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sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

NOTÍCIAS JURÍDICAS

Notícias Jurídicas


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STF - Advogado tenta anular no Supremo ação penal em curso no STJ
STJ - Estudante de Direito que não fez prova do Enade não será diplomado
STJ - STJ vai decidir se liberdade provisória pode ser condicionada a fiança em crime de contrabando
TST - Ação adia possibilidade de caminhoneiro receber R$73 mil em dinheiro
TJRS - É responsabilidade do banhista observar presença de salva-vidas antes de entrar na água
TJRS - Município deverá fornecer transporte à criança deficiente auditiva e acompanhante até a escola
TJRS - Organizadora de passeio ecológico indenizará mulher que caiu de ponte suspensa


As notícias publicadas neste boletim são oriundas dos sites oficiais dos tribunais.
Bush isn't the only decider



He shouldn't be allowed to lock in an Iraq treaty without Congress' approval.
By Bruce Ackerman November 29, 2007 .

Despite the show at Annapolis, this week's main diplomatic initiative has concerned Iraq, not Israel. Without any fanfare, the Bush administration and Iraqi Prime Minister Nouri Maliki announced that the United States and Iraq will begin negotiating a long-term agreement that will set the terms of Washington's Iraq policy for "coming generations."President Bush is again in legacy mode. His White House "czar" on Iraq, Army Lt. Gen. Douglas Lute, explained that the administration intends to reach a final agreement between the two countries by July 31, 2008. In describing the negotiations, he made a remarkable suggestion: Only the Iraqi parliament, not the U.S. Congress, needs to formally approve the agreement.Lute's suggestion does not even pass the laugh test. American presidents do have unilateral authority to make foreign agreements on minor matters. But the Constitution requires congressional approval before the nation can commit itself to the sweeping political, economic and military relationship contemplated by the "declaration of principles" signed by Bush and Maliki to kick off the negotiations. U.S. legislative approval can come in two forms: Either two-thirds of the Senate can vote for a treaty under Article II of the Constitution, or a simple majority of both houses can authorize the agreement under Article I. But there is no constitutional provision or precedent authorizing this new form of Bush unilateralism. To the contrary, presidential practice has been regulated by State Department guidelines set down in 1955. These principles emphasize the need for congressional approval when an agreement "involves commitment or risks affecting the nation" and when it requires "the enactment of subsequent legislation by the Congress." The new initiative shatters these basic constitutional constraints. The Bush-Maliki declaration not only promises the Iraqi government economic and political support, it contemplates American "security assurances and commitments to the Republic of Iraq to deter foreign aggression." If such guarantees don't require congressional consent, the constitutional separation of powers is at an end. And the administration's approach here could tie the hands of the victor of the 2008 presidential election. If a Democrat wins and seeks a new course in Iraq, he or she would be obliged to break an international commitment. This isn't the way we do things in the United States. The Constitution insists that Congress must get into the act before we make sweeping commitments in the name of the nation. Before negotiations begin, State Department guidelines require its legal advisor to provide a memorandum justifying its use of an executive agreement, including an "analysis of the constitutional powers relied upon." But a search of the State Department website fails to reveal any such analysis. Now that the hoopla over Annapolis has tapered off, Congress should summon Secretary of State Condoleezza Rice to a hearing and insist that she bring down the curtain on this constitutional farce. Bruce Ackerman, a professor of law and political science at Yale, is the author of "Before the Next Attack: Preserving Civil Liberties in an Age of Terrorism."

http://www.latimes.com/news/opinion/la-oe-ackerman29nov29,0,3241305.story?coll=la-opinion-rightrail

O TIPO, NO SENTIDO IMPRÓPRIO DE “TATBESTAND”

Capítulo 5 (Resenha da Obra: Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, da Prof.ª Misabeu Abreu Machado Derzi.)

O tipo, no sentido impróprio de “Tatbestand” e de conceito classificatório

Evolução histórica no Direito Penal e no Direito Tributário



1. Objetivos e questões terminológicas


Nos capítulos anteriores já foram suficientemente enfocados os elementos que diferenciam os vocábulos “tipo” (ou “pensar tipologicamente” ou “tipificante”) e “conceito classificatório”.

Para a autora, o pensar tipificante

tem o sentido de abstrair as particularidades individuais, para colher o que é comum ou repetitivo. Tipo será, então, o que resultar desse processo de abstração generalizante, vale dizer, a forma média ou freqüente, ou aquela especialmente representativa, ou ainda, o padrão normativo ideal (p. 47).

Dessa forma, o tipo implica na existência de notas caracterizadoras, que permitem englobar um número maior de casos ou de situações sob o seu espectro. São elas:
a) a abertura: o tipo é um sistema elástico de características não limitadas e renunciáveis. Assim, ainda que faltante uma delas em certos objetos, não deixarão estes de serem considerados como típicos;
b) a gradação: permite e aproximação do objeto em mais ou menos típico, através de uma escala comparativa que vai do mais ao menos típico, até o limite do atípico;
c) a totalidade ou inteireza: manifesta-se através da interdependência de seus traços,os quais formam uma estrutura;
d) aproximação com a realidade jurídica: o tipo é uma abstração rica de conteúdo, uma descrição plena de dados referenciais do objeto;
e) sentido: é uma abstração mais concreta do que o conceito abstrato classificatório, estruturado de forma flexível, aberta e graduável.

O conceito classificatório implica em atribuir limites definidos e notas rigidamente assentadas. Por si só, é uma abstração freqüentemente pobre em conteúdo, ao contrário do tipo.

Por vezes, o pensar tipológico pode conduzir a um conceito fechado. Dá-se aí a ocorrência do tipo fechado (ou tipo impróprio), quando se estabelecem limites ao tipo e conferem-lhe notas rígidas. “Quando o direito ‘fecha’ o tipo, o que se dá é a sua cristalização em um conceito de classe” (p. 38). E tal se explica por um motivo preponderante: “A tendência classificatória do Direito, exacerbada pela necessidade de segurança jurídica, transformou e tende a transformar tipos em conceitos fechados, classificatórios” (p. 43). Decorre daí um outro aspecto: o fechamento do tipo ou um conceito classificatório aumenta a segurança jurídica, mas reduz a justiça. O resultado é o inverso, no pensar tipificante. Logo, quanto maior a tipificação, menor a segurança jurídica e maior a justiça individual. Maior conceituação implica em maior segurança jurídica com menor justiça individual (ou igualdade material).

Assim sendo, tipo, em sentido impróprio, refere-se a um conceito classificatório.

O pensar tipologicamente, o tipificar, em sentido técnico, ao contrário do que se supõe não é estabelecer rígidos conceitos de espécies jurídicas, baluartes da segurança do Direito. Essa função compete aos conceitos fechados, determinados e classificatórios (p. 48).

Via de regra, o tipo é aberto, para contemplar uma maior gama de situações ou casos:

Os tipos propriamente ditos (ou apenas tipos), stricto sensu, além de serem uma abstração generalizadora, são ordens fluídas, que colhem, através da comparação, características comuns, nem rígidas, nem limitadas, onde a totalidade é critério decisivo para ordenação dos fenômenos aos quais se estende (...) (p. 48).

Em Direito Tributário e Penal, como se deduz, aquilo que é denominado tipo é, na verdade, conceito classificatório.

A doutrina importou o vocábulo alemão “tatbestand”, conferindo-lhe um sentido equivocado. De fato, durante os estudos de Direito Penal ou Tributário, acostumamo-nos a ouvir expressões tais como “tipo penal”, “tipologia fechada da norma tributária ou penal”, “fato típico”, “situação tipificada” etc. Entretanto, o referido vocábulo, em sua acepção original, quer se referir “à descrição do fato jurígeno, contida na lei, que tanto mais formará um verdadeiro tipo quanto mais precisa, rígida e nítida for a delimitação da matéria a que a norma vincula alguma conseqüência” (p. 44). E continua a autora:

Com isso, queremos, nesse momento, tão-só registrar o uso do termo tipo em acepção diversa e contraditória àquela anotada na Lógica. Como sinônimo de Tatbestand, de fato gerador ou hipótese, o impropriamente chamado tipo não é uma ordem gradual, ou estrutura aberta, mas, ao contrário, um conceito que guarda a pretensão de exatidão, rigidez e delimitação (em especial, no Direito Penal) (p. 44).

Feitas essas breves considerações, abordaremos, a seguir, a evolução histórica do tipo no Direito Penal e no Direito Tributário.



3- Evolução Teórica no Direito Penal


3.1- O equivocado conceito de tipo em sentido amplo e “corpus delicti”

Para Jimenez de Assua, o vocábulo alemão “Tatbestand” incorporou a expressão latina “Corpus Delict”, que, gradativamente, atingiu um grau de abstração tal que incorporou não só os elementos materiais do delito, mas também passou a representar o somatório de todos os caracteres internos (inclusive o dolo e a culpa) e externos (antijuridicidade) do delito.

Conseqüentemente, a expressão se emprega, hodiernamente, em diferentes graus de abstração, extensão ou em maior ou menor referência aos dados materiais do delito. “Mas o que é fundamental é que o conceito sempre esteve ligado à idéia de prova, objetividade e certeza necessária a uma sentença adequada” (p. 117).

Surgem assim duas características principais do vocábulo:
a) a busca da segurança jurídica, através do conceito de corpus criminis;
b) a perseguição processual por uma sentença correta.

Isso conduz a uma confusão técnica entre os elementos do delito e todos os pressupostos para a aplicação da pena. Tal confusão foi solucionada por Francesco Carrara. “Partindo de sua visão do delito com o conflito entre o fato do homem e a proibição da lei, portanto como relação de contradição, o grande criminalista ressalta que o objeto do delito não é a coisa ou o homem sobre os quais recai a ação criminal. O delito não é o fato material, mas um ser jurídico que tem por objeto apenas a idéia de direito violado, que a lei protege, através de uma proibição”.

Coube a Beling o desenvolvimento da teoria do tipo penal, que se afasta da noção de corpus delicti e passa a tratar o delito de forma tricotômica: descrição material do delito como elemento primário e tecnicamente independente, ao lado da antijuridicidade e da culpabilidade.


3.2- O equivocado conceito de tipo, em sentido restrito, na visão tricotômica do delito

Já verificamos que o tipo penal atual tem natureza tricotômica: há uma descrição material do delito (tipicidade), ao lado da antijuridicidade e da culpabilidade.

Binding dissociou a norma da lei. Para ele, a lei penal descreve uma conduta, que é, precisamente, a do delinqüente, o qual, portanto, não a viola, como comumente se diz. Quem comete o delito descrito na primeira parte da lei penal positiva, faz aquilo que a proibição, que vem contida na norma implícita, quer que se omita. A norma é editada para evitar a ação descrita (p. 120).

Beling, por sua vez, desvincula os dois últimos elementos da figura do tipo. Para ele, o tipo (chamado de naturalístico) é expediente técnico legal, descrição neutra (não valorativa), estritamente objetiva e externa, independente dos demais aspectos do delito (antijuridicidade e culpabilidade) e insuficiente para sua configuração.

O tipo seleciona as ações humanas relevantes para o Direito Penal, dissociando assim a norma da lei

V.g., o indivíduo, ao praticar a conduta “matar alguém”, está ferindo não a regra legal, mas sim, o sentido implícito da lei penal, que constitui precisamente na ofensa a um direito essencial, qual seja, o direito à vida. Por outro lado, se a conduta for praticada pelo agente visando proteger a própria vida ou a vida de terceiro, a figura não deixa de ser típica, mas deixa de ser antijurídica. “Um homem que mate outro, em legítima defesa, não realiza ação antijurídica, mas ‘típica’” (p. 123). Logo, o agente não poderá ser punido. A ocorrência de uma causa de exclusão da antijuridicidade exclui a culpabilidade, por corolário, vez que esta não sobrevive sem aquela.

Portanto, assume a figura do tipo independência dos demais elementos. Sua inexistência torna inviável a existência da antijuridicidade e da culpabilidade, sendo que, enquanto esta última é dependente daquela, a antijuridicidade encerra a valoração e resulta da totalidade do sistema jurídico.

Para Beling, “toda a valoração pertence à antijuridicidade. (...) Não se atribui autonomia à tentativa, cumplicidade etc., tampouco ao dolo e à culpa (que são momentos da culpabilidade e não do tipo). Todos esses conceitos gravitam em torno das figuras descritivas da lei penal — ‘tipos’ básicos — Tatbestände dos quais extraem seu sentido, em relação de dependência e complementação” (p. 123).

Para Beling, o tipo

vem a ser uma descrição legal-abstrata, objetivo-externa, independente e neutra da conduta. Abstrata por corresponder a uma representação contida na lei, não sendo um dado posto no mundo real. Objetivo-externa, por apartar-se de todos os elementos espirituais, subjetivos e internos (dolo e culpa) que correspondem à culpabilidade. Pretensamente neutro, não cristaliza expressão de um juízo de valor do legislador e simultaneamente não enseja valoração por parte do juiz. É por ele apreendido como ato de conhecimento. Há mera cognoscibilidade do Tatbestand.

A seguir, veremos as críticas que se fazem a essa noção de tipo neutro, objetivo, natural.




3.3- Reformulação à Teoria do “Tatbeständ” independente e neutro

Até Beling, havia uma unificação dos elementos do delito, que são abordados sob o ângulo de pressupostos gerais para a aplicação da pena. Com ele, há uma cisão nos mesmos, o que os torna independentes e incomunicáveis.

Os penalistas que se seguiram abordam a tipicidade sob um outro enfoque. Para Max Ernst Mayer, a tipicidade configura um indício de antijuridicidade. Ou seja, o tipo não é apenas descritivo, mas revela uma contrariedade entre conduta e norma. Por outro lado, “reduz-se a distância entre os elementos do delito, perdendo o Tatbeständ um pouco do seu caráter de pura exterioridade e objetividade, sobretudo, com a integração dos elementos normativos (conceitos jurídicos teleológicos) e subjetivos (estados anímicos do agente)” (p. 124). Dessa forma, torna-se menos nítida a existência de limites entre tatbeständ e antijuridicidade.


3.4- Fusão do “Tatbeständ” e da antijuridicidade

Coube a Mezger fundir a antijuridicidade no Tatbeständ. “A delimitação do injusto se realiza através do Tatbestand que é fundamento real e de validade (ratio essendi) da antijuridicidade. O juízo da antijuridicidade fica situado no Tatbestand penal” (126).

Tipo torna-se um juízo presumido de desvalor, vez que a antijuridicidade pode ser afastada por uma causa excludente, o que contraria a própria teoria de Mezger. Se a antijuridicidade é essencial ao tipo, uma vez afastada inexistiria tipo [mas aí ele cai na figura da tipificação (figura típica), já indicada por Beling (pp. 122/123)].

Isso vai de encontro à teoria de Biling, para quem o tipo é uma construção técnica neutra. Se este autor considerava que a antijuridicidade não integrava o tipo, sendo este uma descrição neutra (não valorativa), objetiva, externa, independente dos demais elementos do delito, na teoria de Mezger o Tatbestand abrange o sujeito (autor ou partícipe) do delito, a ação e suas modalidades e o objeto do delito (objeto corporal sobre o qual a ação tipicamente se realiza) (p. 128).

O tatbestand de Mezger compõe-se dos seguintes elementos:
a- objetivos: correspondem à descrição de certos estados e acontecimentos que são apreciados cognitivamente pelo juiz (a existência de um cadáver, no homicídio, o acesso carnal, no estupro);
b- subjetivos: equivalem a descrições de estados e processos anímicos do agente, que o juiz vai conhecer cognitivamente como “o ânimo de enriquecer” do § 263 do Código Penal alemão;
c- normativos: extraordinariamente numerosos, são jurídico-teleológicos e somente determináveis por uma especial valoração da situação de fato. Citem-se certos delitos ( a injúria, o perjúrio, a ameaça etc.), os elementos que supõem uma apreciação jurídica (coisa alheia móvel, tutor, documento público, ação punível), além dos elementos com valoração cultural — (ação impudica, honestidade, maltratos, desprezo etc.).

Cumulativamente, Mezger considera que as circunstâncias que agravam a pena, aumentando o injusto do ato, assim como as condições objetivas de penalidade pertencem ao tipo, como resultado da fusão provisória do tipo (Tatbestand) na antijuridicidade (valor).

Comentários pessoais: Para mim, é difícil compreender o tipo sem a idéia da antijuridicidade. De fato, partindo-se da teoria de Binding, ao praticar a conduta descrita na lei penal, o autor afronta a norma que aquela conduta visa proteger. Assim, o “matar alguém” indica que o legislador visou proteger a vida. Não há como contemplar o tipo sem o elemento antijurídico, como pleiteava Beling, inicialmente, porque, ao tipificar, o legislador objetivou qualificar determinada conduta como lesiva ao Direito como um todo. Não há como dissociar a tipicidade da antijuridicidade, encarando a primeira como mero elemento objetivo e independente. Isso leva à corrente teórica proposta por Mezger, que fundiu a tipicidade com a antijuridicidade.


3.5- A dissociação entre “Tatbestand” e figura do delito

Posteriormente, Beling modifica a sua teoria, passando a distinguir entre figura retora ou tipo (leitbild – Tatbestand) e a figura delitiva ou figura do delito.

Para ele, toda figura delitiva compõe-se de uma pluralidade de elementos internos e externos, fixados na lei penal. Os primeiros dizem respeito às particularidades da culpabilidade que devem concorrer para que se dê o tipo de ilicitude como tipo de delito. Os segundos caracterizam o tipo de ilicitude de cada caso.

Estes elementos orientam-se até uma imagem unitária, na qual se relacionam mutuamente para que se dê o delito correspondente. Daí o termo imagem retora ou esquema.

Ou seja, os atos praticados pelo autor configuram a figura delitiva.

Para Beling, pode haver uma mesma imagem retora para diversas figuras de delito. V. g., na lesão corporal simples e na lesão seguida de morte, há uma única imagem retora: maltrato ou dano à saúde. O que importa considerar são os pontos comuns entre uma e outra figura, para caracterização da imagem retora. Multiplicam-se por diferenças adicionais à realização do Tatbestand, que podem ser objetivas (a morte, no exemplo dado) ou subjetivas ao dolo ou culpa (premeditação etc.).

O Leitbild ou Tatbestand ou “tipo” é uma representação essencialmente abstrata, em esquema retor, uma pauta, uma imagem de que se alimenta cada figura de delito. Existem, pois, as figuras de delito descritas na parte especial do Código Penal e dos Tatbestände legais ou esquemas estilizados ou “tipos” (matar um homem, subtrair coisa alheia móvel etc.). Já o catálogo das figuras de delito (assassinato, furto etc.) é bem mais numeroso (p. 131).

