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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Não incide ISS sobre contratos de afretamento de embarcações

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) não incide sobre contratos de afretamento de embarcações por tempo, por viagem ou a casco nu. A decisão é da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso envolvendo a empresa Maré Alta do Brasil Navegação Ltda. e o município de Macaé (RJ). A empresa recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que considerou a atividade como uma prestação de serviços passível da cobrança do imposto. No recurso, a empresa apontou ofensa ao artigo 2º da Lei n. 9.432/97 e ao artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN), alegando, entre outros pontos, que o afretamento de embarcações possui caráter complexo, não se enquadra no conceito de prestação de serviços aplicável às normas tributárias brasileiras e não está contido na lista da Lei Complementar n. 116/2003 como atividade incidente do ISS. Alegou, ainda, que, apesar de ser uma empresa contratada da Petrobras, a atividade de afretamento não se enquadra no item 35 da lista de serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/68. De acordo com o artigo 2º da Lei n. 9.432/97, afretamento a casco nu é o "contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação". Afretamento por tempo é o "contrato em virtude do qual o afretador recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la por tempo determinado" e afretamento por viagem é o "contrato em virtude do qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma ou mais viagens". Segundo a relatora do processo, ministra Denise Arruda, no caso do afretamento a casco nu, no qual a empresa cede apenas o uso da embarcação, o STJ já pacificou o entendimento de que para efeitos tributários os navios devem ser considerados como bens móveis, sob pena de desvirtuarem-se institutos de Direito Privado, o que é expressamente vedado pelo artigo 110 do CTN. “E, levando em consideração a orientação do STF no sentido de que é inconstitucional a incidência do ISS sobre a locação de bens móveis, tal cobrança é ilegítima já que no contrato em comento há mera locação da embarcação sem prestação de serviço, o que não constitui fato gerador do ISS”, ressaltou em seu voto. Nos casos de afretamentos por tempo ou por viagem, o Tribunal entendeu que tais contratos são complexos porque, além da locação da embarcação com a transferência do bem, há a prestação de uma diversidade de serviços, entre os quais se inclui a cessão de mão-de-obra. Citando vários precedentes, a relatora reiterou que tais atividades não podem ser desmembradas para efeitos fiscais e não são passíveis de tributação pelo ISS, já que a específica atividade de afretamento não consta da lista anexa ao Decreto-Lei n. 406/68.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Empresa de factoring deve pagar Cofins


Incide Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) sobre a soma das receitas oriundas de factoring. O entendimento é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para quem esse cálculo inclui a receita bruta decorrente da prestação cumulativa e contínua de “serviços” de aquisição de direitos creditórios resultantes das vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços. A discussão judicial começou com um mandado de segurança ajuizado por uma empresa de factoring do Rio de Janeiro visando ver reconhecido o direito de não se sujeitar à incidência da Cofins sobre o valor de face e o valor de aquisição de direitos creditórios adquiridos. O pedido foi rejeitado em ambas as instâncias da Justiça Federal da 2ª Região, o que levou a empresa a recorrer ao STJ. Para o ministro Luiz Fux, relator do recurso, a Lei n. 9.718/98, que trata das contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins devidas pelas pessoas jurídicas de Direito Privado, estendeu o conceito de faturamento, base de cálculo das cobranças, definindo-o como a receita bruta da pessoa jurídica. O que viria a ser – explica o ministro – a totalidade das receitas auferidas, sendo irrelevantes o tipo de atividade exercida pela pessoa jurídica e a classificação contábil adotada para as receitas. O relator destaca que a empresa de fomento mercantil ou de factoring realiza atividade comercial mista atípica, que compreende o oferecimento de uma plêiade de serviços, nos quais se insere a aquisição de direitos creditórios, auferindo vantagens financeiras resultantes das operações realizadas, não se revelando coerente a dissociação dessas atividades empresariais para efeito de determinação da receita tributável. Entende o ministro Fux que os itens do ato da Comissão dos Sistemas de Informação e Telecomunicações do Estado (Cosit) contestado pela empresa estão de acordo com a concepção de faturamento mensal/receita bruta dada pela Lei Complementar 70/91. Conforme essa lei, incide Cofins sobre a soma das receitas oriundas do exercício da atividade empresarial de factoring. Esse ato determina que a base de cálculo da contribuição devida por essas empresas é o valor do faturamento mensal, no qual se inclui, entre outras, a receita bruta decorrente da prestação cumulativa e contínua de “serviços” de aquisição de direitos creditórios resultantes das vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços, computando-se a receita como o valor da diferença entre o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito adquirido.

