sede de habeas corpus, quando já transitada em julgado a decisão condenatória e até mesmo ajuizada ação de revisão criminal, cujo pedido fora julgado improcedente, não haveria de se cogitar da preclusão. No ponto, enfatizou-se que a falta de citação pessoal causara prejuízo insanável ao paciente, o qual ficara impossibilitado de exercer a autodefesa e de escolher livremente o seu defensor, garantias, aliás, acolhidas no art. 8º, 2, d, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, adotada pelo Brasil por meio do Decreto 678/92. Por fim, com o acolhimento dessa pretensão, reputou-se superado o argumento de ausência de intimação da defensora pública para a sessão de julgamento do recurso de apelação. Ordem concedida para decretar, em relação ao paciente, a nulidade do processo a partir do ato de citação, nos termos do art. 573 do CPP.
HC 92569/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11.3.2008. (HC-92569)

Estabelecimento Militar e Regime Aberto
A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para determinar que militar condenado à pena superior a 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, cumpra, na dependência militar, a sanção no regime a que tem direito. No caso, o juiz da circunscrição militar expedira mandado de prisão contra o ora recorrente, estabelecendo regime prisional aberto (CP, art. 33), caso viesse a adquirir a condição de civil. Contudo, em face da inexistência de penitenciária militar na localidade, a custódia fora efetuada, em regime fechado, em estabelecimento militar. A defesa, então, impetrara habeas corpus perante o STM para que, sem a necessidade da perda da qualidade de militar, fosse concedido ao paciente o direito de cumprir a pena conforme fixada na sentença. Indeferida a ordem, reiterara os argumentos no presente recurso. Inicialmente, ressaltou-se que a questão envolveria a discussão sobre saber se o militar condenado a pena privativa de liberdade superior a 2 anos deveria cumpri-la necessariamente em estabelecimento militar, sujeitando-se ao regime previsto na legislação penal militar, ou em estabelecimento prisional civil, tão-somente quando excluído das Forças Armadas. Tendo em conta o que disposto no art. 61 do CPM (“A pena privativa da liberdade por mais de 2 (dois) anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também poderá gozar.”), entendeu-se que, na espécie, o recorrente deveria ser mantido no estabelecimento militar onde recolhido, o qual deveria ser adaptado para o cumprimento da pena. O Min. Marco Aurélio consignou em seu voto que, se inviabilizada a observância do regime aberto na dependência, o recorrente terá direito a cumprir a pena em prisão domiciliar.
RHC 92746/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.3.2008. (RHC-92746)

Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade Objetiva
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra denunciado, com terceiros, pela suposta infração aos artigos 12 e 14, da Lei 6.368/76 e ao art. 180, do CP, todos combinados com o art. 69 do referido código. A impetração sustenta a ilegalidade da custódia preventiva, sob os seguintes fundamentos: a) excesso de prazo; b) inexistência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP; e c) falta de justa causa para a ação penal, considerada a atipicidade da conduta. Alega, ainda, que a denúncia não conteria a descrição individualizada dos fatos imputados ao paciente. O Min. Marco Aurélio, relator, ante o pronunciamento do STJ em idêntica medida, declarou o prejuízo parcial da impetração no tocante à prisão preventiva. No mérito, deferiu o writ quanto aos fatos narrados na denúncia e o enquadramento dela constante. Aduziu que, relativamente ao paciente, os fatos diriam respeito à imputação ligada à circunstância de adquirir produto que sabia de procedência ao menos duvidosa, implementando, assim, prática enquadrável no delito de receptação. Asseverou que o Ministério Público estadual, no entanto, a partir da premissa de ter o paciente adquirido produto de acusado de tráfico de drogas, o denunciara também por associação para tal fim e até mesmo por tráfico. Entendeu que o parquet fizera ilação incompatível com o ordenamento jurídico vigente, chegando-se assim à responsabilidade objetiva. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.
HC 92258/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 11.3.2008. (HC-92258)

Segunda Turma

Competência Penal e Prevenção - 2
Em conclusão de julgamento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra decreto de prisão temporária expedido por Ministra do STJ, a quem distribuído, por prevenção, inquérito em curso na Corte Especial daquele tribunal, originado de desmembramento, por ela determinado, de outro inquérito do qual relatora — v. Informativo 494. A impetração sustentava a nulidade desse decreto, por ausência de competência da autoridade tida por coatora, sob a alegação de que o caso não comportaria o critério de prevenção disposto no art. 69, IV, do CPP, já que seriam distintos os fatos e pessoas envolvidos em ambos os inquéritos, devendo o feito ser distribuído livremente (CPP: “Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: ... IV - a distribuição;”). Considerou-se inexistir, nos autos, informação de que a aludida Ministra tivesse sido provocada relativamente à falta de prevenção, circunstância que, em tese, poderia ensejar o não conhecimento da argüição de incompetência no STF. No ponto, reputou-se incidente o Enunciado 706 da Súmula do Supremo (“É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.”), bem como enfatizou-se que os impetrantes não demonstraram o prejuízo que a distribuição por prevenção causara ao paciente. O Min. Cezar Peluso acompanhou o voto do Min. Eros Grau, relator, mas por fundamento diverso, qual seja, o de que a referida Ministra tomara conhecimento dos fatos que posteriormente constituíram objeto do segundo inquérito, de modo a caracterizar prevenção, nos termos do art. 83 do CPP (“Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa ...”).
HC 93163/BA, rel. Min. Eros Grau, 11.3.2008. (HC-93163)

Alegações Finais e Ampla Defesa
A Turma deferiu parcialmente habeas corpus em que condenado pela prática dos crimes descritos nos artigos 12, caput e §§ 1º e 2º, II; 13 e 14, da Lei 6.368/76 questionava acórdão do STJ que denegara idêntica medida ao fundamento de que a falta de apresentação das alegações finais pelo defensor constituído, regularmente intimado, não constituiria nulidade. Entendeu-se que, à luz da Constituição (art. 5º, LIV e LV), a defesa técnica não seria mera exigência formal, mas sim garantia insuprimível, de caráter ne­cessário. Mencionou-se, ainda, o que estatuído no art. 261 do CPP (“Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.”), esclarecendo que nas alegações finais se concentram e resumem as conclusões que representam a posição substantiva de cada parte perante a acusação, considerada agora do ponto de vista das provas, enquanto último ato que lhes pesa a título de ônus e colaboração na formação da sentença, como exigência da estrutura contraditória do justo processo da lei. E, sendo a defesa técnica essencial e indisponível e, no âmbito de atuação, fundamentais as alegações finais para o seu concreto exercício, concluiu-se pela inviabilidade de julgamento, legal e justo, sem a devida e apta apresentação dessa peça processual. Ademais, ressaltando que, na espécie, o advogado constituído deixara, aparentemente de modo propositado, por duas vezes, de apresentar as alegações finais, aduziu-se que essa circunstância não justificaria que o acusado suportasse as conseqüências danosas da inépcia do defensor. No ponto, enfatizou-se que a ordem jurídica não concede ao réu estratégia processual alternativa que implique renúncia ao direito de defesa. Assim, verificada a negligência ou a má-fé do patrono, cabia ao juiz da causa nomear defensor dativo para o ato ou, até mesmo, declarar o réu indefeso, nomeando-lhe defensor público para supri-las. De outro lado, rejeitou-se o pedido de revogação do decreto de prisão, porquanto o paciente evadira-se do estabelecimento prisional onde se encontrava por força de prisão preventiva, não havendo, nos autos, subsídios suficientes para o exame de eventual desacerto na determinação da custódia pelo juízo de origem. Writ concedido, em parte, para declarar nula a sentença condenatória e todos os atos processuais posteriores, reabrindo-se o prazo para apresentação de alegações finais da defesa, após intimação regular, com nomeação de defensor dativo, se necessária para o ato, em caso de nova omissão ou ato inepto.
HC 92680/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 11.3.2008. (HC-92680)