Do exposto, conclui-se que o Tatbestand é conceito nuclear. Ele não constitui um esquema retor para cada figura delitiva autônoma, mas sim, constitui um conceito imprescindível para se compreender a figura delitiva subordinada (tentativa, participação) ou demais conceitos legais (co-autoria, unidade de fato etc.). “Tais figuras acessórias ou subordinadas encontram-se em relação de dependência com os ‘delitos-tipos’ ou ‘tipos’, mas não são figuras típicas autônomas” (p. 131).


3.6- O dolo como elemento integrante do “Tatbestand”

Welzel, ao elaborar a teoria finalista, incorpora ao “tatbestand” a figura do dolo (injusto subjetivo). Assim, “a distinção entre homicídio doloso e lesões corporais seguidas de morte depende de um único critério: a existência e extensão do dolo” (p. 132).

Para esta corrente doutrinária, o “tatbestand” é o objetivado; aquilo que o agente conhece e busca realizar, configurando a verdadeira ação típica.

Afirmar que o dolo pertence ao Tatbestand, vale afirmar que pertence à antijuridicidade objetiva, pois Tatbestand, é concreção da antijuridicidade” (p. 132).

Se aqui — na teoria finalista — o dolo integra o tipo, na teoria causalista este se encontra separado daquele. Dessa forma:
a- na teoria finalista, o objeto do Direito é a própria ação lesiva. Na teoria causalista, o objeto do Direito é a lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico;
b- na teoria finalista, as espécies delituosas admitem as figuras culposas e dolosas;
c- na teoria finalista, o antijurídico é a ação final proibida (conduta típica), objetivo perseguido pelo autor. No causalismo, o delito consumado é a lesão causal de um bem jurídico e a tentativa é o colocar em perigo (causal) um bem jurídico.

Logo, o Tatbestand é um ilícito pessoal, embora objetivado. Engloba os elementos anímicos (dolo) necessários ao acontecimento, além dos demais elementos externos (a normatividade de Beling).

“Welzel, entretanto, esvazia o Tatbestand de vários desses elementos normativos ou subjetivos especiais (competência, noção de funcionário público etc.), locando-os na antijuridicidade propriamente dita, através de sua noção de Tatbestand aberto” (p. 134).

3.6.1- A culpabilidade
A legislação pátria contempla o dolo e a culpa como figuras ínsitas ao Tatbestand. “Acolheu nossa lei vários postulados finalistas, especialmente esse de um injusto pessoal, afastando a responsabilidade objetiva” (p. 134).

“A teoria finalista loca o dolo no Tatbestand subjetivo e a responsabilidade dentro da culpabilidade” (p. 134). Segundo Welzel, a responsabilidade assenta-se em duas premissas:
a- na capacidade do agente (que exclui a imputação de menores e demais incapazes);
b- na possibilidade de o autor da ação compreender a antijuridicidade de seu propósito.

A responsabilidade está no fato de o autor, agente capaz, conhecer o fato antijurídico (consciência da ilicitude) e ainda assim praticar a ação prevista no ordenamento jurídico, seja ela comissiva ou omissiva. Separa-se do dolo a consciência da ilicitude, que passa a ser compreendida dentro da culpabilidade. O dolo do fato é transferido para o injusto, integrando o Tatbestand.

Assim, o “matar alguém”, uma vez materializada a conduta no mundo fático, implica na vontade direcionada para tal fim. O agente quer aquele resultado. Se o resultado atingido for diverso do pretendido, ou não se pretendia qualquer resultado específico, entramos no campo da responsabilidade (que integra a culpabilidade).

3.6.2- Erro de “Tatbestand” e de proibição
Welzel retoma de certa forma o pensamento de Beling, ao esvaziar o “Tatbestand” da antijuridicidade e locar no mesmo a figura do dolo. De fato, Beling identifica uma independência entre a antijuridicidade e o “Tatbestand”, ao mencionar que este último é “figura independente da antijuridicidade e da culpabilidade, neutra (não valorativa), meramente técnica”.

Isso conduz à distinção entre erro de tipo e erro de proibição. No caso da primeira figura, ante a teoria finalista podem ocorrer as seguintes situações:
a- o agente desconhece os dados objetivos do tatbestand e o erro é inevitável: exclui-se tanto o dolo quanto o próprio tatbestand;
b- se o erro é evitável ou vencível: o agente responde culposamente apenas se a lei penal contempla a espécie culposa. Caso contrário, responde por ato doloso, vez que ele — o agente — poderia ter evitado o erro.

Por sua vez, o erro de proibição acarreta as seguintes considerações:
a- o agente acredita que age conforme o Direito por desconhecer a existência da espécie delituosa;
b- o agente conhece a existência da espécie delituosa (Tatbestand) mas, por equivocada valoração do tipo, atua acreditando estar agindo licitamente;
c- o agente supõe, enganosamente, que o seu agir está acobertado por uma causa de justificação (enquadrando-se a legítima defesa, a legítima defesa putativa etc.).

Como mencionado inicialmente, Welzel retira a antijuridicidade do tipo e a transfere para a culpabilidade. Sendo invencível o erro, gera inculpabilidade; se vencível, aplica-se a pena cominada.

O problema maior da teoria finalista vincula-se ao erro de justificação. Para o finalismo extremado, todo erro INEVITÁVEL implica em exclusão da culpabilidade. Já o erro EVITÁVEL ensejará a condenação por ato doloso, embora atenuada (impede a condenação por culpa).

O Direito Penal pátrio adotou a teoria do erro de tipo (Tatbestand) e de proibição, como corolário da teoria finalista, em sua modalidade atenuada. “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei” (pp. 136/137).

3.6.3- “Tatbestand” e ilicitude – Visão axiológica
Welzel — enfatizamos — mantém a visão tricotômica do delito, conforme inicialmente enfocado por Beling.

Acompanhando o pensamento desse autor, Welzel menciona que é possível a coexistência de condutas adequadas ao Tatbestand, porém, sancionadas. É o caso, por exemplo, das causas de justificação (legítima defesa), que retira do tipo a sua antijuridicidade.

A determinação desta “se dá através de dois procedimentos diversos: um, positivo, que é a verificação da ocorrência efetiva do Tatbestand (subsunção) e, outro, negativo, a afirmação da inexistência de qualquer causa de justificação” (p. 138).

Destaca ainda as diferenças axiológicas entre ação penal irrelevante e relevante. No caso das primeiras, a existência de causa justificadora, que retira a antijuridicidade, não transforma a ação praticada pelo agente em “ação atípica” ou irrelevante. A causa de justificação é nada mais do que mero preceito permissivo.

3.6.4- Os “Tatbestande” abertos

Para Welzel, os “Tatbestände” abertos implicam na necessidade de complementação, por parte do juiz, para que este possa, posteriormente, buscar a existência de uma causa de justificação.

Os tipos abertos diferem dos cerrados justamente no quesito “elementos indicadores do injusto”. Naqueles últimos, os elementos se encontram totalmente no tipo. Já os primeiros requerem um trabalho de complementação por parte do juiz.

Os Tatbestände que Welzel chama de propriamente abertos referem-se a certas espécies comissivas dolosas. Nessas espécies, “Welzel observou que a conduta proibida não está descrita objetiva e exaustivamente” (p. 139), cabendo ao juiz, antes do procedimento negativo, comprovar a antijuridicidade de forma positiva pela busca dos elementos do dever jurídico. Tais elementos pertencem à antijuridicidade e não ao tipo. Cita como exemplo a realização de um ato mediante coação ou violência. Nesses casos, o juiz não pode aplicar a pena. “Antes, deve o juiz comprovar se a utilização da violência resulta reprovável, pois existem casos de coação, mediante ameaça de um mal sensível, totalmente adequadas ao Direito. Logo, o juiz é que completa ou concreta a antijuridicidade” (p. 139).

Welzel faz uma distinção entre os delitos omissivos. Para ele, a situação geradora do dever, prevista no Tatbeständ, pertence a ele, não se confundindo com o dever daí resultante, o qual é puro momento da antijuridicidade (p. 139).

Quanto aos delitos culposos, Welzel os classifica como tipos abertos. A antijuridicidade só ocorre se o autor não adotou os cuidados que um homem mediano tomaria para se evitar a lesão de bens jurídicos, o qual deve ser comprovado pelo juiz.

Dessa forma, conclui-se que o Direito Penal não é feito tão somente de tipos fechados, que descrevem exaustivamente a matéria proibida. Para Welzel, tanto os delitos culposos e omissivos, quanto algumas espécies de omissivos, configuram tipos abertos.

Tal proposta teórica retorna à visão tricotômica de Beling, que considera o tipo como neutro, cuja existência independe da antijuridicidade.


3.7- Os “Tatbestande” totais

Os “Tatbestände” totais do injusto (o delito) são mais amplos do que os “Tatbestände” restritos. Enquanto nesses é adotada a visão tricotômica (tipo, antijuridicidade e culpabilidade), co-existindo independentemente, segundo a visão de Beling e Welzel, naqueles adota-se uma visão dicotômica: “tipo” total de injusto e culpa, originária dos trabalhos desenvolvidos por M. E. Mayer, tendo como seguidores Hegler, Sauer e Rozger.

O traço distintivo de um e outro é precisamente “o configurar a materialização do injusto, não precedendo a ilicitude ou (antijuridicidade) mas sendo sempre um posterius relativamente a ela” (p. 140). Ou seja, a antijuridicidade deixa de ser um elemento independente e passa a ser uma conseqüencia do tipo (ainda que se possa afirmar que a adição de tipo e antijuridicidade não eliminou as distinções existentes entre os vocábulos):

O Tatbestand total representa o oposto à Teoria de Beling no que concerne às relações entre Tatbeständ e antijuridicidade, pois funde ambos em uma unidade de valoração. Ficam excluídas apenas as condições objetivas da punibilidade e os elementos da culpa, razão pela qual o Tatbeständ total não se confunde com o Tatbeständ em sentido amplo dos pressupostos gerais de aplicação da pena.

Os elementos excludentes do injusto configuram os delimitadores do tipo. Assim, a legítima defesa exclui a antijuridicidade, excluindo conseqüentemente o tipo, vez que ambos estão integrados em uma só figura.

Tal teoria não reserva o nome Tatbeständ somente às descrições exaustivas efetuadas pelo legislador. Conseqüentemente, uma “fluidez” vem a se tornar a característica do “tipo”. “Ganha-se em riqueza de conteúdo valorativo o que se perde em fixidez, rigidez e neutralidade” (p. 142).


3.8- Outros sistemas conceituais

Grispigni vê no delito quatro requisitos: a- a conduta humana materializadora do tipo; b- o pressuposto legal; c- a antijuridicidade; d- a culpabilidade.

Battaglini considera três elementos: a- o fato-típico; b- a culpa; c- a punibilidade. Para este autor, a antijuridicidade nào é elemento autônomo, aproximando-se portanto do “Tatbeständ” total.

Antolisei volta-se contra a concepção tripartite do delito, prevista por Beling, e adota a visão dicotômica (compartilhada por Carrara, Carmignani e Pessina): a- o fato material; b- a vontade culpável.

A corrente egológica (que tem em Landaburu um de seus expoentes) não admite a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade como elementos do delito. Para ele, a tipicidade é inerente a todo o Direito, e não atributo exclusivo do Direito Penal. O antijurídico não é aquilo contrário ao Direito, nem tampouco se encontra fora dele. Igualmente, a culpabilidade não pode ser característica geral, uma vez que a responsabilidade objetiva encontra abrigo em vários códigos (delitos praeter-intencionais, lesões em rixas, nos quais se gradua a pena de acordo com o resultado).

Jorge Figueiredo Dias traz o tipo para próximo dos Tatbestande totais (ou teoria dos elementos negativos). Segundo este autor português,

(...) o tipo vem à frente de ilicitude, como fundamental e primeiro elemento do delito numa posição do lado de Eduardo Correia, Hegler, Sauer, Mezger, Hirsch e Dahm, entre outros, para concluir: ‘A ilicitude, como valoração autônoma da ordem jurídica através da qual se liga a um certo comportamento um sentido de desvalor jurídico, detém o primado, é verdadeiramente o essencial, possui prioridade ontológica e normativa sobre o tipo.

Acontece, simplesmente, que nem todo o ilícito é penalmente relevante, mas só o que corresponde a uma descrição típica da conduta (nullum crimen sine lege, tipo de garantia).

(...) a ilicitude (...) se compõe de Tatbestände incriminadores e justificadores. Esses últimos (que são as causas de justificação) configuram limites aos incriminadores. Dando-se uma causa de justificação não há que falar em sobrevivência do “tipo”incriminador, posição que se aproxima da teoria dos elementos negativos do “tipo”, mas que dela se afasta graças à precedência ontológica outorgada à antijuridicidade (ou ilicitude) e à relativa independência conceitual conferida aos “tipos” justificadores.

(...) o destaque dado aos “tipos” justificadores que nào são simplesmente absorvidos nos incriminadores têm sua razão de ser pelo fato de estarem sujeitos a princípios diversos e possíveis efeitos próprios. Ressalte-se sua não sujeição à legalidade, ao nullum crimen... nem à proibição da analogia e princípios que informam necessariamente os tipos incriminadores.


3.9- A espécie delituosa e a especificidade

Cada espécie dleituosa se forma por especificação, dependente do conceito geral e da própria noção de injusto.

Em Beling, a descrição da conduta proibida forma o núcleo e o fundamental em cada espécie. Logo, a tentativa, a participação, a co-autoria etc. não são novas espécies autônomas, mas sim, dependentes da espécie principal. Dolo e culpa são momentos da culpabilidade.

O Finalismo parte de uma noção diversa do injusto, autonomizando as espécies dolosas e culposas.


3.10 - Críticas

A teoria do tipo desenvolveu-se a partir de um enfoque analítico do delito, à medida em que se abandonou a sua identificação com os pressupostos gerais para a aplicação da pena.

As principais correntes são:
a- visão tripartida do delito (Beling): integram o delito, de forma independente e com primazia do primeiro, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. É conferida primazia à tipicidade da ação delituosa frente aos demais caracteres do delito e sua precedência lógica e ontológica à antijuridicidade, bem como autonomização da tipicidade, que sobrevive mesmo inexistindo antijuridicidade (em função da existência de causa dirimente ou justificadora), e repúdio ao enfoque dessas causas dirimentes como limites ao Tatbestand;
b- dos tipos totais: incorpora o conceito de tipo todos os elementos positivos ou negativos, configuradores do injusto, sendo que as causas que excluem a antijuridicidade aparecem como limites negativos do tipo incriminador;
c- outros sistemas conceituais: Figueiredo Dias atribui à antijuridicidade precedência lógica e ontológica sobre a tipicidade. Essa linha é considerada a preferida pela Autora. De fato, a conduta somente é tipificada quando reputada como injusta, antijurídica.



3.10.1- Ângulos sob os quais se oferece a crítica

Há uma divisão muito clara na utilização do tipo. No mundo ocidental, o que se denomina de tipo é justamente o seu oposto: o conceito fechado classificatório. Utilizando-se do método dedutivo, conceituam o delito através de notas irrenunciáveis e fixas. Em lugar da tipologia, adotam uma classificação das espécies delituosas, perseguindo o ideal de exatidão, precisão e do rigor lógico. Isso é classificar, e não pensar tipologicamente.

A classificação das espécies delituosas é, portanto, rígida: ou a espécie é lesão corporal seguida de morte ou homicídio doloso. Ou há dolo, ou não há delito, se o direito positivo NÃO INCRIMINA A FORMA CULPOSA.

A tendência predominante no Direito Penal é justamente a classificatória.


3.10.2- Do ontológico-axiológico

A crítica que a autora faz à concepção tripartite do delito, particularmente no quesito de atribuição de primazia da ação delituosa, vincula-se ao fato de que as soluções dogmáticas oferecidas não são coerentes com a função fundamental de garantia e segurança jurídica, própria do “tipo”, pois:
a- a ação ou conduta continua sendo o centro irradiador teórico fundamental;
b- o tipo é mera qualidade da ação, a ela se acostando e sendo estranho à antijuridicidade, à culpabilidade e às penas, sendo que tal separação é atenuada no finalismo, ao integrar o dolo no tipo;
c- o tipo permanece identificado a pressuposto ou antecedente da norma, razão pela qual as penas, enquanto conseqüência jurídica, não são analiadas por tipos;
d- a missão de garantia e segurança jurídica própria do tipo incriminador não contamina, necessariamente, as causas de justificação. Há de haver tipos conceitos precisos — conformando firmemente os delitos, rejeitando-se os conceitos indeterminados, vagos e ambíguos. Aqui a legalidade, do ponto de vista formal e material, é absoluta, com repulsão à analogia;
e- a tipicidade, enquanto princípio de garantia, não se esgota ao formar conceitos, de conotação fechada. A extrema objetividade do tipo leva à negação da segurança jurídica. A missão de garantia do tipo começa na forma elementar de mera atribuibilidade e vai até à determinação da culpabilidade, pela adoção de critérios objetivamente previstos em lei, descrição legal de ações dolosas ou culposas, assim como especificação da culpabilidade stricto sensu.


3.10.2.1- Do conceito ontológico-axiológico de tipo, no sentido impróprio

O segundo aspecto que tem suscitado controvérsias refere-se ao conceito ontológico-axiológico daquilo que se denomina “tipo”.

Na visão tricotômica do direito, o tipo tem prevalência sobre a antijuridicidade, em rígida separação. Também os adeptos do Tatbestande totais filiam-se à teoria dos elementos negativos, definindo a tipicidade como a essência da antijuridicidade.

O tipo — Tatbeständ — eleva-se como o primeiro dos elementos do delito. Logo, a antijuridicidade fica condicionada à existência ou inexistência de uma causa dirimente. O “tipo” sobrevive sem antijuridicidade.

Figueiredo Dias pugna pela existência da antijuridicidade anteriormente ao tipo. Este é mera descrição da antijuridicidade. “Recusam-se a aceitar a visão positivista e finalista, de que o ‘tipo’ seria só a descrição do comportamento proibido e a ilicitude sua mera predicação. Ao mesmo tempo, inadmitem a idéia normativista, segundo a qual o ‘tipo’ é o fundamento, o antecedente, o prius e a ilicitude mera conseqüência” p. 156). Sem ilicitude (antijuridicidade) não há tipo.

“A concepção causalista tradicional vê na ação delituosa a causa de uma lesão ou ameaça a um bem jurídico, sendo, pois, o tipo — Tatbeständ — de injusto comum ao delito culposo e doloso. O objeto da proibição visa a proteção do bem jurídico, (...), sancionando-se sua lesão” (p. 157).