TR é aplicável na correção de débitos do FGTS


Em mais um processo julgado pela Lei dos Recursos Repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a TR é o índice aplicável para a correção monetária de débitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), decorrentes dos valores recolhidos pelos fundistas e não repassados ao Fundo. O entendimento será aplicado em todos os casos semelhantes. Acompanhando o voto do relator, ministro Luiz Fux, a Seção entendeu que conforme previsto no artigo 13 da Lei 9.065/95, a taxa Selic incide apenas sobre tributos federais não se aplicando às contribuições do FGTS, que não têm natureza tributária. Para o ministro, os débitos perante o FGTS possuem disciplina própria de atualização monetária e de cobrança de juros moratórios, prevista na Lei 8.036/90, prescrevendo o mencionado diploma legal que sobre tais valores deve incidir a TR e juros de mora à razão de 0,5% ao mês. No caso em questão, a Caixa Econômica Federal recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que excluiu a TR como fator de correção monetária do débito fiscal referente ao FGTS, em acórdão assim ementado: ”consoante entendimento jurisprudencial já consagrado no âmbito de nossos Tribunais, afigura-se ilegítima a aplicação da TR/TRD, como fator de correção monetária do débito fiscal”.

A Lei 9.316/86 vedou a dedução do valor da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ((CSSL), para efeito de apuração do lucro real e identificação de sua própria base de cálculo. Assim, à luz do art. 1º da referida lei, a indedutibilidade da CSSL na apuração do lucro real implica na inclusão do aludido valor nas bases de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da própria contribuição. O entendimento foi consolidado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça em julgamento pelo rito da lei dos Recursos Repetitivos e será aplicado em todos os casos semelhantes. Segundo o relator, ministro Luiz Fux, a interpretação sistemática de vários dispositivos legais conduz à conclusão de que inexiste qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na determinação de indedutibilidade da CSSL na apuração do lucro real. Citando vários precedentes da Corte, o ministro concluiu que “o legislador ordinário, no exercício de sua competência legislativa, tão-somente estipulou limites à dedução de despesas do lucro auferido pelas pessoas jurídicas, sendo certo, outrossim, que o valor pago a título de CSSL não caracteriza despesa operacional da empresa, mas, sim, parcela do lucro destinada ao custeio da Seguridade Social, o que, certamente, encontra-se inserido no conceito de renda estabelecido no artigo 43, do CTN (produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos)”. No caso julgado, a Rigesa da Amazônia S/A recorreu contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. No recurso, a empresa sustentou que o artigo 1º, da Lei 9.316/96, "que determinou a indedutibilidade da contribuição sobre o lucro para efeito de determinação do lucro real" é inconstitucional e requereu o reconhecimento de seu direito líquido e certo de "formar a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com a dedução da despesa relativa à Contribuição Social sobre o Lucro". Ao rejeitar o recurso da empresa, o relator ressaltou que o reconhecimento da legalidade/constitucionalidade de dispositivo legal não importa em violação da cláusula de reserva de plenário contida na Súmula Vinculante número 10 do Supremo Tribunal Federal.

STF reconhece repercussão geral em recursos sobre imunidade tributária da ECT e pagamento de precatórios