Lei de Imprensa e Prescrição Retroativa
É possível a incidência do instituto da prescrição retroativa em tema de delitos de imprensa. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do paciente por efeito da consumação da prescrição penal. Asseverou-se que, na espécie, já havendo sentença condenatória transitada em julgado para o querelante, a prescrição não deveria ser considerada em abstrato, mas sim calculada pelo dobro da pena aplicada (Lei 5.250/67: “Art . 41. A prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2 anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no dôbro do prazo em que fôr fixada.”).
HC 89684/PB, rel. Min. Celso de Mello, 11.3.2008. (HC-89684)

Culturas Ilegais de Plantas Psicotrópicas e Área a ser Desapropriada
A Turma, acolhendo proposta do Min. Eros Grau, submeteu ao Plenário julgamento de recurso extraordinário, do qual relator, em que se discute se a desapropriação das glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, nos termos do disposto no art. 243, da CF, restringe-se à área efetivamente cultivada ou estende-se a todo o terreno (“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”).
RE 543974/MG, rel. Min. Eros Grau, 11.3.2008. (RE-543974)


Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 12.3.2008 10 e 13.3.2008 70
1ª Turma 11.3.2008 —— 129
2ª Turma 11.3.2008 —— 302

C l i p p i n g d o DJ
14 de março de 2008


ADI N. 3.583-PR
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: LICITAÇÃO PÚBLICA. Concorrência. Aquisição de bens. Veículos para uso oficial. Exigência de que sejam produzidos no Estado-membro. Condição compulsória de acesso. Art. 1º da Lei nº 12.204/98, do Estado do Paraná, com a redação da Lei nº 13.571/2002. Discriminação arbitrária. Violação ao princípio da isonomia ou da igualdade. Ofensa ao art. 19, II, da vigente Constituição da República. Inconstitucionalidade declarada. Ação direta julgada, em parte, procedente. Precedentes do Supremo. É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como condição de acesso a licitação pública, para aquisição de bens ou serviços, que a empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro.
* noticiado no Informativo 495

QUEST. ORD. EM AP N. 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INTERROGATÓRIO. JUIZ NATURAL. OFENSA. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. A garantia do juiz natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do artigo 5º da Constituição Federal, é plenamente atendida quando se delegam o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais das respectivas Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio. Precedentes citados.

AG. REG. NA AP N. 470-MG
RELATOR MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. EXPEDIÇÃO DE CARTAS DE ORDEM INDEPENDENTEMENTE DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DECISÃO DO PLENÁRIO DA CORTE. IMPUGNAÇÃO POR AGRAVO REGIMENTAL. NÃO-CONHECIMENTO. INTERROGATÓRIOS. ORGANIZAÇÃO DO CALENDÁRIO DE MODO QUE AS DATAS DAS AUDIÊNCIAS REALIZADAS EM DIFERENTES ESTADOS DA FEDERAÇÃO NÃO COINCIDAM. PARTICIPAÇÃO DOS CO-REUS. CARÁTER FACULTATIVO. INTIMAÇÃO DOS DEFENSORES NO JUÍZO DEPRECADO. Não se conhece de Agravo Regimental contra decisão do relator que simplesmente dá cumprimento ao que decidido pelo Plenário da Corte.
É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-réus, evitando-se a coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência. Este Tribunal possui jurisprudência reiterada no sentido da desnecessidade da intimação dos defensores do réu pelo juízo deprecado, quando da oitiva de testemunhas por carta precatória, bastando que a defesa seja intimada da expedição da carta. Precedentes citados.
* noticiado no Informativo 491

AG. REG. NA MED. CAUT. NA Rcl N. 4.785-SE
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. DEFINIÇÃO Do alcance material da decisão liminar proferida na ADI-MC n° 3.395/DF. 2. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária, entendida esta como a relação de cunho jurídico-administrativo originada de investidura em cargo efetivo ou em cargo em comissão. Tais premissas são suficientes para que este Supremo Tribunal Federal, em sede de reclamação, verifique se determinado ato judicial confirmador da competência da Justiça do Trabalho afronta sua decisão cautelar proferida na ADI 3.395/DF. 3. A investidura do ser­vidor em cargo em comissão define esse caráter jurídico-admi­nistrativo da relação de trabalho. 4. Não compete ao Supremo Tribunal Federal, no âmbito estreito de cognição próprio da reclamação constitucional, analisar a regularidade constitucional e legal das investiduras em cargos efetivos ou comissionados ou das contratações temporárias realizadas pelo Poder Público. 5. Agravo regimental desprovido, à unanimidade, nos termos do voto do Relator.
* noticiado no Informativo 493

HC N. 88.673-RJ
RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA Habeas Corpus. Direito Penal e Processual Penal. Prisão pre­ventiva. Requisitos. Competência especial por prerrogativa de função dos ex-ocupantes de cargos políticos. ADI n° 2.797/DF e ADI n° 3.289/DF. Evolução de entendimento. Declaração de inconstitucionalidade. 1. Se o co-réu não foi nomeado presidente do Banco Central, embora tenha sido sabatinado e aprovado pelo Senado Federal, apenas respondendo em diversas oportunidades pela presidência, não goza ele de foro por prerrogativa de função previsto na Lei n° 11.036/04. 2. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente está satisfatoriamente fundamentada. 3. Habeas corpus indeferido.
* noticiado no Informativo 486