“Para o Finalismo, não obstante, o Direito é um conjunto de mandados, comandos e proibições. O que é relevante direta e imediatamente é a conduta proibida e só mediatamente o bem jurídico. O objeto, pois, do injusto é a ação mesma, a ação final” (p. 157).

A Autora segue a corrente capitaneada por Figueiredo Dias. Para ela, “se o ilícito é desvalor, ele é prioritário. O tipo — o Tatbeständ — fica sendo a descrição objetiva do desvalor, veículo de sua manifestação” (P. 156). Logo, não há como falar em delito sem sanção (o que foi solucionado pela teoria dos “Tatbestände” totais).

Em todas as correntes (causalista/finalista) o tipo se torna independente a ponto de prevalecer quando inexiste o delito, por ausência de antijuridicidade. O tipo é, nesse caso, mero indício da antijuridicidade, um juízo de desvalor provisório.

O tipo restrito à ação propicia uma ontologização da ação, sua reificação e autonomização. Perde sua vinculação à sanção. O delito só o é porque sancionado. Na sanção é que se encontra o propriamente descritivo, o normativo em essência. Loto, o tipo (Tatbeständ) só pode ser jurídico-penalmente concebido se, implicitamente, comportar conseqüência ou levar à sanção. Isso foi resolvido na teoria dos “Tatbestände” totais, vez que nele se mesclam o tipo e a antijuridicidade.

Assim, difere a doutrina do “Tatbeständ” total da tripartida somente porque incorpora um conceito mais lato de Tatbestänb, vez que nele se incluem as causas de justificação, com seus elementos negativos. Mas ambas teorias promovem uma cisão entre objeto de valoração e valoração do objeto. É o que veremos, a seguir.


3.10.2.1.1- Cisão entre objeto de valoração e valoração do objeto

Por objeto de valoração entende-se o bem que o tipo busca proteger. Assim, no tipo “matar alguém”, visa-se proteger a vida humana, mediante reprovação da conduta, que se torna antijurídica (ou injusta).

Por objeto de valoração entende-se a causa que retira da ação a sua antijuridicidade. Dessa forma, se o “matar alguém” decorreu de uma legítima defesa, esvazia-se o ato de ilicitude.

“Sem valoração da juridicidade ou antijuridicidade não há ‘tipo’, nem é possível seu conhecimento efetivo e com a conseqüência de que a formulação literal da lei impõe um limite ao encontro e conhecimento da ilictude penal” (p. 160).

Nesse diapasão, Tatbeständ é valoração do antijurídico em sentido positivo e causas justificadoras são valoração do antijurídico em sento negativo (que também protegem um bem jurídico, conjugando-se com o tipo incriminador e restringindo seu âmbito de validade). Não há como se separar o antijurídico do Tatbeständ, haja vista que todo Tatbeständ penal para ser dotado de sentido é simultaneamente antijuridicidade.


3.10.2.1.2- O juízo de desvalor provisório e o “Tatbeständ”

A Autora enfoca, nesse ponto, as incoerências internas existentes entre o conceito de tipo nas teorias causalistas (entendido como um indício de antijuridicidade) e o tipo fechado de Welzel, autor da teoria dos Tatbestände abertos.

Se o tipo — Tatbeständ — é um juízo de desvalor provisório, que pode ser contraditado nas hipóteses de justificação, que, por sua vez, retiram do mesmo o indício de antijuridicidade, e no tipo aberto há a necessária complementação por parte do juiz, chega-se a um impasse: esses últimos não podem ser considerados tipos verdadeiros, porque não indiciam o injusto.

O perfil, a extensão e o sentido do delito são extraídos, para o finalismo, de um juízo sobre a antijuridicidade e não do tipo insuficiente (abertos).

Isso porque a corrente causalista atribui precedência da tipicidade à antijuridicidade, no intuito de preservar a noção de tipo como núcleo da descrição precisa por meio de conceitos de conotação total.

O tipo penal é ipso facto antijuridicidade. Ele guarda com ela uma relação de equivalência.

“A incoerência apontada só vem esclarecer que, se há ‘tipos’ abertos que não contém toda descrição da matéria proibida, é porque a antijuridicidade não encontrou neles a concreção máxima, a descrição precisa e definida que se materializou nos cerrados” (p. 163).

E continua a Autora: “Ora, identificados antijuridicidade e Tatbestand, os Tatbestände abertos e fechados equiparam-se no plano ontológico. Ambos são juízos de valoração do injusto com a única diferença que, nos abertos, os conceitos são menos rigorosos ou indeterminados” (p. 163).

Concluindo, assevera que “se não é admissível, teoricamente, Tatbestand penal sem antijuridicidade, a recíproca não é verdadeira. A existência de antijuridicidade insuficientemente e imprecisamente conceitualizada no Direito Penal (...), assim como aquela não ‘tipificada’ em outros ramos jurídicos (...), demonstram que o injusto não se reduz ao ‘típico’, mas o extravasa” (p. 163).


3.10.2.1.3- A questão da relevância

Aqui se destaca a questão daquilo que é relevante ou não para o Direito Penal, o que fatalmente leva à tipicidade ou atipicidade da conduta.

Dentre os adeptos da teoria tripartite do delito, Welzel (finalista) pugna pela existência do Tatbeständ mesmo se inexistente a antijuridicidade, em função de uma causa dirimente. Para ele, não se pode relacionar tipo com causa dirimente. Deve tal relação ser substituída por outra expressão: norma proibitiva - disposição permissiva.

A inadequação deste ponto de vista conduziu à formulação da teoria das circunstâncias negativas do tipo, “segundo a qual a inexistência de antijuridicidade, pela atuação de uma causa justificadora, elimina o Tatbeständ. Teoria que é inaceitável para o finalismo, pois sob tal enfoque ignora-se a significação autônoma das normas permissivas. Há de se manter nítida distinção entre o absolutamente irrelevante e o relevante para o Direito”. Para Welzel, uma ação atípica (irrelevante para o Direito) não pode estar colocada no mesmo degrau de importância a uma ação típica, ainda que justificada.

Critica a Autora esta concepção, nos seguintes termos:

Mas é exatamente do ponto de vista axiológico que contra-argumentação contundente pode ser oposta. Pois o que é inaceitável é que fiquem equiparadas, em idêntica valoração jurídica, tanto a ação de tirar a vida alheia, em legítima defesa, como a ação de matar a outrem dolosa e maldosamente. (É isso que empreendem os adeptos da corrente tricotômica)...”Essa igualação positiva aparece despida de qualquer legitimação material por não atender a que uma (o homicídio por maldade) é de valor negativo e outra (o homicídio em legítima defesa) de valor positivo para o Direito Penal”.

Para a Autora, não há diferença entre ação atípica e ação típica justificada. Ambas se situam no âmbito do permitido. “Poder-se-á falar apenas de um permitido negativo — que decorre, por exclusão, de ausência de contemplação em norma jurídica expressa — ou de um permitido positivo — advindo de “norma exceptiva de outra norma geral proibitiva” (p. 165).


3.10.2.1.4- A unidade do injusto

Para a Autora, há uma inequívoca fusão entre o Tatbeständ e o antijurídico, utilizando para tal a teoria dos círculos concêntricos de Roxin. No círculo central estariam colocadas as espécies penais, e no círculo exterior a antijuridicidade. Dessa forma, nem toda conduta antijurídica será espécie delituosa, mas toda espécie penal será antijurídica. Embora exista antijuridicidade especificada na lei, não há tipo penal sem antijuridicidade.


3.10.3- Do epistemológico

O Tatbeständ é a própria antijuridicidade em concreção. Não há como apreender um, independentemente, para só depois apreender o outro. “A antijuridicidade se dá a conhecer por meio de uma ‘tipificação’ (tecnicamente, uma conceituação determinada)”. Prevalece, portanto, sobre a tipificação normativa.

Se a antijuridicidade precede a tipificação, o tipo é uma delimitação conceitual que conceitua e delimita o injusto. Ou seja, dentre todas aquelas condutas consideradas injustas, o tipo penal delimita algumas que para ele são relevantes, cominando penalidades caso o agente a pratique. Logo, somente a análise do sistema jurídico como um todo pode proporcionar o conhecimento adequado do sentido e do alcance da norma penal configuradora do injusto.

Transposições indevidas são observadas no pensamento dos teóricos da escola tripartida do delito. É o que veremos, a seguir.



3.10.3.1- A ontologização dos valores

Para a Autora, “na corrente tripartida do delito não fica demonstrada a possibilidade epistemológica de um ‘tipo’ penal estranho à antijuridicidade penal” (p. 167). De fato, os teóricos da referida corrente segregam o tipo da antijuridicidade. Só que esta antijuridicidade, para que seja delimitada como tipo, deve ser “sentida” pelo sujeito. Assim, a morte de um homem nada mais do que um fato, não sendo suficiente a preencher, por si só, o tipo — Tatbeständ — penal. Mas, uma vez que se passa a atribuir valor à vida humana, qualquer ato atentatório contra esse direito configura um ilícito, que é sentido pelo sujeito.

Logo, não pode haver um tipo penal estranho à antijuridicidade.


3.10.3.2- A confusão entre lei e norma e entre nível estático e dinâmico de conhecimento do direito

“Ainda percebe-se nítida confusão entre lei e norma, entre Tatbestand e lei e entre estática e dinâmica jurídicas” (p. 167).

As causas excludentes da antijuridicidade não perdem seu caráter de tipo — Tatbeständ — simplesmente por estarem em capítulo separado na codificação penal. Por método, é até adequado que o legislador assim proceda, sob risco de ter que repetir cada uma das causas excludentes da antijuridicidade ao final de cada artigo conceitualizador das condutas delitivas. Dessa forma, as causas excludentes funcionam como “limites gerais que se acostam a vários ou múltiplos ‘tipos’, demarcando-os” (p. 168).

Por outro lado, identificar o tipo penal — Tatbeständ — com a lei e a antijuridicidade com a norma, é proceder em erro. O tipo — Tatbeständ — jurídico, indicado pela ciência penal como relevante, é o que decorre da formulação legislativa como concreção legal do injusto, do antijurídico. Compreender o sentido do tipo é conhecer a antijuridicidade. Para tal, não basta apenas a interpretação literal da lei, mas sim, exige-se o conhecimento da norma que decorre de todo o sistema jurídico. Ou seja, não basta a lei penal cominar a aplicação de pena para o crime de roubo. É preciso compreender que o sistema jurídico pátrio protege a propriedade contra atos lesivos praticados por terceiros.

“Enfim, as palavras da lei só expressam aquele sentido normativo adequado que advier da totalidade do sistema jurídico” (p. 168).

“Há ainda o descompasso que se está a incorrer quando o conhecimento a nível estático sofre indevidas extrapolações advindas do nível dinâmico do conhecimento” (p. 168), particularmente observada na corrente tripartite do delito. Para o Finalismo, o tipo é conceito abstrato, e a antijuridicidade seria a contradição de uma realização típica com ordenamento jurídico em seu conjunto.

Welzel afirmava que a realização da conduta ilícita é antinormativa (porque está prevista na norma), porém, nem sempre, antijurídica (se, porventura, estiver contemplada por uma causa que exclui a ilicitude, também denominada de causa excludente ou dirimente). No caso, amolda-se ao conceito o “matar alguém em legítima defesa”. Para ele, situam-se em setores distintos a antijuridicidade (realização do “Tatbeständ”, contrária ao ordenamento, situada no campo fático, concreto, específico, individual) e o “Tatbeständ” (conduta normativa proibida nos delitos comissivos ou exigida, no caso dos delitos omissivos). Portanto, dever-ser e abstração.

Em suma, se ao autor apresenta-se uma causa excludente (ou justificadora) da antijuridicidade, então a norma abstrata não se converterá em dever jurídico concreto para o agente.

Para a Autora, ocorre, nesse caso, extrapolação indevida da estática para a dinâmica jurídica, assim como do abstrato para o concreto. Vejamos porque.

“Tanto os caracteres do tipo — Tatbeständ — como as hipóteses de exclusão do delito, locadas na antijuridicidade, e a culpabilidade devem e podem ser encaradas num mesmo plano abstrato e geral” (p. 169).

E é nesse plano abstrato e geral que as hipóteses de exclusão da ilicitude é que demarcam o Tatbeständ, funcionando como seus limites negativos.

“Para argumentar na mesma linha de raciocínio de Welzel, dizemos que, no plano abstrato e a nível exclusivo do dever-ser, o Direito proíbe, ou permite, mas o que proíbe não pode permitir ao mesmo tempo” (p. 169).

Logo, não há que se falar que a conduta é autorizada somente no caso concreto. Tanto a vedação (proibição de fazer) quanto a excludente dessa proibição encontram-se previstas abstratamente na lei. Assim, no exemplo sempre referido, o art. 121 elenca o ato de “matar alguém” como passível de punição. Este preceito primário se encontra na Parte Especial do Código Penal. Contudo. Na Parte Geral encontram-se as atenuantes e as causas de exclusão da ilicitude (ou antijuridicidade), tais como o estrito cumprimento do dever legal, a legítima defesa própria ou em favor de terceiro, a legítima defesa putativa, estado de necessidade etc.

E conclui a Autora:

A distinção entre estática e dinâmica jurídica e a colocação correta do Tatbeständ e da antijuridicidade tanto no plano abstrato, como no concreto-individual, sem extrapolações indevidas, é que permitem a identificação das causas de justificação — ou exclusão da ilicitude — como delimitação negativa do Tatbeständ (denominado “tipo”, de maneira imprópria, como visto) (p. 170).



3.10.3.3- A analiticidade não superada em Beling e a antinomia lógica do finalismo de Welzel

As correntes teóricas que pugnam pela tripartição do delito (causalistas e finalistas), admitem a existência do Tatbeständ independentemente da antijuridicidade. Para elas, mesmo que não haja delito, em função de uma causa excludente, o tipo continua existindo, porque o delito é dividido em tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Faltando as duas últimas, prevalece a primeira. Por isso o delito continua existindo.

Segundo a Autora, “a ilogicidade está em negar a existência do todo (o delito) mas não a da parte. Os elementos da coisa (o delito), que alguns penalistas preferem chamar de aspectos ou requisitos, sobrevivem, embora não se dê a coisa” (p. 170).

Ou seja, não se pode vincular a existência do delito aos seus requisitos. Para a corrente tripartite, o delito deixa de existir se faltar algum de seus requisitos. Os elementos continuam existindo, embora não se dê o delito.

Para a corrente finalista (tripartite), o Tatbeständ é a descrição da matéria proibida (conteúdo da norma proibitiva) e as causas de justificação são a disposição permissiva. Então, a ocorrência de uma causa de justificação elimina o tipo — Tatbeständ — (a proibição). Caso contrário, ter-se-ia que admitir que, “algo estando proibido, esteja simultaneamente permitido” (p. 171).

Ou o tipo — Tatbeständ — é mero elemento do delito, permanecendo ainda que inexista crime,

(...) ou nos situamos na corrente finalista que tem no tipo — Tatbeständ — uma proibição (ou mandado) e na causa de justificação uma permissão. Dando-se a permissão, ainda assim persistirá a proibição. Algo estará proibido e permitido ao mesmo tempo, em franca contradição (p. 171).


3.10.4- Da eficácia normativa material e processual

A ação atípica (assim entendida aquela ação típica, mas fulminada a antijuridicidade por uma causa excludente desta), não gera efeitos jurídicos penais. Assim, matar uma mosca tem o mesmo efeito que matar um homem em legítima defesa, para fins penais (o que foi anatematizado por Welzel).

Porém, para as correntes doutrinárias que pugnam pela tripartição do delito, a existência de uma causa excludente não retira a obrigatoriedade da ação penal, que, no caso brasileiro, é indisponível por força do princípio que leva o mesmo nome e pelo princípio da legalidade. Ao Ministério Público cabe apenas a leitura literal da lei, sem possibilidades de avaliação ou valoração das circunstâncias que consagrassem a licitude do comportamento e a inculpabilidade do agente, tarefa esta que é delegada ao Poder Judiciário.

É verdade que à Promotoria não cabe julgar. No entanto, naqueles casos em que inquérito policial inconfutável, clara e objetivamente, dá pelo evidente reconhecimento da ausência de ilicitude, deve ser exercitada a ação pública, necessariamente?

Se buscarmos apoio nas teses da ação como direito “em sentido concreto”, veremos que, inexistindo delito (por ausência de antijuridicidade ou de culpabilidade) não há jus puniendi do Estado, ou um direito da sociedade à tutela jurídica e, muito menos, um direito potestativo, de que seria titular o Ministério Público, à vontade concreta da lei.

Por outro lado, se a ação for encarada em sentido abstrato, vale dizer, como direito de agir em juízo, feita abstração dos fundamentos do processo e da obtenção a uma sentença favorável.

A juridicidade ou antijuridicidade da conduta do agente e sua possível culpabilidade não se relacionam com o exercício da ação penal, que guarda extremada autonomia em relação aos direitos e deveres materialmente assegurados pelo ordenamento. A ação é simplesmente o direito de se obter que o juiz declare se o autor tem ou não razão, cumprindo a função de ser instrumento servil à lei.

Pode-se finalmente considerar a admissibilidade da ação como direito à atuação da vontade concreta da lei (ação em sentido material), assim como falar em ação num sentido meramente processual (faculdade de agir em juízo). Logo, a ação (no sentido processual) não se fundamenta na lesão de um outro direito subjetivo, mas configura em si mesma uma faculdade à obtenção do pronunciamento do Judiciário.

Proposta a ação, sua improcedência pode se dar pela ausência de elementos essenciais à configuração do tipo, como pelo reconhecimento da existência de uma causa justificadora. O direito de ação foi exercido (em sentido processual), que independe da própria existência do delito.

O direito pátrio não cataloga a idéia de que, havendo delito, mesmo que presente uma causa excludente, deve obrigatoriamente o MP interpor a ação penal pública. O nosso sistema processual distingue nitidamente a actio e a jurisdictio. Ao MP cabe o exercício da ação, e ao Judiciário o julgamento. Àquele, cabe o juízo de admissibilidade ou não da ação, podendo inclusive arquivá-la, caso ocorra carência de ação por inexistência de delito (prova policial irrefutável e induvidosa de causa excludente da ilicitude).

O que é imprescindível observar é que o Tatbeständ só pode gerar como efeito a ação penal, enquanto revestir pelo menos as aparências de antijuridicidade. No momento em que caem tais aparências, configurando-se a ilicitude, não há que falar em delito, portanto em conformidade ao Tatbeständ, o que tem sido, impropriamente, chamado de tipicidade (p. 175).

O Promotor deve agir como fiscal da lei, zelando por sua correta aplicação. Se inexistente a antijuridicidade, não teria o que pedir, carente que seria a ação de objeto (p. 176).