Em votação unânime ocorrida por meio do Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram repercussão geral em mais dois recursos extraordinários. Um deles discute se a imunidade tributária concedida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), pela Constituição Federal, abrange somente os serviços tipicamente postais. O outro trata sobre pagamento de precatórios pelo ente público.
Imunidade tributária
No RE 601392, o ministro Joaquim Barbosa (relator) considerou presente a repercussão geral e foi seguido por todos os ministros. O recurso, interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é de autoria da ECT, empresa pública que presta serviços postais que são de competência da União.
A ECT está abrangida pela imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal. A discussão é saber se tal imunidade restringe-se aos serviços tipicamente postais mencionados nos artigos 9º da Lei 6.538/78, sendo lícito ao município a cobrança de ISS, relativamente aos serviços não abarcados pelo monopólio concedido pela União. A empresa argumenta que todas as suas atividades deveriam ser imunes aos impostos.
“Entendo que a matéria possui densidade constitucional, na medida em que se discute o alcance de imunidade tributária, com reflexo nos domínios da concorrência e da livre iniciativa”, disse o ministro Joaquim Barbosa. Segundo ele, a orientação a ser fixada pela Corte transcenderá os interesses individuais, uma vez que servirá de parâmetro para todas as entidades “cujas atividades constantemente oscilam entre a prestação de serviço público, sem nota de capacidade contributiva, e atuação econômico-lucrativa, própria dos agentes do mercado”.
Pagamento de precatórios
Já no Recurso Extraordinário 597092, o estado do Rio de Janeiro sustenta a possibilidade de o ente público optar pela realização do pagamento dos precatórios de maneira integral, observada a ordem de precedência, nos termos do artigo 100, da Constituição Federal, ou de maneira parcelada, com base no artigo 78, do ADCT. O relator, ministro Ricardo Lewandowski considerou que a questão constitucional contida nos autos ultrapassa o interesse subjetivo das partes, entendendo que a controvérsia possui repercussão geral.
Para os procuradores do Rio de Janeiro, não seria possível o sequestro de recursos do estado, uma vez que não se optou pelo pagamento do precatório de maneira parcelada e que a imposição desse parcelamento aos entes federados seria inconstitucional. Sustenta que somente poderia haver o sequestro de recursos nos casos de preterição da ordem de precedência ou nos casos em que, a despeito de o estado optar pelo pagamento parcelado, não seja realizada a inclusão orçamentária de cada uma das parcelas.
“O tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a definição sobre abrangência do parágrafo 4º, do artigo 78, do ADCT, norteará o julgamento de inúmeros processos similares, que tramitam neste e nos demais tribunais brasileiros”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski. Para ele, a discussão também apresenta repercussão econômica, pois a solução do caso poderá “ensejar relevante impacto financeiro no orçamento dos entes públicos”.
Sem repercussão
Outros seis recursos, também analisados pelo Plenário Virtual do STF, não tiveram repercussão geral reconhecida. Os ministros entenderam que os temas em questão tratam de matérias de índole infraconstitucional.
O Agravo de Instrumento (AI) 705941 e os Recursos Extraordinários 582392, 586620, 602324, 602238 602136 contêm assuntos quanto à não incidência de imposto de renda no pagamento de verbas rescisórias de contrato de trabalho; complementação de aposentadoria; exigibilidade da contribuição para o fundo de saúde dos militares; reajuste das tabelas dos serviços prestados ao SUS; indenização por danos morais em decorrência de vazamento de produtos químicos em um dos afluentes do Rio Paraíba do Sul; e danos morais em decorrência de cadastramento indevido em órgão de proteção ao crédito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Liminar suspende cobrança de contribuição previdenciária em contrariedade à Súmula Vinculante 8

Notícias STF Imprimir quinta-feira - 19 de novembro de 2009
-->Quinta-feira, 19 de Novembro de 2009