HC N. 91.657-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Habeas corpus. 1. Pedido de revogação de prisão preventiva para extradição (PPE). 2. Alegações de ilegalidade da prisão em face da instrução insuficiente do pleito extradicional; nulidade da decisão que decretou a prisão do extraditando por falta de manifestação prévia da Procuradoria-Geral da República (PGR); e desnecessidade da prisão preventiva, sob o fundamento de que a liberdade do paciente não ensejaria perigo para a instrução criminal desenvolvida pelo Governo do Panamá. 3. Suposta insuficiência da instrução do pedido extradicional. Informações prestadas pelo Relator da Extradição no 1091/Panamá indicam que o pleito está sendo processado regularmente. 4. Alegação de nulidade da decisão que decretou a prisão do paciente por falta de manifestação prévia da PGR. Providência estranha ao procedimento da PPE, pois não há exigência de prévia manifestação da PGR para a expedição do mandado de prisão. 5. Alegação de desnecessidade da PPE. A custódia subsiste há quase quatro meses e inexiste contra o paciente sentença de condenação nos autos do processo instaurado no Panamá. 6. PPE. Apesar de sua especificidade e da necessidade das devidas cautelas em caso de relaxamento ou concessão de liberdade provisória, é desproporcional o tratamento que vem sendo dado ao instituto. Necessidade de observância, também na PPE, dos requisitos do art. 312 do CPP, sob pena de expor o extraditando a situação de desigualdade em relação aos nacionais que respondem a processos criminais no Brasil. 7. A PPE deve ser analisada caso a caso, e a ela deve ser atribuído limite temporal, compatível com o princípio da proporcionalidade;e, ainda, que esteja em consonância com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos. 8. O Pacto de San José da Costa Rica proclama a liberdade provisória como direito fundamental da pessoa humana (Art. 7º,5). 9. A prisão é medida excepcional em nosso Estado de Direito e não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos (Art. 5º, LXVI). Inexiste razão, tanto com base na CF/88, quanto nos tratados internacionais com relação ao respeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, para que tal entendimento não seja também aplicado às PPE´s. 10. Ordem deferida para que o paciente aguarde em liberdade o julgamento da Extradição no 1091/Panamá. Precedentes: Ext. no 1008/Colômbia, Rel. DJ 17.8.2007; Ext 791/Portugal, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.10.2000; AC n. 70/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12.3.2004; Ext-QO. no 1054/EUA, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14.9.2007.
* noticiado no Informativo 479

HC N. 92.464-RJ
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO
PROCESSO PENAL - BALIZAS - ARTIGO 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - SEGUNDA INSTÂNCIA - OBSERVAÇÃO - IMPROPRIEDADE. Descabe, em grau de revisão, acionar o disposto no artigo 384 do Código de Processo Penal - Verbete nº 453 da Súmula do Supremo: “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”.
RECURSO - REFORMA PREJUDICIAL AO RECORRENTE. Implica reforma prejudicial, considerado recurso da defesa, a anulação da sentença para abrir-se oportunidade ao Estado-acusador de aditar a denúncia, presente o artigo 384 do Código de Processo Penal.
* noticiado no Informativo 484

MS N. 22.801-DF
RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Banco Central do Brasil. Operações financeiras. Sigilo. 1. A Lei Complementar nº 105, de 10/1/01, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito (§§ 1º e 2º do art. 4º). 2. Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da Constituição Federal, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário. 3. Ordem concedida para afastar as determinações do acórdão nº 72/96 - TCU - 2ª Câmara (fl. 31), bem como as penalidades impostas ao impetrante no Acórdão nº 54/97 - TCU - Plenário.
* noticiado no Informativo 493

HC N. 90.174-GO
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MENEZES DIREITO
EMENTA Habeas Corpus. Competência de Justiça estadual. Repasse de Verbas. Lei nº 8.666/93. 1. É de competência da Justiça estadual processar e julgar agente público estadual acusado de prática de delito de que trata o art. 89 da Lei nº 8.666/93, não sendo suficiente para atrair a competência da Justiça Federal a existência de repasse de verbas em decorrência de convênio da União com Estado-membro. 2. Habeas Corpus deferido.
* noticiado no Informativo 491

HC N. 91453-SP
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
I - Impossibilidade da atuação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal quando os argumentos expostos não foram enfrentados pela Corte de origem, sob pena de supressão de instância. II - Habeas corpus não conhecido.

RE N. 363.423-SP
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO CORPORAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. POLICIAL MILITAR EM PERÍODO DE FOLGA. Caso em que o policial autor do disparo não se encontrava na qualidade de agente público. Nessa contextura, não há falar de responsabilidade civil do Estado. Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 370


Acórdãos Publicados: 276

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Ação Rescisória e Enunciado 343 da Súmula do STF (Transcrições)

(v. Informativo 497)

RE 328812 ED/AM*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Voto: Cuida-se de embargos de declaração opostos contra acórdão unânime da 2ª Turma, que deu provimento ao recurso extraordinário do INSS, afastando a aplicação da Súmula n° 343/STF em controvérsia constitucional e determinando o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para que aprecie a ação rescisória como entender de direito.
No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, julgou improcedente ação rescisória proposta pelo INSS, com fundamento na Súmula n° 343 deste STF, apesar de verificada controvérsia constitucional quanto ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF), em ação rescindenda que cuidava de planos econômicos.
Por sua vez, o Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao recurso ordinário e à remessa ex-officio, mantendo a decisão do regional
Interposto recurso extraordinário, o Min. Néri da Silveira negou seguimento ao recurso, ao fundamento de que a natureza processual da questão não possibilitava o processamento do recurso.
Contra esta decisão, o INSS interpôs agravo regimental, o qual apresentei em mesa junto à 2ª Turma desta Corte. Na oportunidade, proferi voto no sentido de que não se aplica o verbete da Súmula n° 343/STF quando a interpretação controvertida for de texto constitucional, reportando-me ao precedente relatado pelo Min. Cunha Peixoto (RE 89.108/GO, DJ 19.12.1980).
Ao dar provimento ao agravo regimental que então se julgava, lembrei que a inicial da rescisória fundamenta-se na ofensa ao princípio do direito adquirido. Embora constasse da inicial a referência ao art. 5º, XXXVI, ressaltou-se que a providência era dispensável, diante da clara invocação do aludido princípio constitucional.
De tal modo, votei pelo provimento ao agravo regimental, para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, determinando que o Tribunal de origem apreciasse a ação rescisória, na qual se invoca, exatamente, a inexistência de direito adquirido.
Após o pedido de vista do Min. Carlos Velloso, na assentada de 10 de dezembro de 2002, a 2ª Turma deu provimento ao agravo regimental, por unanimidade, para conhecer e, desde logo, dar provimento ao recurso extraordinário, para que o Tribunal a quo apreciasse a ação rescisória de que se cuidava.
É este o acórdão embargado.
Do pedido, colhe-se que o embargante pretende que:

a) “seja analisado o acórdão recorrido, partindo-se da premissa de que nele não se adotou a tese da impossibilidade da rescisória, por ser controvertida a matéria constitucional nele versada, mas a da existência de controvérsia sobre a indicação, na inicial, como violado o art. 5º, XXXVI, da Lei Magna (...)”;
b) “ou, se mantido o conhecimento do recurso, declinar-se qual foi o dispositivo constitucional violado diretamente pela decisão do TST, quando entende deficitária a inicial de ação rescisória com arrimo no artigo 485, V, do CPC, pela ausência de indicação expressa do dispositivo constitucional violado” (fls. 180 e 181).