Logo, não pode ser aceita a concepção de Welzel, para quem, dando como certa e comprovada a inexistência do antijurídico em determinado caso, ainda assim continua a falar em “tipicidade” penal (p. 176).

Se, ao contrário, for proposta a ação penal, em função da causa excludente ocorrerá carência de ação, porque esta perderá o seu objeto. O mesmo não se aplica nas causas de extinção da punibilidade (anistia, prescrição, decadência, retratação, casamento do agente com a vítima nos crimes contra os costumes etc.). Estas pressupõem a ocorrência do delito e do direito de punir por parte do Estado. Assim, ocorrendo o delito e sendo este fulminado pela prescrição, o direito de punir se extingue por expressa disposição legal.


3.10.5- Do metodológico e do ordenatório

“A decomposição do delito em Tatbeständ, antijuridicidade e culpabilidade, como quer a corrente tripartida, ainda interfere, no Direito Penal, a nível metodológico, taxionômico e ordenatório” (p. 177).

Sob o enfoque da ordenação do conhecimento, na busca de uma taxionomia penal, as causas excludentes do injusto, a culpabilidade e a pena passam a segundo plano e não compõem o núcleo da espécie. Para a corrente tricotômica, elas estão “fora do tipo”.

A ausência de antijuridicidade e de culpabilidade excluem o delito e a própria espécie delituosa, mas não se prestam — seja por assumirem uma forma negativa, seja por serem cláusulas gerais — à identificação, discriminação e ordenação sistemática dos delitos (p. 178).

O que é, então, peculiar de cada espécie delituosa?

Para a corrente tricotômica, a antijuridicidade e a culpabilidade não integram o específico de cada espécie. O causalismo e o finalismo divergem nesse aspecto. Enquanto aquele loca o dolo na culpabilidade, este o aloja nos tipos subjetivos e a responsabilidade dentro da culpabilidade (para Welzel, os tipos bifurcam-se em objetivos e subjetivos [dolosos e culposos]).

Para o causalismo, a descrição da conduta proibida(da qual se aparta o dolo), enquanto lesão de um bem jurídico, forma o núcleo específico do tipo. A tentativa seria uma espécie vinculada ao tipo principal, não subsistindo de forma independente. Dolo e culpa, por sua vez, são momentos da culpabilidade.

Diante disso, opina a Autora que “procurar identificar a especificidade de cada delito, é missão do jurista, se quiser operar, com rigor e precisão, os fenômenos da incidência e da reincidência” (p. 179). Assim procedendo, será empreendida a classificação dos crimes. “Não se obterá uma tipologia, já que no Direito Penal prevalece a tendência conceitual classificatória” (p. 179).


3.11- Conclusões

O tipo (em verdade um conceito) não encontra contornos bem definidos, coerentes e rígidos, na Ciência Penal (p. 179).

1) A grande maioria dos cientistas penais restringe a noção de tipo ao Tatbeständ ou ao pressuposto e, assim mesmo, à parte dele. O “tipo” vem a ser, então, a descrição da ação delituosa, excluída a culpabilidade (na teoria dos tipos totais) ou excluídas a antijuridicidade e a culpabilidade (teoria tripartida do delito).
2) Axiologicamente, o tipo vem definido como primeiro elemento do delito, quando tal precedência sobre a antijuridicidade é questionável. Conseqüências:
2.1) o tipo penal não esgota a antijuridicidade, quando se define a tipicidade como essência da antijuridicidade. Esta decorre da totalidade do sistema jurídico e se constata que pode existir de forma insuficientemente determinada (como no caso dos tipos penais abertos);
2.2) é ilógico afirmar-se que existe tipicidade sem antijuridicidade (determinação conceitual), como pugnado pelos adeptos da corrente tripartida. Soa estranha a existência de uma figura típica que se mantenha, caso ocorra uma causa excludente (teoria causalista). Do mesmo modo, o Finalismo prevê que, havendo uma causa proibitiva em contraponto a uma excludente (permissiva), ocorrendo ambas simultaneamente, não haveria delito; entretanto, subsistiria o tipo (a proibição).
3) O modelo de “tipo” penal (de espécie penal delituosa) é, basicamente, descritivo e não normativo, uma vez que é o Tatbestand ou o pressuposto da norma penal. O tipo penal descreve uma ação. Situa-se, pois, no “dever-ser”. A sua realização implica na aplicação de uma sanção. Tautologicamente, esta integra o tipo. Ou seja, para proteger a vida humana, o art. 121 do CPB determina: “matar alguém. Pena — 12 a 20 anos”. O tipo é descritivo. A norma é ínsita ao mesmo.
4) Considerado o “tipo” sob o ângulo da especificidade (um entre iguais), efetivamente, as causas de justificação, assim como a culpabilidade (enquanto responsabilidade) são implicações genéricas, não interferindo no particular de cada espécie.

Conclui-se, então, que se tem trabalhado, no campo penal, com conceitos equivocados de tipo ou Tatbestand.

Na verdade, o tipo penal é um conceito classificatório, do ponto de vista técnico-jurídico.

Essa forma não técnica de ver o tipo em nada o distingue do conceito, que também é uma abstração generalizante. Quando o conceito abstrato determina as suas notas ele especifica as características comuns e distintivas de fenômenos de um mesmo grupo. Esse conceito determinado e abstrato é o que os penalistas denominam de tipo. Uma abstração mais próxima do concreto, menos individual e geral, mais determinada. Ele se coloca entre o conceito individual e o geral, amplamente abstrato e indeterminado.

No estudo teórico do conceito determinado e especificante (tipo, impropriamente denominado), é preciso refletir, continuamente, sobre o que é antijurídico e quando o é, porque caso não o for não há delito, nem espécie delituosa. Os fatores que eliminam o delito, eliminam, ipso facto, a espécie. Não há notas características de espécie penal (tipicidade) sem antijuridicidade ou culpabilidade. Por outro lado, é correto alojar as causas que excluem a antijuridicidade fora da espécie penal, como fazem os partidários da corrente tricotômica, sendo de se rejeitar a possibilidade da existência de espécie delituosa justificada.

As espécies delituosas são delitos que se contém no conceito de delito (espécies de uma classe). Novamente utilizando os círculos concêntricos, no círculo maior, exterior, estariam colocados tudo aquilo que é comum a todos os delitos. Sua inexistência impede questionar-se a existência da área B, círculo menor, central. Neste, estariam colocados somente o que é particular a cada espécie, atribuindo-lhe a conformação específica. Dessa forma, não se pode admitir que, não havendo delito, sobreviva a espécie penal. Os fatores que excluem a antijuridicidade são limitações à espécie penal, eliminam-na.


3.12- Da possibilidade dos tipos no Direito Penal

É possível o reconhecimento de tipos no Direito Penal.

Para a Autora,
Os delitos são enumerados em rol classificatório, exaustivo. Não são objeto, então, de uma tipologia, a qual jamais extinguiria o conceito de crime. Ao contrário, as espécies penais exaurem o conceito de ilícito penal, de tal modo que uma espécie incriminadora não pode ser deduzida da totalidade do sistema jurídico, não pode ser descoberta “implícita” no ordenamento positivo, tampouco resultar de um arranjo ou fusão de notas diferenciadoras de uma e outra espécie (forma mista). A taxionomia penal é fundamentalmente legislativa, mas sua precisão é completada pela Jurisprudência e pela Ciência Penal (p. 184).

A par dessa tendência predominante, pode-se reconhecer a existência de tipos, desde que distinguindo três setores. No primeiro, o dos conceitos indeterminados, ambíguos, equívocos ou carentes de especial valoração, que formam aquele campo de difícil delimitação entre o tipo e o conceito. Para sua identificação, seria necessária a análise de cada situação.

No segundo setor, pode-se falar em tipologia. Enquanto que aquilo que é crime é especificado e classificado, como tal, na lei penal, o que não é, vale dizer, os limites negativos da espécie (causas excludentes), são tipificadas em rol não exaustivo.

A segurança jurídica, no Direito Penal, restringe-se a cercar de rigidez o rol das espécies penais.

Assim é que o método para excluir a ilicitude penal, de forma geral, tem sido diverso daquele utilizado para incriminar. Entretanto, tecnicamente, só podemos falar em tipos excludentes da ilicitude, os quais limitam o âmbito das espécies delituosas. Não podemos admitir a existência de tipos incriminadores. (p. 186)

Em um terceiro setor pode-se falar em resíduos tipológicos: a da graduação da pena. Este é o campo em que, para Radbruch, de forma reduzida, podem ser admitidos conceitos de tipos.

À pena deve corresponder a culpa do autor, em espécie e grau. Em face disso, poder-se-ia supor o pensamento gradualístico-comparativo similar ao tipológico. A lei “tipifica” as penas, concede os critérios de sua aplicação mas, atenta ao princípio da igualdade, estabelece apenas um quadro dentro do qual o aplicador graduará a punição segundo um “tanto mais...quanto mais”.

Mas não fica afastada, nem resolvida a indagação, pois não é fora de propósito admitir a graduabilidade como nota comum ao conceito abstrato, se, através dela, não se possa romper com os limites da própria espécie. Trata-se de uma graduabilidade reduzida ou um resíduo tipológico. (p. 187).

A Autora opina pela existência de tendências predominantes e nunca pela exclusividade de um ou outro método (conceitual classificatório ou tipológico). Entre um e outro existe uma distinção gradativa, que passa por uma pluralidade de formas de difícil delimitação.


4- TIPO EM SENTIDO IMPRÓPRIO: EVOLUÇÀO TEÓRICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO


4.1- Antecedentes

A teoria do fato gerador é o equivalente tributário da teoria do tipo penal, ambas desdobramento da teoria do fato jurídico.

Da mesma forma que nas teorias causalistas (principalmente com Beling, que reduziu a causalidade ao Tatbeständ) do Direito Penal(DP), no Direito Tributário (DT) a causa do tributo foi concebida como realidade pré-jurídica, política ou sociológica, mas também se explicou como um fenômeno econômico de troca ou contratual de prestação e contraprestação. Também mereceu consideração especificamente jurídico-tributária, ora identificando-se à capacidade contributiva, ora à lei, ora ao fato gerador ou pressuposto de fato, ou a fundamentos da lei.

A causa ou é considerada como causa eficiente, ou formal, ou final, assimilando-se à noção de “fato gerador” ou pressuposto, à fonte da obrigação ou à sua razão e fundamento, ou ainda à finalidade jurídica de determinado instituto.

A tendência anticausalista alemã acarreta para o estudo do Tatbeständ, no D. Tributário — denominado entre nós de fato gerador — lugar de destaque central para os tributaristas. O anticausalismo reduz o tema à adequação ao Tatbeständ ou subsunção.

No estudo da evolução do Tatbeständ no DT, considerar-se-á duas correntes: a 1ª, que partem de uma rígida cisão entre Tatbestand e tributabilidade (concepção dualista); a 2ª, que considera o Tatbestand como uma unidade de concreção do tributo, em visão unitária.


4.2- Questões terminológicas

O Tatbestand não foi indevidamente associado a tipo, no DT. Hensel destaca sua aplicação como fattispecie. Na Espanha, significa pressuposto ou situação de fato. No Brasil, como fato gerador e, posteriormente, por hipótese, hipótese de incidência ou pressuposto. Mas, também no DT prevalece a tendência conceitual classificatória, devendo referirmo-nos a espécies tributárias.


4.3- A espécie tributária. Conceito e estrutura

Hensel foi o precursor dos estudos do Tatbestand no DT. Para ele, “o pressuposto ou hipótese normativa é a imagem abstrata de um concreto ‘estado de coisas’ de cuja realização derivam conseqüências jurídicas”. Logo, Tatbestand é: a) abstração de um concreto estado de coisas, portanto, abstração e concreção de matéria tributável; b) identifica-se com pressuposto, concreção do suposto, a cuja realização a norma legal atribui conseqüências jurídicas.

Por concreção entende-se o fenômeno pelo qual a norma realiza sucessivas aproximações da realidade regrada, reduzindo a indeterminação conceitual que lhe é imanente, perdendo, portanto, em abstração, sem, entretanto, eliminá-la.

Pressuposto e concreção são os dois elos do conceito inicial que se traça, sofrendo, porém, variações conceituais. Surgem as diversas fases que visam deslindar a questão.


4.3.1- A espécie tributária (tipo, em sentido impróprio) como pressuposto ou fato gerador

Inicialmente, considera-se como pressuposto, fato gerador ou fattispecie tudo que, na norma, esteja previsto pelo legislador, quer seja de caráter descritivo, quer seja o específico normativo concernente aos efeitos tributários (direitos e deveres).

Hensel alinha como principais elementos do pressuposto, ou Tatbestand, ou fattispecie: o credor e o devedor; a medição do tributo (elemento objetivo); as unidades de medida (apurado em função da capacidade contributiva) e a alíquota. Alia à fattispecie: a) a exclusão, na qual inclui a isenção como um de seus elementos delimitativos; b) a ampliação, através da qual estende-se o lado objetivo ou subjetivo da fattispecie, através de responsabilidade acessória ou objetiva, ou ainda pela criação de fattispecies integrativas ou segundo o consumo; c) superposição, em que estuda os adicionais de impostos ou dupla imposição.

No Brasil, Ruy B. Nogueira considera a lei, o fato gerador e o objeto como elementos que integram a obrigação tributária, mas, simultaneamente, o conteúdo da obrigação — inclusive sujeitos ativo e passivo — são considerados aspectos do fato gerador, enquanto esse “é o conjunto dops pressupostos abstratos contidos na norma de direito material, de cuja concreta realização decorrem os efeitos jurídicos previstos”.

Rubens Gomes de Souza considera que o fato gerador é tão-somente fonte da obrigação tributária, mas não um de seus componentes.

Amílcar de Araújo Falcão vê no fato gerador “o fato ou conjunto de fatos ou o estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar determinado tributo”.

Por sua vez, Fanuchi identifica na descrição legal, a que atribui o nome de fato gerador, os seguintes elementos: o núcleo (elemento objetivo), o subjetivo, o espacial, o temporal e o valorativo.

Observa-se, tão somente, uma rígida dissensão quanto à natureza e os efeitos que se atribuem à isenção. Para Hensel, coerentemente, ela exclui do Tatbestand qualquer um de seus aspectos (objetivo, subjetivo ou quantitativo), não nascendo o dever tributário. Já para a doutrina nacional inaugural, será mera dispensa legal de pagamento de tributo devido, não sendo, então, modalidade de constrição ou de exclusão do “fato gerador” ou pressuposto, impropriamente identificado a tipo tributário. (P. 195).

O fato gerador, nessa fase inaugural da história do tributo, na medida em que é o gigante conceitual que abraça todos os aspectos (chamados de elementos) do tributo, inclusive a própria base de cálculo, a teoria do “fato gerador tributário” esgota a da espécie tributária, que vem a ser o tipo, no sentido impróprio do termo. O que a doutrina aponta como cada elemento do fato gerador é o necessário e imprescindível à viabilidade de todo o tributo. Daí o art. 4º do CTN: a natureza do tributo reconhece-se pelo fato gerador da respectiva obrigação.


4.3.2- Fase de transição

A segunda fase pode ser considerada como de transição, marcada por características básicas:
a) uma rígida separação entre o plano abstrato, conceitual e descritivo, ao qual pertence a hipótese da norma (suposto ou fato gerador etc) e o plano concreto e fenomênico onde se dão os fatos jurídicos, enquadrados ou enquadráveis na hipótese;
b) mitiga-se o modelo civilista — de fatos jurídicos (fonte) e seus efeitos (obrigações) —, para realçar-se ou o imperativismo ou o normativismo, prevalecendo, em geral, a visão do Direito como um conjunto de comandos, mandados e proibições;
c) deslocam-se aspectos do tributo, antes locados na hipótese da norma tributária para a conseqüência, tomando consistência e conteúdo o dever abstratamente prescrito.

No Brasil, (...) Geraldo Ataliba empreende separação rigorosa, conceitual — terminológica, entre pressuposto abstrato da norma e fato jurídico (que denomina imponível). Analisa o tributo e suas espécies a partir da estrutura da norma tributária e desloca a alíquota, até então situada na hipótese de incidência (fato gerador) para a conseqüência ou mandamento da norma reguladora do tributo. Assim, o conceito de espécie tributária ultrapassa em extensão e limites o de pressuposto ou hipótese de incidência, para essa corrente. (P. 198)



4.3.3- A espécie tributária. Sua dissociação da noção de hipótese (pressuposto ou fato gerador)

Becker é o expoente dessa fase. Segundo ele, “a estrutura lógica da regra jurídica se compõe de hipótese de incidência (a qual, por sua vez, se constitui de núcleo, elementos adjetivos, coordenadas de tempo e lugar) e da regra (que prescreve as seguintes conseqüências: juridicização da hipótese de incidência, irradiação da eficácia jurídica, da relação jurídica e do conteúdo jurídico da relação, determinação da prestação e de seu objeto”.

Tal dissociação (espécie tributária e noção de pressuposto) teve sua culminância com Paulo de Barros Carvalho, distinguindo claramente os planos estático e dinâmico da norma tributária. Denomina de critérios da norma os elementos do tributo ou do fato gerador. São critérios da hipótese; o material, o espacial e o temporal; e da conseqüência: o pessoal e o quantitativo.

É pelo encontro do específico de cada espécie tributária, fora da própria hipótese (ou fato gerador) da norma reguladora do tributo que, finalmente, se pode dizer que a noção da espécie torna-se inconfundível com a noção de pressuposto ou hipótese. Nessa posição situam-se aqueles que, considerando a base de cálculo como o específico segundo o qual se define cada espécie de tributo, quer exclusivamente, quer como critério auxiliar ao aspecto objetivo da hipótese, locam-se na conseqüência da norma, com natureza antes prescritiva do que descritiva. (P. 201).

Dá-se, pois, uma total cisão entre noção de hipótese ou pressuposto e de cada espécie tributária.