Inicialmente, afasto a preliminar de intempestividade suscitada pelo embargado (fls. 191/192), uma vez que o acórdão embargado foi publicado em 11.4.2003, sexta-feira (fl. 172), iniciando-se o prazo no dia 14.4.2003, segunda-feira. Considerando os feriados de 18.4.2003 (sexta-feira da paixão) e 21.4.2003 (Tiradentes), o prazo da embargante findou-se em 22.4.2003, terça feira, data em que protocolados os presentes embargos (fl. 173).
Quanto às alegações do embargante, os limites dos embargos declaratórios encontram-se desenhados adequadamente no art. 535 do CPC. Cabem quando a decisão embargada contenha obscuridade ou contradição, ou quando for omitido o ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.
Não há no modelo brasileiro embargos de declaração com o objetivo de se determinar à autoridade judicial a análise de qualquer decisão, a partir de premissa adotada pelo embargante.
Nesse sentido, inadequados os embargos, ao menos no que se refere ao primeiro dos pedidos, porquanto a pretensão não se subsume as hipóteses do art. 535 do CPC.
No que tange à suscitada omissão quanto aos requisitos para conhecimento do recurso extraordinário, tampouco merece prosperar o inconformismo.
Com efeito, o acórdão embargado afastou os contornos da Súmula 343/STF, com fundamento na força normativa e concreti­zadora da Constituição, assentando tanto a admissibilidade do apelo extremo quanto da ação rescisória em apreço.
Ademais, destaque-se que a discussão sobre os limites de conhecimento do recurso extraordinário quanto à alínea “a” do permissivo constitucional é irrelevante na espécie.
De fato, este Plenário assentou - no julgamento do RE 298.694/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.4.2004 - que este STF não está restrito ao exame dos dispositivos alegados pelo recorrente, ao apreciar recurso extraordinário:

“I. Recurso extraordinário: letra a: possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucio­nal diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraor­dinário: manutenção, lastreada na garantia da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido.
II. Recurso extraordinário: letra a: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, a - para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados - e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário.
(...).” (RE 298.694/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 23.4.2004)

No que tange à inaplicabilidade da Súmula 343/STF, tenho reiteradamente observado nesta Corte que este verbete precisa ser revisto. Refiro-me, especificamente, aos processos que identificam matéria contraditória à época da discussão originária, questão constitucional, bem como jurisprudência supervenientemente fixada, em favor da tese do interessado.
Não vejo como não afastarmos a Súmula 343, nestas hipóteses, como medida de instrumentalização da força normativa da Constituição.
Trata-se de posição que sustentei em voto vista que proferi no AI-AgR 460.439, quando discutíamos questão atinente à correção de contas do FGTS.
Mais uma vez, é necessário ponderar acerca do papel da ação rescisória em nosso sistema jurídico.
O instituto da rescisória representa, sobretudo, uma conciliação entre os extremos do respeito incondicional à coisa julgada e a possibilidade de reforma permanente das decisões judiciais. (Cf. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 3 a. edição revista e aumentada).
Sob uma perspectiva constitucional, ao analisar o instituto da rescisória temos dois valores em confronto. De um lado a segurança jurídica. Do outro, temos uma manifestação do devido processo legal, qual seja o compromisso do sistema com a prestação judicial correta, não viciada.
Na realidade, o instituto da rescisória atende à efetiva realização da idéia de Justiça.
Isso pode ser extraído das hipóteses de admissibilidade da rescisória descritas no art. 485 do CPC. Sem dúvida, de uma leitura “positiva” dos incisos que compõem o art. 485, depreende-se que o sistema busca, entre outros aspectos, sentenças proferidas por juízes honestos (incisos I e II), que sejam harmônicas em relação a outros pronunciamentos judiciais (inc. IV), que tenham substrato probatório consistente (VI, VII e VIII), e que respeitem a ordem legal objetiva (V), etc. Não observados tais objetivos, o sistema estabelece uma via processual de correção, nas hipóteses específicas do art. 485 do CPC.
Ou seja, a partir da rescisória, constrói o legislador uma espécie de válvula de segurança, uma última via de correção para o sistema judicial. Uma via restrita, certamente, sujeita a prazo e a hipóteses específicas, tendo em vista aquela perspectiva de resguardo da segurança jurídica.
No âmbito específico do inciso V, o propósito imediato é o de garantir a máxima eficácia da ordem legislativa em sentido amplo. Para isto, permite-se a excepcional rescisão daqueles julgados em que o magistrado violou, nos termos do CPC, “literal disposição de lei”.
A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação “qualificada”.
Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, para o fim de ajustá-la à ordem constitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória?
Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para a admissão das ações rescisórias.
Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição.
Isso obviamente não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas no plano infraconstitucional. Não é por acaso que uma decisão definitiva do STJ, pacificando a interpretação de uma lei, não possui o mesmo alcance de uma decisão definitiva desta Corte em matéria constitucional. Controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o nosso sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados com resultados também diferenciados.
Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional.
Nesse ponto, penso que é fundamental lembrar que nas decisões proferidas por esta Corte temos um tipo especialíssimo de concretização da Carta Constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional.
A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave que a violação à lei. Isto já havia sido intuído por Pontes de Miranda ao discorrer especificamente sobre a hipótese de rescisória hoje descrita no art. 485, inciso V, do CPC. Sobre a violação à Constituição como pressuposto para a rescisória, dizia Pontes que “o direito constitucional é direito, como os outros ramos; não o é menos; em certo sentido, é ainda mais. Rescindíveis são as sentenças que o violam, quer se trate de sentenças das Justiças locais, quer de sentenças dos tribunais federais, inclusive as decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal”. (cit., p. 222).
De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação constitucional do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada.
Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia.
Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável a uma aplicação divergente da legislação infraconstitucional.
Certamente já não é fácil explicar a um cidadão porque ele teve um tratamento judicial desfavorável enquanto seu colega de trabalho alcançou uma decisão favorável, considerado o mesmo quadro normativo infraconstitucional. Mas aqui, por uma opção do sistema, tendo em vista a perspectiva de segurança jurídica, admite-se a solução restritiva à rescisória que está plasmada na Súmula 343.
Mas essa perspectiva não parece admissível quando falamos de controvérsia constitucional. Isto porque aqui o referencial normativo é outro, é a Constituição, é o próprio pressuposto que dá autoridade a qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial!
Considerada tal distinção, tenho que aqui a melhor linha de interpretação do instituto da rescisória é aquela que privilegia a decisão desta Corte em matéria constitucional. Estamos aqui falando de decisões do órgão máximo do Judiciário, estamos falando de decisões definitivas e, sobretudo, estamos falando de decisões que, repito, concretizam diretamente o texto da Constituição.
Assim, considerado o escopo da ação rescisória, especialmente aquele descrito no inciso V do art. 485 do CPC, a partir de uma leitura constitucional deste dispositivo do Código de Processo, já não teria dificuldades em admitir a rescisória no caso em exame, ou seja, nos casos em que o pedido de revisão da coisa julgada funda-se em violação às decisões definitivas desta Corte em matéria constitucional.
Considero, de qualquer modo, necessário avançar nessa linha de argumento, e enfatizar uma perspectiva específica, relacionada à posição de supremacia das normas constitucionais.
Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não estou afastando, obviamente, o prazo das rescisórias, que deverá ser observado. Há um limite, portanto, associado à segurança jurídica.
Mas não parece admissível que esta Corte aceite diminuir a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à interpretação constitucional aqui formulada. Assim, se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação de decisão divergente.
Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, uma fragilização da força normativa da Constituição.
Lembro-me aqui da lição de Konrad Hesse:

“(...) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anterior­men­te por mim denominada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Ela é fundamental, considerada global ou singularmente.
Todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda. Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático’. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.” (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 21-22).