4.4- A espécie tributária (tipo em sentido impróprio) frente ao conceito de tributo

A noção de espécie tributária deve ainda ser analisada frente ao conceito de tributo. Nesse caso, pode-se falar em:
a) uma visão dualista do tributo: a hipótese (chamada fato gerador — Tatbestand) não se confunde e é independente da tributabilidade. Vale dizer, a norma tributária pressupõe tanto o fato gerador ou Tatbestand (que envolve o lado objetivo, subjetivo e quantitativo descrito na lei), como a tributabilidade (ou seja, juízo de valor prescritivo, segundo o qual, efetivamente, a norma obriga ao cumprimento da prestação tributária). O tributo é concebido, no plano normativo-abstrato, como conjunto e resultado de dois fatores: o fato gerador e a tributabilidade. O primeiro, dado pela subsunção do fato à hipótese de incidência. Pode haver tipo sem tributo, mas não tributo sem tipo. O segundo, pela existência ou não de uma causa excludente (isenção). Sua ocorrência não implica na inexistência do pressuposto (fato gerador ou tipo, no sentido impróprio), mas ambos (fato gerador e a tributabilidade) são necessários à configuração do tributo.
Nesse aspecto, a doutrina pátria subdivide-se. Há aqueles que conferem à isenção a capacidade de neutralizar, impedir ou obstar o surgimento do dever tributário. Reconhecem a realização, no mundo fático, do pressuposto (ou fato gerador ou hipótese), mas a obrigação de pagar não se concretiza.
Sob outro enfoque, tributaristas brasileiros vêem na isenção uma ausência de tributabilidade, em decorrência de norma de eficácia extintiva. Admitem o prévio nascimento do dever por força da realização do pressuposto, mas atribuem à isenção a eficácia de sua extinção imediata (dispensa do pagamento de tributo devido).
Partem, em geral, de um quadro conceitual mais amplo, no qual englobam, distintamente, a incidência (na qual se loca a isenção), a não incidência, a isenção e a imunidade.
“Amílcar Falcão biparte a não incidência, nela incluindo a não incidência pura e simples e a não incidência constitucionalmente qualificada (ou imunidade)” (p. 206).
“A não incidência pura e simples se dá quando não es realiza o fato gerador e este não se realiza porque, em concreto, não se deu situação que se subsuma à descrição normativa (“atipicidade”, em sentido impróprio)” (p. 206).
“A imunidade é forma qualificada de não incidência que decorre da supressão da competência impositiva sobre certos pressupostos previstos na Constituição (“atipicidade” constitucionalmente qualificada)” (p. 206).
“Por área de incidência se entende o campo dentro do qual se situam os fatos geradores de tributo, cuja ocorrência desencadeia a obrigação jurídica” (p. 206).
Em suma, ocorre a incidência, mas a obrigação dela decorrente é imediatamente extinta pela isenção, que, para esta corrente, é dispensa de pagamento de tributo devido, segundo Gomes de Souza.
“Realiza-se na isenção o fato gerador ou pressuposto, mas o legislador, por razões diversas, estabelece a não exigibilidade da dívida” (p. 207).
b) um enfoque unitário do tributo, similar ao dos elementos negativos do Tatbestand. Dessa forma, tributo, hipótese, pressuposto ou fato gerador é necessária, simultânea e concomitantemente tributabilidade. Se não há tributo, dever tributário, por força de isenção, não há falar em hipótese ou fato gerador, nem em espécie tributária. A essência da hipótese é a tributabilidade.
Para essa corrente, a hipótese (pressuposto ou fato gerador) é a descrição de fatos, concreção que em si mesma é dotada de tributabilidade, assim entendida como a aptidão à criação de um dever de caráter pecuniário (tributo). Se não há relação jurídico-tributária, em função da isenção, não há de se falar em fato gerador, pressuposto, hipótese ou tipo, no sentido impróprio. A essência do tipo é, pois, a tributabilidade, como produtora de efeitos jurídico-tributários, derivadas das descrições normativas. Tipo e tributabilidade são essencialmente a mesma coisa.
Logo, ainda que o conceito de tributo permaneça unitário, passam a coexistir espécies tributárias ao lado de espécies isencionais. A isenção ganha autonomia conceitual face ao tributo.
Para Becker, a regra isencional é prevalente. Em sua linguagem, diz-se que a regra jurídica de tributação nunca chegou a incidir porque falhou ou excedeu, um dos elementos de composição de sua hipótese de incidência sem o qual ou com o qual ela não se realiza.(...) A regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir. (p. 210). Acompanha seu raciocínio Souto Maior Borges.
Em resumo, pela corrente unitária tributo e isenção assim se relacionam:
- a norma de isenção modifica e delimita negativamente a norma criadora do tributo;
- a norma de isenção é independente da norma de tributação, pois ambas incidem sobre fatos diversos, estruturando-se, logicamente, em hipótese e conseqüências distintas;
- se ocorrer o pressuposto da norma de tributação, nascerá o dever tributário, mas se acontecer o pressuposto da norma isencional, significa que não se realizou o pressuposto da norma tributária, dando-se a isenção.
Para a autora, a ocorrência de um suprime o outro. “Um mesmo fato não pode ser simultaneamente isento e tributado” (p. 211). Por se negarem é que esta corrente os vê como reciprocamente delimitadores, embora independentes.
Nesse aspecto, Sacha Calmon diverge dessa corrente. Para ele,

norma não se confunde com lei ou artigos de lei, mas é resultante de um contexto jurídico. (...) Deduz que a isenção não existe como norma autônoma, não incide sobre fatos, não contém uma hipótese de incidência de não incidência (o que considera incongruente). Não é desjuridicizante (como pretende aqueles que a vêem como dispensa legal de pagamento de tributo devido), tampouco é regra não jurisdicizante autônoma (como advoga os que a vêem em norma que incide para excluir a incidência da regra de tributação). (P. 212).
c) entre esses dois extremos, encontra-se uma terceira posição que confere autonomia estrutural à norma que cria uma isenção. Preconizada por Berliri, defende o mestre italiano que “não se confunde o pressuposto da norma de tributação com o pressuposto da norma isencional”, vez que ambos são distintos (é a mesma coisa da teoria unitária). Mas afirma que a isenção obstaculiza o surgimento da obrigação.
Para João Augusto Filho, a norma isencional é fato impeditivo da eficácia da norma de tributação. A tese segundo a qual a isenção constituiria simples delimitação negativa da hipótese de incidência tributária não merece guarida, considerando-a norma autônoma, dotada de hipótese e conseqüência diversa da norma de tributação.


4.4.4- A alíquota zero
O STF pacificou entendimento segundo o qual a alíquota zero pressupõe alíquota positiva. Daí, surge a questão: ou ela é identificada à isenção, ou dela se distingue em natureza e efeitos. No primeiro caso, o enfoque da tipicidade com relação à tributação dependerá do tratamento que o jurista der à isenção. No segundo, segundo Sacha Calmon, a estrutura lógica da norma tributária permite-nos distinguir entre exonerações qualitativas e quantitativas. Naquelas enquadram-se a isenção e a imunidade. Elas impedem que nasça a obrigação de pagar o tributo. Contemplam fatos atípicos. Já as exonerações quantitativas “afeta as conseqüências das normas tributárias, ao lado das reduções diretas de base de cálculo, das deduções de despesas ou concessão de créditos presumidos” (p. 214).
Portanto, “a alíquota zero não é intributabilidade nem ‘atipicidade’; (...) apenas ‘nulifica o dever’” (p. 214) de pagar o tributo.


4.6- Conclusões

a) O tipo — no sentido impróprio — tributário é, para representativa corrente doutrinária, identificado a pressuposto ou fato gerador. De cunho eminentemente descritivo, perde sua normatividade, na medida em que a descrição do fato desliga-se dos efeitos, autonomizando-se.
b) Axiologicamente, o tipo, no sentido de Tatbestand ou fato gerador, não só precede a tributabilidade, como também dela sr separa e, às vezes, até mesmo com ela se choca. A hipótese (fato gerador) não precede a tributabilidade mas é a própria tributabilidade em essência.
Ontologicamente, o modelo de espécie tributária proposto pelas correntes dualista e unitária é descritivo e não normativo. Para seus adeptos, o fato descrito no pressuposto assume importância relevante, sobrevivendo como tipo, no sentido impróprio, ainda que extinta a tributabilidade. Essa prevalência do fato sobre a espécie normativa e a inversão axiológica resultam em contradições lógicas como:
1) pretensa existência de fatos geradores ou tipos neutros, formais, alijados de tributabilidade (corrente dualista). Retirar do fato gerador sua tributabilidade é retirar-lhe a normatividade, restando somente a faticidade pura;
2) em matéria de alíquota zero, o fato também prevalece sobre o sentido normativo. A parte descritiva é a dominante em toda norma, inexistindo comando ou conduta prescrita, vez que o dever se nulifica. Ainda assim fala-se em fato gerador (que nada gera) ou hipótese (de conseqüência inexistente);
3) ferem-se regras lógicas básicas. O direito positivado deve submeter-se a tais regras, vez que as contradições lógicas “ofendem, entre outras regras, a da relação-de-implicação segundo a qual em se dando a hipótese ou pressuposto (A) se dá a conseqüência (C). Na medida em que se ontologiza o pressuposto, o descritivo, esquece-se de que ele existe em função da conseqüência (essa sim, o ontológico especificamente jurídico) e não o inverso. Nega-se: se não se dá a conseqüência (não C), não se dá o pressuposto (não — A)” (p. 242);
4) a concepção de tipo, no sentido impróprio, estritamente formal e pretensamente neutro, leva à quebra de garantias constitucionais. Como no caso da alíquota zero, considerando que ela representa somente a desobrigatoriedade de entregar o tributo ao Estado, a hipótese de incidência não deixa de existir na isenção. Tampouco sua revogação sujeita-se ao princípio da anterioridade e da legalidade, haja vista que a tipicidade jamais deixara de existir, embora desprovida a hipótese do atributo de tributabilidade;
5) a visão unitária do tributo tem dotado de conteúdo normativo o conceito de tributo e de cada uma de suas espécies, lançando mão da analiticidade, que busca identificar o que há de comum e o que há de específico em cada tributo. Dessa forma, pode-se adotar os círculos concêntricos, residindo no círculo maior, externo, tudo aquilo que é comum a todo tributo, conferindo-lhe a nota de tributabilidade. Os fatores que a eliminam, eliminam também a espécie, de tal modo que inexiste espécie tributária sem tributabilidade. No círculo menor, central, contempla apenas a peculiaridade de cada espécie, o específico que lhe atribui conformação própria ou autônoma.
Os planos ontológico-axiológico e lógico-eficacial de análise do tema evidenciam que, relativamente aos fatos e situações imunes ou isentas, não se há de cogitar da existência de pressuposto, hipótese ou tipo tributário (impropriamente falando). Verificada a ocorrência de imunidade ou isenção, ou o fato é típico ou não é fato jurídico-tributário. Com razão a corrente unitária: toda espécie de tributo é, a um só tempo, tipo (no sentido impróprio) e tributabilidade.

A tributabilidade jurídico-tributária se manifesta por descrições e prescrições normativas (em geral, por meio de conceitos determinados e especificantes). Hipótese ou fato gerador sem tributabilidade é facticidade pura; a descrição e a prescrição que compõem a hipótese e a conseqüência da norma são dotadas de um sentido jurídico próprio. Desvinculada a primeira parte da norma da segunda, altera-se radicalmente o sentido que lhes é inerente). (p. 243).
Lógico-eficacialmente, deve-se respeitar a regra fundamental de que se não se dá C (a conseqüência), não se dá A (a hipótese). “Logo, se não são prescritos deveres tributários na conseqüência, seja por inexistência de sujeito passivo, seja por nulificação da base de cálculo ou da alíquota, enfim, se não há tributo, tributividade, não se dá A (a hipótese, nem o impropriamente chamado tipo)”. No caso da alíquota zero, quando esta atua no conseqüente da norma tributária, nulificando o dever respectivo, “os fatos com relação aos quais a norma de isenção nulificou o dever, atuando através da conseqüência, são automaticamente ceifados, retirados, alijados da hipótese” (p. 245).

No plano metodológico-ordenatório, a imunidade e a isenção são conceitos a que se chega por comparação. A imunidade é regra de competência negativa que somente ganha sentido pela existência de regra positiva, a qual delimita. A isenção pressupõe a norma de tributação, a qual também delimita parcialmente. A norma de isenção vige em função da norma de tributação. Está, pois, fora do específico definidor de cada espécie de tributo.

O que prevalece em DT é o conceito classificatório, da mesma forma que no DP.

4.7- Da possibilidade dos tipos no Direito Tributário

Não se vislumbra a possibilidade da existência de tipos em DT. Os tributos e as formas de exoneração tributária especificam-se em conceitos determinados classificatórios. Os tributos são objeto de uma enumeração legal exaustiva, de modo que aquilo que não está na lei, juridicamente inexiste. A diferenciação entre um tributo e outro se dá através de uma classificação legal, esgotante do conceito de tributo. Criam-se, a rigor, espécies tributárias como conceitos determinados e fechados que se distinguem umas das outras por notas fixas e irrenunciáveis, como forma de se garantir a segurança jurídica.

Entretanto, ainda que não cabível o pensar tipologicamente, é possível formas de pensar similares ao tipo em áreas onde se encontre graduabilidade, flexibilidade da estrutura jurídica e abertura à realidade. Exemplificativamente, a alíquota zero representam a não tributação, por via administrativa. O retorno à alíquota positiva significa, indubitavelmente, a reinstituição do tributo, equivalendo à revogação da isenção.

O Poder Executivo vem, então, instituindo e reinstituindo tributos sem lei, exatamente naquele setor onde a segurança jurídica é enfraquecida em nome de outros interesses e valores considerados não menos relevantes. Setor no qual podemos falar, ainda que em caráter restrito, de resíduos tipológicos. (P. 250).

A FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

Seminário: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
Contexto, Práticas e Tendências
BID-UCP/PNAFE- Ministério da Fazenda


A FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Misabel Abreu Machado Derzi
Professora Doutora da Faculdade de Direito da UFMG
Procuradora Geral do Estado de Minas Gerais



Primados fundamentais do Estado de Direito, a segurança jurídica, a liberdade, a proibição de confisco e a capacidade econômica são valores nitidamente protegidos pela Constituição como delimitações aos poderes de fiscalização e administração tributária. A segurança jurídica manifesta-se por meio da legalidade material e formal, da irretroatividade do Direito e da previsibilidade (anterioridade da publicação da lei que institui ou majora o tributo em relação ao exercício financeiro de cobrança). Completa-se com as garantias constitucionais ao direito de propriedade, à proibição do confisco, à proteção da livre iniciativa, da intimidade, da personalidade e do exercício de qualquer profissão ou ofício.

Por outro lado, em um Estado Democrático de Direito, a igualdade e a solidariedade, que lhe são inerentes, exigem leis tributárias justas e exeqüíveis, completadas pela implementação de administração e fiscalização eficientes do cumprimento dos deveres tributários. Os poderes de fiscalização e administração são essenciais para se obter a execução satisfatória das leis tributárias, com que se possa alcançar a manutenção adequada dos serviços públicos essenciais. O esforço executivo, compreendido como a totalidade das condições que garantam uma execução cômoda e econômica, pode ser designado de praticidade. O cumprimento das próprias leis, da forma mais ampla possível, a praticidade, desencadeia uma série de outras questões e limites a seguir estudados.

1. Segurança jurídica e praticidade (leis e regulamentos).

Instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I da Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do Poder Legislativo da pessoa constitucionalmente competente (União, Estados, Distrito Federal ou Município). Do ponto de vista material, a lei tributária deve ser conceitualmente especificante, ou seja, deve instituir o tributo delimitando um conteúdo material mínimo, indelegável, a saber:
a) a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios (material-pessoal, espacial, temporal);
b) os aspectos da conseqüência que prescrevem uma relação jurídico-tributária (sujeito passivo - contribuinte e responsável - alíquota, base de cálculo, reduções e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de pagamento);
c) as desonerações tributárias como isenções, reduções, abatimentos, deduções de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões;
d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como a anistia;
e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial;
f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário;
g) a instituição e a extinção da correção monetária do débito tributário.
O Código Tributário Nacional, interpretando corretamente a Constituição, em seu art. 97, traz o rol da matéria privativa de lei, sendo despida de validade a delegação de competência feita pelo Poder Legislativo ao Executivo, cujo objeto se referir a qualquer um dos temas ali elencados. O dispositivo referido contém implícita a exigência de lei para devolução de tributo legitimamente pago, dedução e créditos presumidos, as obrigações acessórias e a instituição ou extinção de correção monetária do débito tributário. O seu §2o. esclarece que "não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização monetária da respectiva base de cálculo", no pressuposto de que a "faculdade de atualização" para o Poder Público, o dever de o contribuinte suportá-la e o índice aplicável tenham sido previamente estipulados em lei. Essa, aliás, a posição unânime do Supremo Tribunal Federal .
Mas a enumeração da matéria, que configura os conceitos de instituir e aumentar tributo, apenas nos introduz em uma longa série de problemas que a prática jurídica revela, uma vez que o legislador, necessariamente, se utilizará de generalizações, abstrações conceituais, quantificações e presunções, ao disciplinar os tributos que compõem o sistema tributário nacional.
Essas generalizações e abstrações de que se socorre o legislador formam tipos, abertos e fluidos ou conceitos determinados ou determináveis de forma mais rígida? O intérprete e o administrador interpretarão a lei de forma mais fluida, tipologicamente, ou de forma mais rígida, conceitualmente?

O método utilizado no Direito Tributário predominantemente é classificatório conceitual (não o tipológico), pois o analista não admite as transições fluídas entre os tipos ou a graduabilidade das notas intratipo; nesse caso, ele tenderá a concentrar em uma ou duas notas fixas e rígidas, irrenunciáveis, as características de cada tipo, assim como a excluir a espécie que não se subsumir no conceito. (V. tratamento completo do tema em nosso Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo. Ed. RT, 1986).

Tipo e conceito são movimentos em conflito no Direito, manifestados na estrutura aparente do ordenamento, mas que, na realidade, correspondem a tensões internas mais profundas. Essas tensões encontram-se nas relações de interdependência entre os valores jurídicos básicos que se manifestam, concretamente, em bens e interesses juridicamente protegidos ou direitos fundamentais e complexo de garantias que os assegurem. De um lado, encontramos o tipo como ordem rica de notas referenciais ao objeto, porém renunciáveis, que se articulam em uma estrutura aberta à realidade, flexível, gradual, cujo sentido decorre dessa totalidade. Nele, os objetos não se subsumem mas se ordenam, segundo método comparativo que gradua as formas mistas ou transitivas.
De outro lado, observamos os conceitos fechados que se caracterizam por denotar o objeto através de notas irrenunciáveis, fixas e rígidas, determinantes de uma forma de pensar secionadora da realidade, para a qual é básica a relação de exclusão ou ... ou. Por meio dessa relação, calcada na regra da identidade, empreendem-se classificações com separação rigorosa entre as espécies.
O tipo propriamente dito, por suas caraterísticas, serve mais de perto a princípios jurídicos como o da igualdade-justiça individual, o da funcionalidade e permeabilidade às mutações sociais. Em compensação, com o seu uso, enfraquece-se a segurança jurídica, a legalidade como fonte exclusiva de criação jurídica e a uniformidade.
O conceito determinado e fechado (tipo fechado no sentido impróprio), ao contrário, significa um reforço à segurança jurídica, à primazia da lei, à uniformidade no tratamento dos casos isolados, em prejuízo da funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações sócio-econômicas.
Por tais motivos, a força da segurança jurídica (legalidade, irretroatividade e previsibilidade) tem determinado a prevalência do modo de raciocinar rígido no Direito Tributário e de interpretar as normas que o compõem de forma conceitual, determinada e fechada.