A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.
Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal.
Tal prática afigura-se tanto mais grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle de constitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de tramitação das questões em três instâncias ordinárias.
De fato, penso que não podemos desconsiderar o atual contexto da demora na tramitação das questões que chegam ao STF em recurso extraordinário, o que, aliás, é uma decorrência de uma perspectiva que entendo equivocada.
A interpretação restritiva, considerado esse modelo em que as questões constitucionais chegam ao Supremo tardiamente, cria uma inversão no exercício da interpretação constitucional. A interpretação dos demais tribunais e dos juízes de primeira instância acaba por assumir um significado muito mais relevante que o pronunciamento desta Corte. Não posso aceitar isso. Isto não é, por evidente, uma rejeição ao modelo difuso. O que quero enfatizar é que estamos aqui diante de uma distorção do modelo que merece ser corrigida. A rescisória, tal como se coloca no presente caso, serve justamente para permitir essa correção.
A exegese restritiva, que na verdade assume um caráter excessivamente defensivo, acaba por privilegiar a interpretação controvertida, para a mantença de julgado desenvolvido contra a orientação desta Corte, significa afrontar a efetividade da Constituição. Isso não me parece aceitável, com a devida vênia.
Sobre o tema específico que se coloca nos autos, lembro aqui de um estudo de 2003, da autoria do eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Teori Albino Zavascki (“Ação Rescisória em Matéria Constitucional”, Revista de Direito Renovar, no 27. Set-Dez 2003. Ed. Renovar. págs. 153-174). Diz Teori, tratando expressamen­te da aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional:

“O exame desta orientação em face das súmulas revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de preservar em qualquer circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição, de órgão com legitimidade constitucional para dar palavra definitiva em temas relacionados com a interpretação e a aplicação da Carta Magna. Supremacia da Constituição e autoridade do STF são, na verdade, valores associados e que têm sentido transcendental quando associados. Há, entre eles, relação de meio e fim. E é justamente essa associação o referencial básico de que se lança mão para solucionar os diversos problemas, adiante expostos, atinentes à rescisão de julgados em matéria constitucional. Com efeito, a tese da inaplicabilidade da súmula 343, isoladamente considerada, não representa panacéia universal e nem tem, por si só, a propriedade de justificar e resolver todas as questões teóricas e práticas decorrentes da coisa julgada em seara constitucional. Imagine-se a hipótese de ação rescisória envolvendo tema constitucional controvertido nos tribunais, sem que a respeito dele tenha havido pronunciamento do STF. Permitir, em casos tais, que um tribunal local possa, sem mais e em qualquer circunstância, rescindir a sentença, significaria transformar a ação rescisória em simples recurso ordinário, com prazo de dois anos, sem qualquer segurança de ganho para a guarda da Constituição. Seria, simplesmente, alimentar ainda mais a controvérsia, com a desvantagem adicional de ensejar sentenças em rescisória incompatíveis com futuro pronun­ciamento da Corte Suprema. Bem se vê, portanto, que em situações desse jaez fica difícil contestar, ainda que se trate de questão constitucional, o sentido lógico e prático da súmula 343. O que se quer afirmar, por isso mesmo, é que, em se tratando de ação rescisória em matéria constitucional, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do que seja ‘literal violação’ a existência de precedente do STF, guardião da Constituição. Ele, associado ao princípio da supremacia, é que justifica, nas ações rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da súmula 343 (negativo porque indica que, sendo controvertida a matéria nos tribunais, não há violação literal a preceito normativo a ensejar rescisão), por um parâmetro positivo, segundo o qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional, é contrária a pronunciamento do STF.”

Estas as conclusões de Teori:

“(a) a coisa julgada não é um valor absoluto, mas relativo, estando sujeita a modificação mediante ação rescisória, nos casos previstos no art. 485 do Código de Processo Civil;
(b) admite-se rescisão, entre outras hipóteses, quando a sentença transitada em julgado tenha violado ‘literal disposição de lei’ (art. 485, V, do CPC);
(c) ‘lei’, no texto referido, tem o significado de norma jurídica, compreendendo também a norma constitucional;
(d) relativamente às normas infraconstitucionais, entende-se como ‘violação literal’ a que se mostrar de modo evidente, flagrante, manifesto, não se compreendendo como tal a interpretação razoável da norma, embora não a melhor;
(e) quando a norma for de interpretação controvertida nos tribunais, considera-se como interpretação razoável a que adota uma das correntes da divergência, caso em que não será cabível a ação rescisória (súmula 343 do STF);
(f) relativamente às normas constitucionais, que têm supremacia sobre todo o sistema e cuja guarda é função precípua do Supremo Tribunal Federal, não se admite a doutrina da ‘interpretação razoável’ (mas apenas a melhor interpretação), não se lhes aplicando, por isso mesmo, o enunciado da súmula 343;
(g) considera-se a melhor interpretação, para efeitos institucionais, a que provém do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, razão pela qual sujeitam-se a ação rescisória, independentemente da existência de controvérsia sobre a matéria nos tribunais, as sentenças contrárias a precedentes do STF, seja ele anterior ou posterior ao julgado rescindendo, tenha ele origem em controle concentrado de constitucionalidade, ou em controle difuso, ou em matéria constitucional não sujeita aos mecanismos de fiscalização de constitucionalidade dos preceitos normativos;
(h) não havendo precedente do STF sobre a matéria, o princípio da supremacia da Constituição e a indispensabilidade da aplicação uniforme de suas normas impõe que se admita ação rescisória, mesmo que se trate de questão controvertida nos tribunais;
(i) todavia, a decisão de mérito que nela for tomada terá de dar ensejo a recurso extraordinário, com ataque não apenas aos pressupostos da ação rescisória, mas também aos seus fundamentos, único modo de viabilizar que o Supremo Tribunal Federal, com sua palavra autorizada e definitiva, encerre a controvérsia sobre a alegada violação à Constituição.”

Penso que o Ministro Teori bem compreendeu o papel desta Corte em nosso sistema.
Esse pensamento, em verdade, também corresponde a manifestações desta Corte em alguns julgados.
No julgamento do RE nº 89.108/GO, Plenário, Min. Cunha Peixoto, D.J. de 19.12.80, o Tribunal decidiu que não se aplica o verbete da Súmula 343/STF quando a interpretação for de texto constitucional. A ementa desse julgado está assim redigida:

“- AÇÃO RESCISÓRIA - PRESSUPOSTOS.
- Decisão que admite a constitucionalidade de lei estadual (lei nº 7.250, de 21.11.68 - art. 67 -, do Estado de Goiás, que estabeleceu a feitura de lista tríplice, dentre os aprovados no concurso público, para provimento de serventias da Justiça), ofende preceito constitucional (art. 97, § 1º, da CF), sendo passível, em conseqüência, de revisão através de ação rescisória, proposta com fulcro no art. 485, V, do CPC.
- Inaplicabilidade, à espécie, do enunciado nº 343 da Súmula do STF, seja pela inexistência de dissídio de julgados até o pronunciamento da inconstitucionalidade do dispositivo de lei estadual sob exame, quer porque o aresto discrepante, proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (RE nº 71.983), foi posteriormente absorvido por decisão contrária do Plenário desse mesmo Tribunal (RE nº 73.709).
Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 89.108/GO, Plenário, Min. Cunha Peixoto, D.J. de 19.12.80).