O fenômeno acima, de prevalecimento do modo de pensar conceitual, por conceito determinado, tem reflexos imediatos na apuração e cobrança dos tributos, que se desenvolve em atividade administrativa plenamente vinculada.

Praticidade.
Os princípios da igualdade e da capacidade contributiva são abrandados por meio do princípio da praticidade ou praticabilidade. Por meio desse último princípio devem ser evitadas as execuções muito complicadas da lei, especialmente naqueles casos em que se deve executar a lei em massa. Mas indiretamente, como observa K. TIPKE, também o princípio da praticidade serve ao da igualdade, no sentido de generalidade, pois leis que não são praticamente exeqüíveis, não podem ser aplicadas igualmente a todos. E ainda lembra TIPKE que o princípio da praticidade, como princípio técnico primário, não deve ser valorado da mesma forma que os princípios éticos (igualdade e capacidade contributiva), embora os limites entre uns e outros até hoje não estejam bem definidos. (V. Steuerrecht. Köln. Otto Schmidt KG, 1983, p. 35).

Os estudos mais aprofundados sobre as técnicas relacionadas à praticidade, que estão voltadas a possibilitarem a execução simplificada, econômica e viável das leis (entre elas a tipificação) foram desenvolvidos pelos juristas alemães, nas últimas décadas. Dentre os trabalhos mais importantes, citemos a obra de HANS WOLFGANG ARNDT (Prakticakabilität und Efficienz, 1a. Köln, Otto Schmidt KG, 1983) ; JOSEF ISENSEE. (Die Typsierende Verwaltung. 1a. Berlin. Duncker & Humblot, 1976); EBERHARD WENNRICH. (Die Typsierende Betrachtungsweise im Steuerrecht. 1a. Düsseldorf, Instituts der Wirtschaftsprüfer, 1963), além de numerosos artigos e capítulos de livros. Entre nós, leia-se MISABEL ABREU MACHADO DERZI. (Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo. RT. ed. 1988).

“Praticidade é o nome que designa a totalidade das condições que garantem uma execução eficiente e econômica das leis”. ( Cf. ISENSEE, op. cit. p. 162-3).

A praticidade é um princípio geral e difuso, que não encontra formulação escrita nem no ordenamento jurídico alemão, nem no nacional. Mas está implícito, sem dúvida, por detrás das normas constitucionais. Para tornar a norma exeqüível, cômoda e viável, a serviço da praticidade, a lei ou o regulamento muitas vezes se utiliza de abstrações generalizantes fechadas (presunções, ficções, enumerações taxativas, somatórios e quantificações) denominadas por alguns autores de “tipificações” ou modo de raciocinar “tipificante”. A principal razão dessa acentuada expressão da praticidade reside no fato de que o Direito Tributário enseja aplicação em massa de suas normas, a cargo da Administração, ex officio, e de forma contínua ou fiscalização em massa da aplicação dessas normas (nas hipóteses de tributos lançados por homologação).
É preciso considerar exatamente as esquematizações, abstrações e generalizações (tipificações em sentido impróprio e conceitualizações) que a norma inferior, ao executar a superior, em nome da praticidade, faz ou pode fazer. Por essa razão, exatamente no Direito Tributário, onde compete a órgão estatal executar a norma em massa ou fiscalizar a sua execução, é que se coloca de forma mais aguda a questão da praticidade e de seus limites.

É exemplo de norma constitucional brasileira, ditada em nome da praticidade, o art. 150, §7o., introduzido pela Emenda Constitucional no. 03/1993, que dispõe:
“A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Pretendeu a norma legitimar as presunções de ocorrência de fato gerador futuro, que se dão na substituição tributária chamada “para frente”, ou nas antecipações de imposto, cobradas em geral, em nome dos interesses arrecadatórios da Fazenda, de simplificação da execução das leis e da fiscalização e do combate à evasão.
Sem dúvida, a permissão constitucional expressa, ditada em nome da praticidade, representa um abrandamento da igualdade e da capacidade contributiva, embora não represente rompimento algum com a legalidade, ao contrário, poderá exterminar os numerosos casos de instituição de substituição tributária no ICMS, sem lei, por meio de norma regulamentar. Exemplifiquemos com casos de simplificação de execução das leis no Direito nacional.

1.1. Tipificação imprópria ou a criação de padrões rígidos. (Casos no Direito Tributário brasileiro).

Como disse WENNRICH, “o modo de pensar tipificante não está nas leis. É criação da jurisprudência”. (Cf. op. cit. p. 1).
Na verdade, esse é, de fato, o setor (em especial, no Brasil, os regulamentos, instruções e pareceres normativos) onde prolifera o uso de técnicas destinadas a simplificar a execução das normas legais. Entretanto, pelo menos em nosso País, devemos também considerar as presunções que são padrões e esquemas generalizantes, contidas na lei e que se destinam a facilitar a execução de norma geral superior ou a facilitar a arrecadação do tributo. Na medida em que norma inferior é, ao mesmo tempo, criação e execução de norma superior, a lei que a veicula liga-se ao princípio da praticidade, tendendo:
· a facilitar a execução daquela hierarquicamente superior e
· a simplificar, por antecipação, a aplicação dos próprios preceitos que edita.
Especialmente no Brasil, é de se refletir sobre o tema, uma vez que a Constituição Federal, ao regular o sistema tributário, desce a pormenores que acabam por delimitar materialmente a competência legislativa dos entes estatais tributantes. Além disso as leis complementares de normas gerais, abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias acrescem outros requisitos de validade. É preciso, então conferir e aferir, dentro desse quadro, a validade do modo de raciocinar “tipificante”, assim chamado porque, em geral, na eleição dos recursos que objetivam alcançar segurança jurídica, uniformidade, garantia, fortalecimento do crédito tributário e praticidade, o legislador se vale do tipo, deduzindo-o daquilo que é padrão usual, médio ou freqüente (embora, via de regra, o desnature, transformando-o em conceito fechado ou quantificando-o).
Interessa-nos, dentro das normas limitadoras da competência tributária, destacar apenas casos de transformações por que passam as normas constitucionais quando simplificadas, reduzidas ou ampliadas nas leis que as executam, assim como a execução simplificadora que normas administrativas empreendem nas leis que o Poder Executivo deve aplicar. Tal execução simplificadora, que se dá no plano vertical, seja ao nível legal, seja regulamentar, tende à inconstitucionalidade.
Representam técnicas simplificadoras da execução, legalmente previstas ou autorizadas:
· o lançamento do imposto por estimativa, segundo o qual não são levadas em conta as operações efetivamente realizadas, mas estabelece-se, administrativamente, a média presumível dessas operações, como base para a cobrança do tributo;
· a substituição tributária chamada “para frente” na qual se presume realização de operação de circulação futura, de acordo com o usual e ordinário, e segundo base de cálculo estimada, embora, muitas vezes, ela possa não ocorrer (por perecimento ou extravio da mercadoria por exemplo), ou ocorrer com base em preços bastante diversos daqueles previstos ;
· regimes especiais, em que se delegam ao Executivo a criação de pautas de valores em substituição aos preços reais das operações realizadas, etc.
Exatamente em nome da praticidade, nossos tribunais têm dado pela legitimidade do lançamento do imposto por estimativa, ou da substituição, uma vez instituídos em lei. Esses mecanismos destinados a simplificar a execução e a fiscalização, assim como a evitar a evasão ilícita do tributo, sem dúvida alteram norma constitucional, que diz incidir o imposto sobre operação de circulação, devendo ser deduzido do tributo a pagar o valor do montante cobrado na operação anterior. É que tornam presunção o que está assentado, na Constituição, como realidade, em especial a substituição tributária, que desencadeia o surgimento da obrigação sem a ocorrência da hipótese, sem a concretização da capacidade econômica, consagrada no art. 145, §1o.. Pode norma hierarquicamente inferior converter em presunção ou ficção o que dispõe norma de nível superior ? Aceitando-se, no entanto, a legitimidade da presunção, quais serão, não obstante, seus limites?
O art. 150, §7o., da Constituição veio exatamente com a pretensão de legitimar esses e outros casos, ocorrentes na prática tributária nacional. Mas, evidentemente, o mesmo dispositivo exige lei expressa.
Entretanto, outros notáveis exemplos podem ser colhidos, tanto no âmbito federal, como estadual e municipal, constantes de regulamentos do Executivo ou outras normas administrativas internas, tendentes a simplificar a execução de uma lei. Em tais casos, é irrelevante, nas hipóteses aventadas, que a lei mesma tenha autorizado a técnica simplificadora. O que importa é que a simplificação advém de outros instrumentos que não a própria lei, em franco exercício de delegação e, portanto, sem possibilidade de enquadramento no §7o. do art. 150 da Constituição de 1988. Regulamentos, instruções, orientações e demais preceitos normativos da Administração passam a estabelecer presunções, tendo como base um padrão médio ou esquema que preside a adoção dos valores. Esses valores são genericamente estabelecidos, são esquemas que desconsideram as diferenças individuais relevantes. A tendência jurisprudencial será considerá-los inconstitucionais e ilegais.
Igualmente nesses casos, embora o tipo sócio-econômico muitas vezes tenha servido de convencimento ao administrador, é juridicamente transformado em teto ou valor numericamente definido, que atua, não raramente, como presunção iuris et de iure. Citemos os exemplos mais representativos, embora outros possam ser considerados:
· as pautas de valores, fixadas pelo Poder Executivo, que estabelecem o valor tributável, com base no preço médio, para hipóteses de incidência do imposto sobre operações de circulação de certas mercadorias (gado, café, minerais etc.,). A substituição tributária progressiva ou “para frente” é uma derivação da pauta de valores;
· as tabelas ou quadro de valores de imóveis urbanos, que servem de base para cálculo do imposto municipal sobre a propriedade predial e territorial urbana;
· as tabelas de valores de veículos automotores, que estabelecem o valor venal dos veículos usados, com base no caso padrão ou valor médio para o imposto estadual sobre a propriedade de veículos automotores;
· lançamentos que se baseiam em índices artificiais de produtividade (aplicados especialmente no ICMS), deduzidos a partir do levantamento dos insumos, matéria-prima e produtos intermediários adquiridos pelo produtor, segundo a média da produtividade existente para o setor.
Como já alertamos, uma vez que tais esquematizações “tipificantes” são presunções de base de cálculo ou mesmo de ocorrência de fatos geradores não estabelecidas em lei, revestem-se de inconstitucionalidade já reconhecida pelo Poder Judiciário, mas ainda são comuns e constantemente tentadas pela Administração Fazendária.

1.2. O que é o modo de pensar “tipificante”.

O modo de pensar, impropriamente chamado tipificante, é uma técnica (ou uma das técnicas) a serviço da praticidade. Como já registramos, destina-se a viabilizar ou simplificar a execução das normas jurídicas.
Essencialmente, tipificar significa criar tipos. Esse modo de pensar é dito tipificante, porque, em um trabalho precedente do aplicador da lei, são extraídas as características comuns à maior parte de uma multiplicidade de fenômenos, em tese passíveis de enquadramento na norma e é formado o tipo (abstração-tipo), esquema ou padrão. Muitas vezes, a Administração (ou a jurisprudência) é dirigida pelo primeiro caso - Leitfall - que passa a figurar como cliché, na pressuposição de que representa o caso normal, comum ou padrão. (Cf. J. ISENSEE, op. cit. p. 59).
O “tipo”, esquema ou padrão - quer resulte das características comuns, médias ou freqüentes de uma multiplicidade de fenômenos, quer de um caso isolado erigido como modelo do normal - nesse processo, altera o programa da norma e substitui os fatos isolados por uma presunção. Daí resultou a expressão, atribuída pela doutrina estrangeira, de modo de pensar “tipificante”, que serve para designar essa técnica de simplificar a execução da lei.
A designação aludida, no entanto, não leva à formação de verdadeiros tipos, no sentido técnico que lhe atribui a Metodologia. No caso em tela, tipo pode haver, no plano pre-jurídico.
Entretanto, desse modo de pensar não resultam verdadeiros tipos jurídicos, como ordens abertas, graduáveis, transitivas, de características renunciáveis. Nesse processo, ao contrário, são produzidos rígidos padrões, esquemas fixos, via de regra numericamente definidos, não raro funcionando como presunções iuris et de iure.
A criação de tipos propriamente ditos é meio que abstrai e generaliza, assim como a criação de presunções através de padrões e esquemas, embora tanto um como outro sejam processos inconfundíveis. Mas em razão daquilo que têm de similar ou comum, inadequadamente, a doutrina alemã passou a designar o fenômeno destinado a simplificar a execução da lei fiscal, de “tipificante”.
Ora, o objetivo da padronização simplificadora é exatamente evitar a aplicação individual do Direito (que o tipo, no sentido próprio do termo, propicia), estabelecendo, através da uniformidade rígida e fixa, a aplicação da lei a milhares de casos.
Não obstante, como já observamos, quando tais “tipificações”, buscando praticidade e simplificação da execução das leis, vêm previstas em normas administrativas do Executivo tendem à inconstitucionalidade. Igualmente, mesmo previstas em lei, todas as vezes que afrontam a realidade e ferem a capacidade econômica do contribuinte estão eivadas de inconstitucionalidade.

1.3. Justificações.

Quando o modo de pensar “tipificante”, por meio do qual se criam presunções, ficções, pautas de valores, somatórios, etc., vem fixado em lei, a não ser provando-se a incompatibidade da lei com algum princípio constitucional superior, como a capacidade contributiva, em geral se considera adequado e justificado por outro princípio, o da praticidade.
Mas o tema já se apresenta problemático quando esse modo de pensar se evidencia em normas administrativas ou na jurisprudência. As opiniões se dividem.
Apesar de a maior parte da doutrina tedesca considerar juridicamente inaceitável esse modo de pensar, não lhe faltam adeptos. Segundo WENNRICH, acolhem o impropriamente chamado modo de pensar tipificante: BALL, HANRATHS, HOERES, HEIGL e KLEIST, WALLIS, KLAUSING, MAUNZ, SPITALER, SCHMIDT, ZITZLAFF, WEBER, além de ISENSEE e ARNDT. São as seguintes as justificações desse modo de raciocinar:
· a defesa da esfera privada, evitando a ingerência indevida de órgãos públicos no círculo privado da pessoa;
· a uniformidade da tributação, obtendo-se um tratamento igual para todos os fatos (até mesmo para os desiguais), evitando-se que decisões díspares, critérios diferentes e resultados contraditórios sejam adotados;
· o estado de necessidade administrativo indica que tais práticas são inevitáveis, pois existe uma acentuada desproporção entre a incumbência legalmente atribuída à Administração para a execução e fiscalização da aplicação das normas tributárias e a capacidade e os meios disponíveis de que dispõem os órgãos fazendários para prestar o serviço. Cria-se, então, um estado de necessidade administrativo. Invoca-se o princípio rebus sic stantibus, pois a capacidade financeira da Administração não é suficiente para satisfazer a prestação a que, por lei, o Poder Executivo estaria obrigado. Diante do estado de necessidade administrativo, da oposição entre legalidade e praticidade, para doutrinadores como ARNDT e ISENSEE, o modo de pensar que denominam “tipificante” aparece como uma tentativa de solução do impasse. A criação de pauta de valores ou padrões rígidos atribui prevalência à quantidade sobre a qualidade, afrouxando o princípio da legalidade, em nome da economia administrativa e substituindo a aplicação da norma ao caso individual concreto pela aplicação da norma ao caso “normal”, esquemático.
De acordo com ARNDT, dá-se um aparente conflito entre o princípio da adequação da norma ao Tatbestand , contido no art. 20, §3o.. da Constituição Federal alemã e o modo de pensar padronizante. Em realidade, a Constituição autoriza a conclusão de que a praticidade se sobrepõe, pois quem pensa a legalidade a ponto de exigir o esgotamento do potencial de diferenciação, mesmo diante de uma capacidade administrativa deficitária, consagra a primazia do fiat justitia, pereat mundus, transformando o princípio do summus ius em summa iniuria.(Cf. op. cit. p. 82).

1.4. Principais objeções.

A maior parte da literatura jurídica alemã rejeita o uso do modo de pensar que leva à criação administrativa de esquemas e padrões, sem lei, destinados a simplificar a execução da lei fiscal.
Segundo WENNRICH, entre outros, rejeitam esse método: BAUERLE, BLAU, KOPPE, BÜHLER, FLUME, FRIEDRICH, HARTUNG, HAUBMANN, LION, OSWALD, ROSENDORF, SENF, VOGT, WACKE e SCHIFFBAUER. (Cf. op. cit. p. 77-82).
São as seguintes as principais objeções feitas pela doutrina:
· ofensa à adequação à lei, que é imperativo geral do Estado-de-Direito, especialmente dirigido aos Poderes Executivo e Judiciário;
· ofensa ao princípio da divisão de poderes, pois o modo de pensar que estabelece padrões, esquemas ou pauta de valores, cria presunções que não são mera interpretação, mas retificação e modificação da própria lei, enfraquecendo-se o Poder Legislativo, que perde o monopólio da produção legislativa;
· ofensa à indelegabilidade de funções, pois compete privativamente ao Poder Legislativo regular o tributo;
· ofensa à uniformidade de encargos fiscais e à igualdade, pois se o legislador tratou o factualmente desigual de modo desigual, de acordo com sua peculiaridade, a administração converte em igualdade aquilo que é desigualdade, desprezando as características individuais, juridicamente relevantes. (Cf. SCHIFFBAUER. Die Typisierungs Theorie im Steuerrecht. StbJb, 1953-4, p. 177);
· ofensa à capacidade econômica e ao princípio da realidade, pois o Direito Tributário segue o princípio da realidade e deve atingir as reais forças econômicas do contribuinte.