Nesse sentido, ainda:

“Ação rescisória. Acidente do trabalho. Trabalhador rural. Ofensa ao art. 165, pár. único da Constituição. Súmula 343 (inaplicação). A atribuição ou extensão de benefício previdenciário a categoria não contemplada no sistema próprio implica ofensa ao art. 165, § único da CF, dada a inexistência do pressuposto da correspondente fonte de custeio total. A Súmula 343 tem aplicação quando se trata de texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, não, porém, de texto constitucional. Recurso Extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 101.114/SP, 1ª Turma, Min. Rafael Mayer, D.J. de 10.2.84)

“Ação rescisória. Acidente do trabalho. Trabalhador rural. Ofensa ao art. 165, parágrafo único da Constituição Federal. Súmula 343 (inaplicabilidade). A atribuição ou extensão de benefício previdenciário a categoria não contemplada no sistema próprio implica ofensa ao art. 165, parágrafo único, da Constituição Federal, dada a inexistência da correspondente fonte de custeio.
A Súmula 343 tem aplicação quando se trata de texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, não, porém, de texto constitucional.
Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 103.880/SP, 1ª Turma, Min. Sydney Sanches, D.J. de 22.2.85).

Recentemente, no julgamento da Ação Rescisória n° 1572/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 21.9.2007, o Plenário afastou, por unanimidade, a Súmula 343/STF em tema constitucional, inclusive citando o acórdão ora embargado. Na oportunidade, a eminente relatora destacou:

“No que concerne ao argumento de descabimento do pedido rescisório e incidência da Súmula 343 deste STF (‘Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais’), recordo que esta Corte já deixou assinalado a inexistência de tal óbice quando em jogo interpretação de matéria de cunho constitucional. Destaco, nesse sentido, precedente da 2ª Turma (RE 328.812-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, unânime, DJ de 11.04.2003) assim ementado:

‘Recurso Extraordinário. Agravo Regimental. 2. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343. 3. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação constitucional revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 4. Ação Rescisória fundamentada no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. A indicação expressa do dispositivo constitucional é de todo dispensável, diante da clara invocação do princípio constitucional do direito adquirido. 5. Agravo regimental provido. Recurso extraordinário conhecido e provido para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.’

Anoto que, nesse julgamento, fez-se referência a julgado oriundo do Plenário desta Casa que já proclamara não invocável o verbete da Súmula 343 no debate de matéria constitucional (RE 89.108, rel. Min. Cunha Peixoto, Plenário, maioria, DJ de 19.12.1980).
Nem se diga que tais precedentes somente apreciaram a questão em sede recursal, como decorrência da busca da coerência entre julgados dos demais tribunais e os paradigmas constitucionais fixados pelo Supremo Tribunal. A razão de ser do afastamento da Súmula em matéria constitucional, como explicitado nos precedentes, diz com a própria realização da força normativa da Constituição. Não presta homenagem à eficácia do texto constitucional uma interpretação que coíba o dissenso entre os demais tribunais e esta Corte, mas o admita no âmbito interno desta Casa.
Rejeito, portanto, a pretensão de incidência da Súmula STF n° 343, para impedir a apreciação deste pedido rescisório.” (voto da Min. Ellen Gracie, AR 1572/RJ, Pleno, DJ 21.9.2007).

Tais precedentes, penso, correspondem à melhor exegese, tanto do texto constitucional quanto do instituto da ação rescisória, em sua específica previsão no art. 485, V, do CPC.
Não vejo, com a devida vênia, que a opção restritiva que se tem colocado seja a mais adequada. Não vejo, sobretudo, uma razão constitucional consistente para a opção de caráter restritivo.
Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração, para rejeitá-los, dado que o acórdão embargado não contém obscuridade ou contradição, bem como não se encontra omisso em relação a ponto sobre o qual devia ter-se pronunciado.
É como voto.

* acórdão pendente de publicação


CPI Estadual - Direito ao Silêncio - Assistência Efetiva e Permanente por Advogado (Transcrições)


HC 94082 MC/RS*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (CPI) INSTAURADA PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. “CPI DO DETRAN/RS”. PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR, POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA. DIREITO À ASSISTÊNCIA EFETIVA E PERMANENTE POR ADVOGADO: UMA PROJEÇÃO CONCRETIZADORA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”. A PRIMAZIA DA “RULE OF LAW”. A PARTICIPAÇÃO DOS ADVOGADOS PERANTE AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO E O NECESSÁRIO RESPEITO ÀS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DESSES OPERADORES DO DIREITO (MS 25.617/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJU 03/11/2005, V.G.). O POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE, PELO JUDICIÁRIO, DAS FUNÇÕES INVESTIGATÓRIAS DAS CPIs, SE E QUANDO EXERCIDAS DE MODO ABUSIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus” preventivo, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ajuizada perante o Superior Tribunal de Justiça (HC 102.328/RS), extinguiu, liminarmente, o próprio processo de “habeas corpus” (fls. 25/27).

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF.

O presente “habeas corpus” preventivo objetiva preservar o “status libertatis” do ora paciente, convocado a depor na “CPI do DETRAN/RS” em sessão a ser realizada no próximo dia 17 de março.

Busca-se, com a presente ação de “habeas corpus”, a obtenção de provimento jurisdicional que assegure, cautelarmente, ao ora paciente, (a) o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito e (b) o direito de exercer o privilégio constitucional contra a auto-incriminação, sem que se possa adotar, contra o ora paciente, como conseqüência do regular exercício dessa especial prerrogativa jurídica, qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de liberdade, não podendo, ainda, esse mesmo paciente, ser obrigado “a prestar e assinar termo de compromisso como testemunha” (fls. 23).

Passo a apreciar o pedido de medida liminar formulado nesta sede processual.

E, ao fazê-lo, defiro a postulação em causa, nos termos referidos no parágrafo anterior (“a” e “b”), notadamente para o fim de assegurar, ao ora paciente, além do direito de ser assistido e de comunicar-se com o seu advogado, também o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si próprio, se e quando inquirido sobre fatos cujo esclarecimento possa importar em sua auto-incriminação, sem dispensá-lo, contudo, da obrigação de comparecer perante a Comissão Parlamentar de Inquérito do DETRAN/RS.

CPI E O PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO.

Tenho enfatizado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, a propósito da prerrogativa constitucional contra a auto-incriminação (RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO), e com apoio na jurisprudência prevalecente no âmbito desta Corte, que assiste, a qualquer pessoa, regularmente convocada para depor perante Comissão Parlamentar de Inquérito, o direito de se manter em silêncio, sem se expor - em virtude do exercício legítimo dessa faculdade - a qualquer restrição em sua esfera jurídica, desde que as suas respostas, às indagações que lhe venham a ser feitas, possam acarretar-lhe grave dano (“Nemo tenetur se detegere”).

É que indiciados ou testemunhas dispõem, em nosso ordenamento jurídico, da prerrogativa contra a auto-incriminação, consoante tem proclamado a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RTJ 172/929-930, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 78.814/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Cabe acentuar que o privilégio contra a auto-incrimi­nação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, “CPI ao Pé da Letra”, p. 64/68, itens ns. 58/59, 2001, Millennium; UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de In­quérito”, p. 290/294, item n. 1, 2001, Saraiva; NELSON DE SOUZA SAMPAIO, “Do Inquérito Parlamentar”, p. 47/48 e 58/59, 1964, Fundação Getúlio Vargas; JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, “Comissões Parlamentares de Inquérito”, p. 65 e 73, 1999, Ícone Editora; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 3, p. 126-127, 1992, Saraiva, v.g.) - traduz direito público subjetivo, de estatura constitucional, assegurado a qualquer pessoa pelo art. 5º, inciso LXIII, da nossa Carta Política.