1.5. Conclusões.
Pensamos, como TIPKE, que a praticidade deve inspirar a elaboração das normas jurídicas, sendo um princípio implícito e difuso na Constituição, mas sem qualquer primazia sobre os princípios éticos que norteiam o sistema, como justiça, capacidade contributiva e igualdade. Por isso, os dispositivos constitucionais ditados em nome da praticidade, como o art. 150, §7o., devem ser interpretados com essas limitações.
A praticidade deve ser atendida e a execução das leis deve ser simplificada, porém sob a égide dos seguintes princípios:
· legalização do modo de raciocinar padronizante, transferindo-se para a lei a fixação das presunções, dos somatórios, pautas de valores, substituição tributária e de outras técnicas que se destinam a preparar a execução simplificada da lei em massa;
· a lei que consagra presunções e pautas de valores não poderá ferir o princípio da capacidade contributiva, nem a igualdade, de tal sorte que o caso marginal ou atípico merecerá consideração especial, permitindo-se sempre a refutação da presunção pela demonstração da prova em sentido contrário;
· devem ser afastadas as presunções “ materiais” que geram efeitos iuris et de iure, assim como as ficções de fatos geradores ou de bases de cálculo;
· por razões técnicas, não sendo aconselhável a legalidade rígida do modo de raciocinar administrativo que simplifica a execução por meio de presunções, esquemas e padrões, a declaração de vontade do contribuinte, caso a caso, deve substituir a vontade da lei, utilizando-se, para isso, o lançamento por homologação;
· mas a vontade do contribuinte pode e deve ser direcionada por orientações, limites e valores administrativamente estabelecidos que obstem as evasões ilícitas.
O lançamento por declaração e por homologação são uma alternativa para a aplicação das leis em massa, à qual tem recorrido o legislador no imposto sobre a renda, a circulação e a produção. São diversas as vantagens dessas espécies de lançamento, uma vez que a vontade do contribuinte supre e dispensa a exaustiva investigação do fato concreto por parte da Fazenda Pública, a qual só em casos especiais (omissão, falsidade, dolo, fraude, má fé....) procede ao levantamento das peculiaridades do caso individual.
Em se tratando, no entanto, de impostos incidentes sobre a propriedade de bens móveis ou imóveis, deve-se evitar a evasão ilícita, direcionando-se a declaração de vontade do contribuinte. Como já acontece no imposto territorial rural, o próprio contribuinte deveria declarar o valor do bem ou do metro quadrado e outros dados úteis à atualização cadastral. As pautas, plantas ou mapas de valores genéricos, quer estejamos falando de bens imóveis, quer móveis, devem atuar como piso mínimo. Assim, declarando o contribuinte valor inferior ao da planta ou tabela, sujeitar-se-á à exaustiva investigação administrativa do caso individual, para uma fiel e completa aplicação da lei. Essas plantas ou pautas dispensariam a aprovação legislativa pois não se destinam a atuar como presunções, mas apenas a direcionar a declaração de vontade do contribuinte.
É bom repetir que as técnicas que visam a facilitar a fiscalização, a arrecadação e coibir a evasão são perfeitamente admissíveis, exceto quando rompem com a capacidade econômica. Nos impostos incidentes sobre o consumo, da modalidade do IPI e do ICMS, o modo de raciocinar “tipificante” não pode ferir a neutralidade, que lhes é inerente, como ocorre no caso da substituição tributária “para frente”. Não raramente, criam-se preços arbitrários ou fictícios (pautas), interfere-se na formação dos valores de mercado, distorce-se a concorrência, ofende-se a capacidade contributiva do contribuinte e desnatura-se profundamente o perfil constitucional do tributo.
De modo algum se nega que o legislador possa criar presunções jurídicas por razões as mais diversificadas (praticidade, prevenção da sonegação, comodidade, etc.). Mas nunca iuris et de iure, contra o princípio da realidade e da capacidade econômica. O que se afirma apenas é que, em qualquer caso, seja nas ficções e presunções, seja no estabelecimento de somatórios, pautas, tipos ou conceitos fechados, o legislador tem de ser fiel à Constituição, aos seus valores e princípios. Sua liberdade está restringida por aqueles valores e princípios, sua discricionariedade não se confunde com o arbítrio de um querer qualquer, que não encontra justificação naquelas normas superiores da Constituição. A praticidade não tem primazia sobre a justiça.

2. Segurança jurídica e praticidade no lançamento, na cobrança e na fiscalização.

Crédito regularmente constituído significa, como se sabe, aquele formalizado pelo lançamento, ato administrativo que o torna líqüido e exigível.
O agente da Administração fazendária, que fiscaliza e apura os créditos tributários, está sujeito ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos e deverá atuar aplicando a lei - que disciplina o tributo - ao caso concreto, sem margem de discricionariedade. A renúncia total ou parcial e a redução de suas garantias pelo funcionário, fóra das hipóteses estabelecidas na Lei 5172/66, acarretará a sua responsabilização funcional. Mas a Lei 5172/66 (de conformidade com a Constituição), contendo normas gerais, ao dispor sobre as causas extintivas, suspensivas ou excludentes do crédito tributário, em regra dita apenas o quadro, os princípios norteadores ou os parâmetros dentro dos quais deverá atuar o legislador ordinário da pessoa estatal, que concede a moratória (causa suspensiva), a remissão, a compensação (causas extintivas), a anistia ou a isenção (causas excludentes). Trata-se de manifestação da competência concorrente, disciplinada pelos art. 24 e 146 da Constituição. (Ver os excelentes comentários de RAUL MACHADO HORTA sobre a competência concorrente, como tendência prevalente da forma federal de Estado na atualidade. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 399-421). Nesse caso, a Administração, no lançamento, fiscalização e cobrança dos tributos, observará as normas estabelecidas pelo Código Tributário Nacional, somente modificáveis por meio de lei complementar, e mais aquelas leis próprias das pessoas políticas, competentes para instituir o tributo, que sejam específicas para a concessão da moratória, da remissão, da compensação, da anistia ou da isenção.

2.1. A preferência pelo lançamento por homologação.
Os tributos lançados por meio de homologação tácita ou expressa são cada vez mais numerosos. A preferência do legislador por essa modalidade de procedimento, em que se transferem ao contribuinte as funções de apurar e antecipar o montante devido, antes de qualquer manifestação por parte da Fazenda Pública, mais freqüente em toda a parte, levou alguns juristas, como FERREIRO LAPATZA, a denunciar uma espécie de “privatização da gestão tributária”. Privatização pois que o contribuinte não se limita a fornecer dados e fatos relevantes, por meio de uma declaração, como ocorre no procedimento previsto no art. 147, em que a Fazenda Pública, com base nos dados fornecidos, efetivamente lançará o tributo, dele notificando o sujeito passivo. O lançamento por homologação se distingue dos demais em razão de o contribuinte ter o dever de levantar os fatos realizados, de quantificar o tributo e recolhê-lo aos cofres públicos no montante devido, no tempo e forma previstos em lei, sem aguardar qualquer exame prévio da Administração fazendária. E os eventuais erros cometidos pelo sujeito passivo, posteriormente descobertos pelo Fisco, configuram descumprimento da obrigação, sendo sancionáveis na forma da lei.

Muitas são as razões, de ordem econômica, política ou jurídica, justificadoras do fenômeno, como o despreparo do aparato administrativo de cobrança, o seu elevado custo, a impossibilidade de se conhecerem os dados próprios do contribuinte, a agilização na arrecadação dos tributos, a proteção da intimidade, etc. ESTÉVÃO HORVATH, autor de magistral tese de doutoramento, defendida na Universidade Autónoma de Madrid, explica com toda propriedade:

“Já escrevia BLUMENSTEIN que o “autolançamento” se aplica geralmente só naqueles impostos nos quais a intervenção administrativa seria inadequada à natureza das coisas. (System des Steuerrechts, apud RUIZ GARCIA. La liquidación.......cit, p. 274, nota 20). Deveria ser esta a orientação seguida por todas as legislações que se ocupam do tema. Com efeito, o tipo de lançamento a ser aplicado a um tributo deve ter conexão com seu pressuposto fático, pois podem existir tributos nos quais o lançamento administrativo seja difícil de se efetivar por não dispor a Administração dos dados necessários, assim como existirão outros nos quais o contribuinte sozinho não conseguiria obter o montante devido.
.....................................................................
Acrescentamos a estas considerações aquela segundo a qual o princípio implícito da praticidade do ordenamento jurídico procura uma aplicação mais cômoda, simples, econômica e funcional da lei tributária. A professora brasileira MISABEL DERZI define a praticidade como “o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de simplificar e viabilizar a execução das leis”. (V. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. Ed. RT, São Paulo, 1988). Isso significa apenas que um tributo deve ser lançado da forma que seja mais compatível com sua natureza intrínseca, para que a lei tributária possa ser aplicada concretamente do modo mais econômico e eficaz.
Não obstante, parece que os legisladores modernos acham que todos (ou quase) todos os tributos existentes são compatíveis com o lançamento por homologação, já que esta é a forma de lançamento prevista na imensa maioria dos tributos atualmente vigentes. Parece-nos que isso pode ser feito, sempre que se assegure aos contribuintes formas de corrigir os erros por ele eventualmente cometidos em sua tarefa “lançadora”.
(Cf. La Autoliquidación Tributaria. Tese de doutoramento apresentada à Universidade Autônoma de Madrid, 1990-1991, inédita, p. 71-73).

De fato, tem razão ESTÉVÃO HORVATH. O legislador supõe a compatibilidade de quase todos os tributos, pelo menos os mais importantes, com o lançamento por homologação (imposto sobre a renda, sobre operações de circulação de mercadorias e serviços, sobre produtos industrializados, sobre prestações de serviços das pessoas jurídicas, contribuições especiais em geral, etc), na prática realizando uma transferência do custo das atividades de gestão administrativa para o contribuinte.

Não obstante, no Brasil, na Espanha ou na Alemanha, aqueles tributos que incidem sobre a propriedade ou a posse de bens imóveis, ou ligados de alguma forma à avaliação de bens imobiliários, submetem-se a procedimentos em que é necessária a intervenção da Administração, quer por meio de lançamentos de ofício ou com base em declaração. (Ex. o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o imposto sobre a propriedade territorial rural, imposto sobre a transmissão de bens por ato intervivos ou mortis causa, contribuição de melhoria). A possível diversificação de critérios, utilizáveis pelos contribuintes, e a necessidade de racionalizar isonomicamente os tributos podem explicar, em parte, a rejeição - presente nesses casos - feita pelo legislador ao lançamento por homologação.

2.2. Os deveres de colaboração com a Administração.

O sujeito passivo e mesmo terceiros, de alguma forma relacionados com a obrigação tributária, têm o dever de colaborar com a Administração. Esse dever que está estabelecido de forma difusa na Constituição, depende, não obstante, de expressa regulação legal, como estatui o art. 5o. par. II da mesma Constituição: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Em princípio, respeitados os demais dispositivos da Carta, o legislador tem liberdade relativamente ampla para disciplinar e impor tais deveres. Em tese inexiste um direito de recusa do contribuinte ao cumprimento do dever.

É no caso dos tributos lançados por homologação, como vimos, que se manifestam em maior grau, extensão e onerosidade os deveres de colaboração com a Administração Fazendária. O procedimento inerente ao lançamento por homologação transfere ao sujeito passivo toda a responsabilidade pelo levantamento dos dados, apuração dos fatos e mesmo pela aplicação correta da lei ao caso concreto, o que supõe, inclusive, a compreensão adequada do Direito. O descumprimento de tais deveres acarreta conseqüências sancionatórias graves para o sujeito passivo e imposição de elevadas multas, por isso ele absorve grande parte de seu tempo na satisfação das pretensões tributárias ou se socorre comumente de especialistas (contadores, advogados e consultores), cuja assistência técnica eventual ou regular configura um ônus adicional considerável. A oportunidade para a reparação de quaisquer erros, cometidos pelos obrigados em suas informações e declarações, voluntários ou decorrentes do desconhecimento da lei ou dos fatos, é assim muito importante. Segundo o art. 138, a denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora (sem quaisquer sanções) exclui a responsabilidade pelo ilícito praticado. A exclusão da responsabilidade tributária acarretará, sem dúvida, a exclusão da responsabilidade penal, se for o caso. (Ver MISABEL DERZI. Crimes Contra a Ordem Tributária. In Repertório IOB Jurisprudência. no. 13/95, p. 212-217).

A preocupação nuclear, nessa questão dos deveres de colaboração, deve enfocar ainda os limites dos poderes de fiscalização e investigação da Fazenda Pública, que encontram também claras fronteiras nos direitos e garantias constitucionais dos contribuintes em geral.

Enfim, resta saber se existe um direito de recusa do contribuinte ou de terceiro (que não é parte naquela relação tributária) oponível à regra, pois a regra é o dever de colaboração com a Administração. Em princípio esse dever somente pode ser afastado :
· se ele não se baseia em lei, posta pela pessoa competente, sendo portanto despido de fundamento legal;
· se ele não é pertinente, seu cumprimento provocando desvantagens para o atingido sem esclarecer ou demonstrar o fato jurídico essencial;
· se ele é excessivo ou oneroso para a parte, quando outros meios mais fáceis e baratos são igualmente eficazes;
· se o cumprimento da exigência administrativa importa em violação de outro direito fundamental, em especial a proteção da intimidade;
· finalmente, se a exigência não é cumprível pela parte ou terceiro, pois a informação não pode ser dada de conhecimento próprio, dependendo de documentos originais aos quais o colaborador não tem acesso (ad impossibilia nemo tenetur).

No caso de terceiros, obrigados a informar ou fornecer dados próprios do contribuinte úteis ao lançamento, a recusa pode estar legal ou constitucionalmente fundamentada na proteção da intimidade e no segredo profissional - inclusive bancário. A matéria encontra regência no art. 5o., X e XII da Constituição de 1988; no Código Comercial, art. 17 a 19; no Código Civil, art. 144; no Código de Processo Penal, art. 207; no Código Penal, art. 325 e 154; na Lei 4595, de 1964, que regula o dever legal de observância do segredo bancário - art. 37 e 38 - com graves penas à infringência do sigilo; na Lei 4728, de 1965, que disciplina o mercado de capitais; no Código Tributário Nacional, art. 195 e 197; na Lei 7492, de 1982, que define os crimes contra a ordem financeira, impondo penalidades à violação do sigilo bancário e na Lei Complementar no. 75, de 20 de maio de 1993 e Lei 9.613, de 03 de março de 1998.

Enfim, o que a doutrina e a jurisprudência estabelecem, nos países ocidentais em geral, é a razoabilidade das exigências administrativas. (Ver na Alemanha, KLAUS TIPKE. Steuerrecht. Ein systematischer Grundriss. 9 V. Köln. Otto Schmidt KG., 1983, p. 559-560).

Em nosso País, a jurisprudência, de longa data, tem afastado como ilegítimas as seguintes medidas de constrangimento ao pagamento, tomadas pela Fazenda Pública: penhora de estabelecimento, penhora de faturamento ou de um percentual sobre o faturamento, fechamento de estabelecimento, recusa pela Administração de fornecimento de talonários fiscais, pedido de falência ou de prisão sem fundados indícios de crime. Em regra, baseiam-se tais decisões na ofensa aos princípios constitucionais da liberdade de comércio, no livre acesso ao Poder Judiciário e na moralidade administrativa.

5. O sigilo bancário.

Segundo a Constituição Federal,

“Art. 5º...............
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII- é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual.”

O sigilo de dados, pela primeira vez, veio integrar o rol dos direitos e garantias individuais, na Constituição de 1988 (art. 5o. XII). Configura, segundo a doutrina, desdobramento do direito fundamental à privacidade (art. 5o. X), o qual integra a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 - art. 12. Opõe-se, de certa forma, ao público-político, que é dominado pelos princípios da transparência, da publicidade e da igualdade; o social-privado, na acepção atual, rege-se pelo princípio da diferenciação, da exclusividade e da faculdade de resistir ao devassamento, de negação de comunicação.

TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., citando PONTES DE MIRANDA, explica que o objeto, o bem protegido no direito à privacidade e no sigilo de dados é

“a liberdade de ‘negação’ de comunicação de pensamento. O conteúdo, a faculdade específica atribuída ao sujeito é a faculdade de resistir ao devassamento, isto é, manter o sigilo (da informação materializada na correspondência, na telegrafia, na comunicação de dados, na telefonia). A distinção é importante. Sigilo não é o bem protegido, não é o objeto do direito fundamental. Diz respeito à faculdade de agir (manter sigilo, resistir ao devassamento), conteúdo estrutural do direito.”
(Cf. Sigilo de dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado. In Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, no. 1, ps. 141-154).

Com propriedade, observa ARNOLD WALD:

“O sigilo bancário se enquadra no conceito mais amplo do segredo profissional, que tem merecido uma proteção muito ampla, ensejando sua violação caracterização como crime (art. 154 do Código Penal).
..........................................................
“o cliente não quer divulgar determinados fatos que, hoje, são reconhecidos como constituindo um reflexo e uma projeção de sua personalidade;
“o profissional, por sua vez, considera a discrição como elemento do seu fundo de comércio e, por outro lado, os nomes dos clientes constituem um verdadeiro segredo comercial e integram o seu fundo de comércio.
“Chegou-se até a afirmar que o sigilo bancário constitui as pilastras do crédito e a garantia de uma economia sadia”.
(Cf. ARNOLD WALD. O Sigilo Bancário no Projeto de Lei Complementar de Reforma do Sistema Financeiro e na Lei Complementar no. 70. In Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. no. 1; 196-209).

O indivíduo e as instituições podem decidir por si, quando, como e até que ponto uma informação sobre eles pode ser comunicada a outrem. Assim, o direito à privacidade

“abrange atualmente o de impedir que terceiros, inclusive o Estado e o Fisco tenham acesso a informações sobre o que se denominou ‘área de manifestação existencial do ser humano’.”
( Cf. CELSO RIBEIRO BASTOS. Comentários à Constituição de 1988. V. 2., p. 63).

E complementa ARNOLD WALD:

“Na realidade, a grande distinção entre o Estado de Direito e o Estado totalitário consiste na garantia das liberdades e dos direitos individuais, ou seja, no direito de fazer tudo que a lei não proíbe e de só ter que fazer aquilo ao qual está obrigado em virtude de lei.”
(Cf. op. cit. p. 202).

Mas o direito ao sigilo serve também à sociedade, ao Estado e à segurança coletiva. A afirmação se torna evidente quando a Constituição concede ao indivíduo o instrumento do habeas data, por meio do qual todos podem receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, “ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”(Art. 5o., inciso XXXIII).