Convém assinalar, neste ponto, que, “Embora aludindo ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (...), a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação” (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à Prova no Processo Penal”, p. 113, item n. 7, 1997, RT - grifei).

É por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu esse direito também em favor de quem presta depoimento na condição de testemunha, advertindo, então, que “Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la” (RTJ 163/626, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei).

Com o explícito reconhecimento dessa prerrogativa, constitucionalizou-se, em nosso sistema jurídico, uma das mais expressivas conseqüências derivadas da cláusula do “due process of law”.

Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado - ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 - RTJ 176/805-806) -, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria, consoante reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Esse direito, na realidade, é plenamente oponível ao Estado, a qualquer de seus Poderes e aos seus respectivos agentes e órgãos. Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de investigação e de persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público, Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito, p. ex.).


Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual “Nemo tenetur se detegere”, nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o “Bill of Rights” norte-americano.

Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC 80.530-MC/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“Direito à Prova no Processo Penal”, p. 111, item n. 7, 1997, RT), “constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo (...)”.

O direito de o indiciado/acusado (ou testemunha) permanecer em silêncio - consoante proclamou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais incisiva, em Miranda v. Arizona (1966) - insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal.

A importância de tal entendimento firmado em Miranda v. Arizona (1966) assumiu tamanha significação na prática das liberdades constitucionais nos Estados Unidos da América, que a Suprema Corte desse país, em julgamento mais recente (2000), voltou a reafirmar essa “landmark decision”, assinalando que as diretrizes nela fixadas (“Miranda warnings”) - dentre as quais se encontra a prévia cientificação de que ninguém é obrigado a confessar ou a responder a qualquer interrogatório - exprimem interpretação do próprio “corpus” constitucional, como advertiu o então “Chief Justice” William H. Rehnquist, autor de tal decisão, proferida, por 07 (sete) votos a 02 (dois), no caso Dickerson v. United States (530 U.S. 428, 2000), daí resultando, como necessária conseqüência, a intangibilidade desse precedente, insuscetível de ser derrogado por legislação meramente ordinária emanada do Congresso americano (“...Congress may not legislatively supersede our decisions interpreting and applying the Constitution ...”).

Cumpre rememorar, bem por isso, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 68.742/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO (DJU de 02/04/93), também reconheceu que o réu não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu “status poenalis”.

Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, enfatizou que qualquer indivíduo submetido a procedimentos investigatórios ou a processos judiciais de natureza penal “tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucional­mente asseguradas, o direito de permanecer calado. ‘Nemo tenetur se detegere’. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal” (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Em suma: o direito ao silêncio - e de não produzir provas contra si próprio - constitui prerrogativa individual que não pode ser desconsiderada por qualquer dos Poderes da República.

Cabe enfatizar, por necessário - e como natural decorrência dessa insuprimível prerrogativa constitucional - que nenhuma conclusão desfavorável ou qualquer restrição de ordem jurídica à situação individual da pessoa que invoca essa cláusula de tutela pode ser extraída de sua válida e legítima opção pelo silêncio. Daí a grave - e corretíssima - advertência de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 370, item n. 16.3, 2ª ed., 2004, RT), para quem o direito de permanecer calado “não pode importar em desfavorecimento do imputado, até porque consistiria inominado absurdo entender-se que o exercício de um direito, expresso na Lei das Leis como fundamental do indivíduo, possa acarretar-lhe qualquer desvantagem”.

Esse mesmo entendimento é perfilhado por ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“Direito à Prova no Processo Penal”, p. 113, item n. 7, nota de rodapé n. 67, 1997, RT), que repele, por incompatíveis com o novo sistema constitucional, quaisquer disposições legais, prescrições regimentais ou práticas estatais que autorizem inferir, do exercício do direito ao silêncio, inaceitáveis conseqüências prejudiciais à defesa, aos direitos e aos interesses do réu, do indiciado ou da pessoa meramente investigada, tal como já o havia proclamado este Supremo Tribunal Federal, antes da edição da Lei nº 10.792/2003, que, dentre outras modificações, alterou o art. 186 do CPP:

“Interrogatório - Acusado - Silêncio. A parte final do artigo 186 do Código de Processo Penal, no sentido de o silêncio do acusado poder se mostrar contrário aos respectivos interesses, não foi recepcionada pela Carta de 1988, que, mediante o preceito do inciso LVIII do artigo 5º, dispõe sobre o direito de os acusados, em geral, permanecerem calados (...).”
(RTJ 180/1125, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

No sistema jurídico brasileiro, estruturado sob a égide do regime democrático, não existe qualquer possibilidade de o Poder Público (uma Comissão Parlamentar de Inquérito, p. ex.), por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, sem prévia decisão judicial condenatória irrecorrível, a culpa de alguém.

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer comportamento estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal por mera suspeita (RT 690/390 - RT 698/452-454).

É por essa razão que “Não podem repercutir contra o réu situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de título penal condenatório definitivamente constituído” (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Não constitui demasia enfatizar, neste ponto, que o princípio constitucional da não-culpabilidade também consagra, em nosso sistema jurídico, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado, ao réu ou a qualquer pessoa, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.

Em suma: cabe ter presente, no exame da matéria ora em análise, a jurisprudência constitucional que tem prevalecido, sem maiores disceptações, no âmbito do Supremo Tribunal Federal:

“- O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.
- O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensar qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes.
O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado.
- Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.”
(RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A PARTICIPAÇÃO DO ADVOGADO PERANTE A COMIS­SÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.

Impende assinalar, de outro lado, tendo em vista o pleito deduzido em favor do ora paciente - no sentido de que se lhe assegure o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a “CPI do DETRAN/RS” -, que cabe, ao Advogado, a prerrogativa, que lhe é dada por força e autoridade da lei, de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do “munus” de que se acha incumbido, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional.

Na realidade, mesmo o indiciado, quando submetido a procedimento inquisitivo, de caráter unilateral (perante a Polícia Judiciária ou uma CPI, p. ex.), não se despoja de sua condição de sujeito de determinados direitos e de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado cujos poderes, necessariamente, devem conformar-se ao que impõe o ordenamento positivo da República, notadamente no que se refere à efetiva e permanente assistência técnica por Advogado.

Esse entendimento - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída sob a égide da vigente Constituição (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 07/12/99 e DJU 03/02/2000 - MS 23.684/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 10/05/2000 - MS 25.617-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 03/11/2005, v.g.) - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio, ainda que se cuide de mera investigação conduzida sem a garantia do contraditório, enfatizam que, em tal procedimento inquisitivo, há direitos titularizados pelo indiciado que não podem ser ignorados pelo Estado.

Cabe referir, nesse sentido, dentre outras lições inteira­mente aplicáveis às Comissões Parlamentares de Inquérito, o autorizado magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, “in” “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT), de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE (“O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, “in” “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal - Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60/61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial - Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva).