Apesar da clareza das normas constitucionais, as Fazendas Públicas, ainda hoje, insistem na inexistência de um sigilo bancário como direito fundamental. Ou mesmo admitindo o direito, opinam pela ausência do direito de oposição à comunicação de dados pessoais frente às pretensões fazendárias, ora aderindo a uma interpretação do Código Tributário Nacional já superada, ora invocando a derrogação da Lei 4595/64. Errôneos são os conceitos expendidos a respeito do direito estrangeiro sobre o assunto, uma vez que vários trabalhos desenvolvidos pelo Fisco desconhecem a posição dos tribunais de cada país invocado e desatualizados são os autores citados para falar sobre a Constituição de 1988 e o direito à privacidade. (É o caso de se invocar ALIOMAR BALEEIRO, sem dúvida um dos maiores mestres do Direito Tributário em todos os tempos, mas que, infelizmente, não tendo sobrevivido à Constituição de 1988, não pode formular juízos que necessariamente dependem da nova Carta brasileira. V. LUIZ MARCELLOS COSTA DE BRITO. Sigilo Bancário, aspectos fiscais e jurídicos. in Tributação em Revista, no. 12, abr-jun de 1995, p.55-63).

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre essas questões em tema de suma relevância, ou seja, em matéria penal, decidindo sobre petição que lhe foi formulada pelo Delegado da Polícia Federal, atinente ao inquérito policial no. 01.073/92-SR/DPFDF, solicitando autorização judicial para que os gerentes das agências BAMERINDUS informassem das contas correntes e dos extratos de contas bancárias em nome do ex-Ministro ANTONIO ROGÉRIO MAGRI e de sua esposa. Baseava-se o pedido em notícia de jornal, segundo a qual “duas cintas das usadas pelos bancos para prender dinheiro - nos valores de Cr$ 5 milhões e Cr$ 1 milhão - foram encontradas no lixo da mansão”... É o seguinte o teor da ementa do acórdão, relativo à petição no. 00005775/170 do STF:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. Lei no. 4595, de 1964, art. 38.
I- Inexistentes os elementos de prova mínimos de autoria de delito, em inquérito regularmente instaurado, indefere-se o pedido de requisição de informações que implica quebra do sigilo bancário. Lei 4595, de 1964, art. 38.
II- Pedido indeferido, sem prejuízo de sua reiteração.
Relator. Min. Carlos Velloso, sessão plenária, maioria, vencido o Min. Marco Aurélio Mello, março de 1992.”

Dos votos exarados pelos membros da Corte Constitucional brasileira, podemos extrair as seguintes conclusões:
· o sigilo bancário decorre do direito à privacidade inerente à personalidade das pessoas, consagrado na Constituição Federal em seu art. 5o., X e protege tanto interesses privados como finalidades de ordem pública, a saber, o sistema de crédito (v. voto do Min. CARLOS VELLOSO;
· o sigilo bancário não é um princípio absoluto (v. voto Min. CARLOS VELLOSO);
· as exceções ao sigilo bancário estão previstas na Lei 4595/64, que continua em vigor (v. voto Min. CARLOS VELLOSO);
· o Poder Judiciário pode requisitar relativamente a pessoas e instituições, informações que implicam quebra do sigilo (Lei 4595/64, art. 38,par. 1o.); entretanto, mesmo havendo inquérito policial instaurado, deverá proceder com a cautela, prudência e moderação inerentes à magistratura ( v. voto Min. CARLOS VELLOSO);
· são requisitos essenciais para a quebra do sigilo que o pedido venha fundamentado com o indiciamento do acusado; com “os elementos de prova mínimos de autoria de delito” ou “de sua materialidade” (v. voto Min. CARLOS VELLOSO) ou “elementos fundados de suspeita, com a existência concreta de indícios e reveladores de possível autoria de prática delituosa” (v. voto Min. CELSO DE MELLO);
· não é bastante para a quebra do sigilo o mero “status suspicionis, sem outros dados mais consistentes” ( v. voto Min. CELSO DE MELLO);
· mas deve haver uma “relação de pertinência entre a prova pretendida, com as informações bancárias, e o objeto das investigações em curso” (v. voto Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), pois é necessário “que se demonstre ao Supremo Tribunal Federal que a providência requerida é indispensável ao êxito das investigações”...(v. voto Min. CÉLIO BORJA).

E ainda se ressalte do voto do Min. CARLOS VELLOSO:

“O sigilo bancário pode, pois ser afastado. Mas afastado como? Tenho, tal como entende o Sr. Ministro MARCO AURÉLIO, que a Lei 4595/64 foi recepcionada, em termos gerais, pela Constituição de 1988. Vou além, apesar de não ser hora de debatermos a questão: parece-me, até, que a Lei 4595/64 foi recepcionada como lei complementar, tendo em vista o disposto no art. 192, da Constituição, a estabelecer que “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, ...” Registrei que há quem afirme que as novas leis originárias, que cuidam do sigilo dos bancos e das entidades financeiras, ultimamente promulgadas, seriam inconstitucionais, por isso que estariam
alterando lei complementar, na medida em que alteram e modificam as regras inscritas no art. 38 da Lei 4595/64. Repito, entretanto, que estou de acordo em que a Lei 4595/64 foi recepcionada pela Constituição de 1988. Estou plenamente de acordo no sentido de que tem vigência o art. 38, par. 1o., da Lei 4595/64, que autoriza o Poder Judiciário a requisitar informações que implicam quebra do sigilo bancário. Agora, aí é que reside a minha divergência com o Sr. Ministro MARCO AURÉLIO: é que sustento que o segredo somente pode ser afastado diante, por exemplo, de um procedimento criminal ou de um inquérito policial formalmente instaurado, em que haja indiciamento do acusado, com a indicação do delito praticado, com, pelo menos, um início de prova relativamente à autoria e à materialidade.”

Constatamos, então, que o entendimento do Supremo Tribunal Federal converge para o mesmo sentido dado por outros sistemas jurídicos, como Áustria, Alemanha, EEUU, Canadá, etc. ao direito à privacidade, de que o sigilo bancário é expressão. Extraído diretamente do Texto Constitucional, não basta para excepcioná-lo nem mesmo a edição de uma lei complementar - pois a Lei 4595/64 assim foi recepcionada pela Constituição, segundo a visão do Relator do acórdão, Min. CARLOS VELLOSO. Mesmo o PODER JUDICIÁRIO, que indubitavelmente pode afastar o sigilo bancário, mormente em matéria penal, à luz da própria Lei 4595/64, não é livre para fazê-lo, sem o cumprimento de determinados requisitos materiais. O Supremo Tribunal Federal não se satisfaz, portanto, para rompimento do sigilo bancário, um direito fundamental constitucionalmente consagrado, com a edição de uma lei complementar autorizativa, se essa lei complementar, em seu conteúdo, não contiver requisitos mínimos - existindo investigação em inquérito penal formalmente instaurado - tais como
· existência de início de prova quanto à ocorrência do delito, da autoria do delito e sua materialidade (princípio da objetividade material);
· existência de pertinência ou relação necessária entre a documentação cuja revelação se pede e o objeto criminalmente investigado (princípio da pertinência e adequação);
· imprescindibilidade da quebra do sigilo para o êxito das investigações (princípio da proibição de excesso).

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (RE no. 37.566-5/RS), posterior àquela do Supremo Tribunal Federal, datada de 02 de fevereiro de 1994, nega o livre acesso da “autoridade administrativa fiscal” às informações e registros entregues à guarda bancária, interpretando a expressão contida na Lei 4595/64 - PROCESSO INSTAURADO - como processo judicial e negando valia ao art. 8º da Lei 8021/90. E nem poderia ser de outra maneira.

Se, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, expressamente autorizado pela Lei 4595/64 a requisitar informações às instituições financeiras, está limitado e condicionado, em suas decisões, à observância de certos requisitos mínimos, acautelatórios e moderadores, assecuratórios da garantia constitucional do sigilo bancário, expressão do direito à privacidade, os demais Poderes, quer se trate do Legislativo, quer do Ministério Público em investigação penal ou da Administração Fazendária no lançamento e fiscalização dos tributos, não gozam, nem poderiam gozar de livre acesso, incontrastável, às informações bancárias. A possibilidade de oposição e resistência do contribuinte - essência e núcleo do direito à privacidade - seria nulificada se não fosse ouvido em juízo, ou se não pudesse opor à pretensão fazendária ou a eventuais abusos em inquérito penal, defesa oportuna.

A Lei Complementar no. 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, dispõe no art. 6o.:

“Compete ao Ministério Público da União:
............................................................................
XVIII- representar:
a) ao órgão judicial competente para quebra de sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, bem como manifestar-se sobre representação a ele dirigida para os mesmos fins;

E no art. 8o.:
“Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
...........................................................
“IV- requisitar informações e documentos a entidades privadas;”

É claro que o Ministério Público tem poderes para requisitar diretamente informações ou documentos, cuja cessão não implique quebra do sigilo bancário e somente dentro dessas limitações deve ser compreendido o art. 8o. IV acima transcrito. Todas as vezes, e a citada Lei Complementar 75/93 nesse ponto é clara, que uma providência, requisição ou medida a ser tomada pelo Ministério Público implicar a perda ou redução de uma garantia constitucional, caberá tão somente representar ao órgão judicial competente, para obtenção expressa do mandado (art. 6o., XVIII, “a” da Lei comentada). E a decisão judicial pressupõe necessariamente, ainda à luz da Constituição, processo regular, devido processo legal e direito à defesa.

Outra inteligência da Lei Complementar no. 75/93 é incompatível com o Texto da Constituição Federal e não será aceita pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, como já foi visto, impõe ao próprio Poder Judiciário restrições mínimas a serem obrigatoriamente observadas nas hipóteses de exceção ao direito à privacidade (sigilo bancário). Caberia tal rigor limitativo apenas para o Poder Judiciário e não para o Ministério Público, o qual, pairando acima do Supremo Tribunal Federal e da Constituição, decidiria quando, onde, como e de quem requisitaria informações às instituições financeiras? Evidentemente que não.

Como o núcleo essencial do direito à privacidade e à intimidade, de que o sigilo bancário é um mero desdobramento (art.5o. X e XII da Constituição Federal), configura a liberdade de negação, direito de resistência e de oposição do contribuinte à divulgação dos dados pessoais, crescem de importância a defesa do contribuinte em juízo e o inteiro conhecimento prévio das pretensões do Fisco ou do Ministério Público, pois imprescindíveis e inerentes à própria garantia constitucional, sob pena de seu total esfacelamento.

Aliás, ao contrário do que se supõe, a inteligência da Lei 4595/64 e da Lei Complementar 75/93 somente pode ser feita às luzes da Constituição de 1988, e assim pressupõe representação encaminhada ao Poder Judiciário e obriga ao processo judicial. E, conclusão lógica, as referidas Leis não poderiam afastar, como de fato não o fazem, outros princípios constitucionais fundamentais que complementam o direito à privacidade, constantes de nossa atual Carta Magna, como o devido processo legal. (Art. 5o.LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. )

Como se vê, a Lei 9.613/98, que coíbe os crimes de lavagem de dinheiro, não sendo lei complementar, autorizou a quebra do sigilo bancário, em total descumprimento dos requisitos exigidos pelo Supremo Tribunal Federal:
· dispensou a intervenção do Poder Judiciário;
· dispensou os princípios da objetividade material, da pertinente adequação e da proibição de excesso, impondo a comunicação obrigatória de dados e das operações do contribuinte à autoridade administrativa, como instrumento para iniciar investigações e descobrir possíveis delitos. Aliás, a obrigatoriedade de comunicação se apresenta apenas em razão do valor ou teto das operações realizadas.

Certamente a notícia da quebra do sigilo bancário poderá não ser suficiente para afastar as técnicas conhecidas de “lavagem” de dinheiro. Se o teto limite for fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), os criminosos realizarão operações menores de R$ 9.000,00 (nove mil reais) e assim por diante, ou então operarão os agentes com dinheiro vivo.

Entretanto, o risco que se corre é outro. A comunicação genérica à autoridade competente de toda transação acima de certo valor (independentemente de ser a operação criminosa ou suspeita) abala a segurança e a discrição em que deve repousar a atividade financeira em geral. Parte substancial dos recursos depositados nas praças brasileiras poderão deslocar-se para portos mais seguros e mais sigilosos. Vão-se os dólares, ficam-nos os bandidos e os crimes...

O rompimento do sigilo bancário, por meio da comunicação obrigatória de certas transações e operações à autoridade competente, vem sendo imposto aos países da América Latina. Na Comunidade Européia a sua adoção, sem autorização judicial, é controvertida mesmo em questões penais. Em razão de tais dificuldades, ou seja, de se criarem normas eficazes disciplinadoras da renda, do capital e da evasão, nenhuma diretiva foi aprovada, existindo apenas recomendações.

O Brasil, para satisfazer a pressões internacionais, vem desconhecendo a Constituição que tem, afrontando-a. Legisla repetindo normas de outras ordens jurídicas diferentes, sem entretanto atender às peculiaridades de nosso ordenamento. Além disso, fragiliza seu sistema financeiro, sem com isso obter real eficácia punitiva. Se seguir o rastro do dinheiro “sujo” é o único caminho para coibir certos crimes, então por que apagá-lo? Por que dizer que haverá comunicação obrigatória de transações e operações, ou seja, quebra do sigilo? Não seria melhor garanti-lo, para depois, caso a caso, mediante autorização judicial revelar dados e informações?


6. O uso das informações obtidas em execução da Lei 9613/98.

Os requisitos, já esboçados pelo Supremo Tribunal Federal, imprescindíveis à quebra do sigilo bancário como direito fundamental à privacidade e à intimidade são então: o princípio da objetividade material (que exige início de prova quanto à existência de um delito e de sua autoria); o princípio da pertinente adequação ( que supõe relação lógica entre o objeto penal investigado e os documentos pretendidos); o princípio da proibição de excesso (que exige a demonstração da imprescindibilidade da prova para o êxito da investigação e a inexistência de outros meios menos danosos ou limitativos).

Se não existem provas mínimas ou indícios da ocorrência de um delito, muito menos de sua autoria, não se pode pedir o levantamento do sigilo para a descoberta de um delito que ainda não se conhece, mas se imagina possa ter ocorrido. Meras acusações, assentadas naquilo que seria possível, não são fundamentação adequada à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para justificar a quebra do sigilo bancário, pois a “possibilidade” levantada em si mesma, como mera possibilidade é um “absoluto” tão vazio, inespecífico e genérico que poderia ser aplicado a qualquer cidadão, por mais honesto que fosse.

A Lei 9.613/98 é ofensiva à Constituição de 1988. Mas tal ofensa, segundo o teor da própria lei, restringe-se às investigações penais relativas ao crime de “lavagem” de dinheiro. Enquanto não declarada inconstitucional na parte em que rompe o sigilo, portanto, os procedimentos nela criados não são aplicáveis à investigação e apuração dos crimes contra a ordem tributária e outros que lhe são estranhos. É que o crime de “lavagem” e ocultação de bens, direitos e valores e os delitos antecedentes, que lhe servem de suporte, são coisa diversa de sonegação fiscal. Assim, informações, cruzamento de informações, dados e documentos obtidos, na forma da Lei 9.613/98, não poderão ser utilizados para lançar e cobrar tributos, ou punir infrações penais de fundo tributário.


7. Conclusões. Sugestões.

A forte tendência de globalização da economia desencadeia de um lado a fragilização cada vez maior do Estado como ente político e de outro, o crescimento considerável das grandes corporações internacionais.

Os poderes de investigação, fiscalização e administração dos tributos sempre se assentaram no interesse público, na indisponibilidade dos bens públicos, na necessidade da presença forte do Estado como instrumento essencial de coerção monopolizada e de segurança. Aqueles poderes se alimentam exatamente do poder estatal, cuja fragilização acarreta e acarretará o seu conseqüente enfraquecimento em face das grandes corporações econômicas.

Em conseqüência, a necessária praticidade, que deve nortear os legisladores na elaboração das leis tributárias (com a criação de presunções, somatórios, substituição tributária e de outras técnicas que se destinam a preparar a execução simplificada e em massa das leis) não deve levar nem à criação de tributos singelos, automatizados, nem tampouco à dispensa de escrita contábil regular para fins fiscais, exceto no que tange às micro e pequenas empresas. A renúncia à tributação da renda, em seu sentido clássico, como acréscimo ao patrimônio líqüido, por exemplo, poderá configurar uma renúncia sem retorno. Uma vez extinto e dispensada a escrita para fins fiscais, poderá ser impossível a sua reinstituição, tornando-se mais difícil a já difícil fiscalização dos deveres tributários dos grandes conglomerados econômicos internacionais. Nesse sentido, o imposto de renda e o imposto sobre patrimônio líqüido, o último sabidamente de fins meramente fiscalizatórios e de controle, exercem papel de alta relevância que não pode ser negligenciado.

Portanto, a simplificação da legislação tributária, leis e regulamentos, especialmente a dispensa da escrita fiscal deve estar voltada tão somente para a maioria, pequenas empresas e pessoas físicas. Não deve alcançar as empresas de faturamento superior a certo valor ou instituições ligadas a certas atividades especiais definidas em lei.

De modo geral, pode-se esperar que, por muitos anos, o lançamento por homologação seja o procedimento preferencialmente eleito para apuração do débito do contribuinte em relação aos mais importantes tributos, na prática realizando uma transferência do custo das atividades de gestão administrativa para o setor privado. Mas é essencial a educação de fiscais e agentes da administração tributária, altamente especializada, para o exercício eficiente de controle.

Em termos ideais, pode-se dizer que o sigilo bancário, uma vez extinto ou rompido universalmente, será medida benéfica para a fiscalização e o combate à sonegação. Mas esse rompimento não pode ser isolado, unilateralmente adotado por um país, pois será inevitável a evasão de capital.

No caso do Brasil, a Constituição Federal, ao garantir o direito à intimidade e o sigilo de dados, também garante o sigilo bancário, mas nunca de forma absoluta. Seria, portanto, de extrema utilidade a elaboração de uma lei complementar específica, que enumerasse as hipóteses em que o juiz, em procedimento ágil e imediato, desvelasse o segredo para fins fiscais. É preciso reclamar a intervenção do Poder Judiciário para a quebra do sigilo, mas simultaneamente garantir que tal rompimento ocorra, quando necessário, de forma segura e rápida.

Finalmente, cumpre deixar claro que houve, pelo menos em nosso País, a partir dos anos noventa, uma sistemática propaganda a favor da desestatização e desconstrução do Estado, acompanhada de depreciação ética e moral do serviço público em geral. Os reflexos dessa propaganda neoliberal e o modelo econômico de endividamento público recrudescem as tendências culturais de crescente aversão ao pagamento de tributo. Pagar tributo para quê? Somente para pagamento ao capital financeiro?

Perde-se, assim, cada vez mais, a perspectiva de solidariedade tributária e o afastamento da sociedade brasileira, em sua maioria, das famílias e dos contribuintes, dos fundamentos e dos fins do tributo. Nesse ponto, nenhum mecanismo de coerção será capaz de suprir a eficaz, voluntária e insubstituível colaboração de cada cidadão na arrecadação.

Belo Horizonte, outubro de 1999.




Misabel Abreu Machado Derzi