Assume inquestionável valor, bem por isso, presente o contexto ora em análise (direitos do indiciado e prerrogativas profissionais do Advogado perante a CPI), a lição de ODACIR KLEIN (“Comissões Parlamentares de Inquérito - A Sociedade e o Cidadão”, p. 48/49, item n. 4, 1999, Sergio Antonio Fabris Editor), que tanta expressão deu, quando membro do Congresso Nacional, à atividade legislativa:

“O texto constitucional consagra o princípio de que ninguém é obrigado a se auto-incriminar.
Dessa forma, estará agindo no mínimo autoritariamente quem, participando de uma CPI, negar o direito ao silêncio à pessoa que possa ser responsabilizada ao final da investigação.
Em seu interrogatório, o indiciado terá que ser tratado sem agressividade, truculência ou deboche, por quem o interroga diante da imprensa e sob holofotes, já que a exorbitância da função de interrogar está coibida pelo art. 5º, III, da Constituição Federal, que prevê que ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante’.
Aquele que, numa CPI, ao ser interrogado, for injustamente atingido em sua honra ou imagem, poderá pleitear judicialmente indenização por danos morais ou materiais, neste último caso, se tiver sofrido prejuízo financeiro em decorrência de sua exposição pública, tudo com suporte no disposto na Constituição Federal, em seu art. 5º, X.
.......................................................
Na condição de indiciado, terá direito à assistência de advogado, garantindo-se ao profissional, com suporte no art. 7º da Lei 8.906/94 - Estatuto da Advocacia e da OAB - comparecer às reuniões da CPI (VI, d), nelas podendo reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento (XI).” (grifei)

Extremamente oportunas, sob tal aspecto, as observações feitas pelo ilustre Advogado paulista e ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, Dr. MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA (“As CPIs e a Advocacia”, “in” “O Estado de S. Paulo”, edição de 05/12/99, p. A22):

“Nem se diga, no lastimável argumento repugnante à inteligência e comprometedor do bom senso, que a presença ativa dos advogados nas sessões das CPIs frustraria os seus propósitos investigatórios. Fosse assim, tampouco chegariam a termo as averiguações policiais; ou os inquéritos civis conduzidos pelo Ministério Público; ou, ainda, as inquirições probatórias administradas pelo Judiciário. Com plena razão, magistrados, promotores e delegados jamais alegaram a Advocacia como obstáculo, bem ao contrário, nela enxergando meio útil à descoberta da verdade e à administração da Justiça.” (grifei)

Registre-se, ainda, por necessário, que, se é certo que a Constituição atribuiu às CPIs “os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (CF, art. 58, § 3º), não é menos exato que os órgãos de investigação parlamentar estão igualmente sujeitos, tanto quanto os juízes, às mesmas restrições e limitações impostas pelas normas legais e constitucionais que regem o “due process of law”, mesmo que se cuide de procedimento instaurado em sede administrativa ou político-administrativa, de tal modo que se aplica às CPIs, em suas relações com os Advogados, o mesmo dever de respeito - cuja observância também se impõe aos Magistrados (e a este Supremo Tribunal Federal, inclusive) - às prerrogativas profissionais previstas no art. 7º da Lei nº 8.906/94, que instituiu o “Estatuto da Advocacia”, tal como tive o ensejo de proclamar em decisão proferida nesta Suprema Corte (HC 88.015-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

O Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação (Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário), ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, a prerrogativa contra a auto-incriminação e o direito de não ser tratado, pelas autoridades públicas, como se culpado fosse, observando-se, desse modo, as diretrizes, previamente referidas, consagradas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Se, não obstante essa realidade normativa que emerge do sistema jurídico brasileiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito - ou qualquer outro órgão posicionado na estrutura institucional do Estado - desrespeitar tais direitos que assistem à generalidade das pessoas, justificar-se-á, em tal específica situação, a intervenção, sempre legítima, do Advogado, para fazer cessar o ato arbitrário ou, então, para impedir que aquele que o constituiu culmine por auto-incriminar-se.

O exercício do poder de fiscalizar eventuais abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito contra aquele que por ela foi convocado para depor traduz prerrogativa indisponível do Advogado no desempenho de sua atividade profissional, não podendo, por isso mesmo, ser cerceado, injustamente, na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele que lhe outorgou o pertinente mandato.

A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei.

Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-ju­rídicos que não podem e não devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática motivou a instauração do procedimento estatal.

CONTROLE JURISDICIONAL E SEPARAÇÃO DE PODERES.

Nem se diga, de outro lado, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e Tribunais na esfera de atuação do Poder Legislativo.

Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República.

Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado - situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo - é imune à força da Constituição e ao império das leis.

Uma decisão judicial - que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis - não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já proclamou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em unânime decisão:

“O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.”
(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.

A observância dos direitos e garantias constitui fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei se impõe a todos - magistrados, administradores e legisladores.

O poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto.

Ainda que em seu próprio domínio institucional, portanto, nenhum órgão estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal e das leis da República.

O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais outorgadas pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa, no contexto de nossa experiência institucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, em nosso País, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição da República.

A separação de poderes - consideradas as circunstâncias históricas que justificaram a sua concepção no plano da teoria constitucional - não pode ser jamais invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, o exercício, pela pessoa que sofre a investigação, do seu direito de requerer a tutela jurisdicional contra abusos que possam ser cometidos pelas instituições do Estado, não importando se vinculadas à estrutura do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

A investigação parlamentar, judicial ou administrativa de qualquer fato determinado, por mais grave que ele possa ser, não prescinde do respeito incondicional e necessário, por parte do órgão público dela incumbido, das normas, que, instituídas pelo ordenamento jurídico, visam a equacionar, no contexto do sistema constitucional, a situação de contínua tensão dialética que deriva do antagonismo histórico entre o poder do Estado (que jamais deverá revestir-se de caráter ilimitado) e os direitos da pessoa (que não poderão impor-se de forma absoluta).

É, portanto, na Constituição e nas leis - e não na busca pragmática de resultados, independentemente da adequação dos meios à disciplina imposta pela ordem jurídica - que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações de tensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade e o valor da liberdade.

O que simplesmente se revela intolerável, e não tem sentido, por divorciar-se dos padrões ordinários de submissão à “rule of law”, é a sugestão - que seria paradoxal, contraditória e inaceitável - de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leis possa traduzir fator ou elemento de frustração da eficácia da investigação estatal.

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e sem dispensar o ora paciente da obrigação de comparecer perante a “CPI do DETRAN/RS”, defiro o pedido de medida liminar, nos precisos termos expostos nesta decisão, em ordem a assegurar, cautelarmente, a esse mesmo paciente, (a) o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito e (b) o direito de exercer o privilégio constitucional contra a auto-incriminação, sem que se possa adotar, contra o paciente em questão, como conseqüência do regular exercício dessa especial prerrogativa jurídica, qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de liberdade, não podendo, ainda, tal paciente, ser obrigado “a prestar e assinar termo de compromisso como testemunha” (fls. 23).

Comunique-se, com urgência, o teor deste ato decisório, ao eminente Senhor Presidente da “CPI do DETRAN/RS”, instaurada no âmbito da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

Publique-se.

Brasília, 14 de março de 2008 (22:20h).

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação

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