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, deferiu em parte liminar pedida pelo espólio de A.A.M. em Reclamação (RCL 8895) ajuizada para suspender execução de contribuições previdenciárias em contrariedade ao entendimento firmado na Súmula Vinculante 8 da Suprema Corte. De acordo com ela, os cálculos apresentados em reclamação trabalhista teriam tomado como parâmetro o art. 45 da Lei nº 8.212/91, considerado inconstitucional pela referida súmula, e não o art. 174 do Código Tributário Nacional (CTN).
De acordo com a reclamação, em 2003, o Juízo da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro julgou procedente reclamação trabalhista contra A.A.M. e iniciou execução, tendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) solicitado a juntada dos cálculos referentes à Cota de Contribuição Previdenciária incidente. Em 2007, foi pedida a nulidade parcial da execução fiscal, pela ocorrência de decadência, conforme o CTN, de modo a extinguir a exigibilidade do crédito tributário de fevereiro de 2002 a dezembro de 2007.
O pedido foi negado pelo Juízo da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. Em 2008, conforme explica a reclamação, com a edição da Súmula Vinculante nº 8, pelo STF, os interessados pediram a revisão da decisão, o que não foi atendido, razão pela qual recorreram à Suprema Corte. Afirmou que a Súmula Vinculante teria sido contrariada pela manutenção da decisão, que não anulou parte da execução fiscal deflagrada pela União com a ocorrência da decadência no período pretendido, totalizando a quantia de R$ 4.994,70.
Segundo Cármen Lúcia, a contrariedade a determinada súmula ou a sua aplicação indevida por ato administrativo ou decisão judicial possibilita a atuação do STF, que, ao julgar a reclamação procedente, pode anular o ato ou cassar a decisão e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplicação de súmula, conforme o caso. Ela explica que o STF aprovou a Súmula Vinculante nº 8 com o seguinte teor: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.
De acordo com a ministra do STF, o prazo prescricional de dez anos contido nos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91 foi, portanto, declarado inconstitucional, tendo esses dispositivos sido revogados expressamente pelo artigo 13, da Lei Complementar nº 128, de 19/12/2008. Ela afirma que aplicam-se, pois, quanto à prescrição de contribuições previdenciárias, os artigos 173 e 174 do Código Tributário Nacional.
Cármen Lúcia reconheceu que, no caso, o Juízo da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro prosseguiu na execução de contribuições previdenciárias em contrariedade ao entendimento firmado na Súmula Vinculante nº 8 do STF. “É que os documentos juntados aos autos sugerem que estariam sendo cobradas contribuições previdenciárias já alcançadas pela prescrição, pois os cálculos apresentados teriam tomado como parâmetro o art. 45 da Lei nº 8.212/1991 e não o art. 174 do Código Tributário Nacional”, concluiu

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

STF - RESPONSABILIDADE OBJETIVA

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO (CF, ART. 37, § 6º). CONFIGURAÇÃO. REBELIÃO NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DO CARANDIRU. RECONHECIMENTO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE QUE SE ACHAM PRESENTES TODOS OS ELEMENTOS IDENTIFICADORES DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO. NÃO-COMPROVAÇÃO, PELO ESTADO DE SÃO PAULO, DA ALEGADA RUPTURA DO NEXO CAUSAL. CARÁTER SOBERANO DA DECISÃO LOCAL, QUE, PROFERIDA EM SEDE RECURSAL ORDINÁRIA, RECONHECEU, COM APOIO NO EXAME DOS FATOS E PROVAS, A INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA (SÚMULA 279/STF). DOUTRINA E PRECEDENTES EM TEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO IMPROVIDO.

DECISÃO: O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento foi interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração (fls. 101/103), pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, está assim ementado (fls. 96):

“RESPONSABILIDADE CIVIL – DETENTO FALECIDO EM REBELIÃO OCORRIDA NA CASA DE DETENÇÃO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – EMBARGOS INFRINGENTES COM VOTO VENCIDO QUE ENTENDE IMPROCEDENTE A AÇÃO – EMBARGOS REJEITADOS.” (grifei)

O Estado de São Paulo, no apelo extremo em questão, alega que, “Ao apontar a responsabilidade estatal pelo episódio, desconsiderou o E. Tribunal o fato de que os agentes policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal, em contraposição à injusta agressão dos amotinados, durante rebelião nas dependências da Casa de Detenção” (fls. 109 – grifei).
O exame destes autos convence-me de que não assiste razão ao Estado ora agravante, quando sustenta que o estrito cumprimento de dever legal e a prática de legítima defesa - que, alegadamente, teriam pautado a conduta de seus agentes - bastariam para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Poder Público a respeito do evento danoso em causa.
Com efeito, a situação de fato que gerou o trágico evento narrado neste processo põe em evidência a configuração, no caso, de todos os pressupostos primários que determinam o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da entidade estatal ora agravante.
Como se sabe, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros, desde a Carta Política de 1946, revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, art. 37, § 6º).
Essa concepção teórica - que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne à omissão do agente público - faz emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais, não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou que se cuide de conduta negativa (omissão) daqueles investidos da representação do Estado, consoante enfatiza o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 650, 31ª ed., 2005, Malheiros; SERGIO CAVALIERI FILHO, “Programa de Responsabilidade Civil”, p. 248, 5ª ed., 2003, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Curso de Direito Administrativo”, p. 90, 17ª ed., 2000, Forense; YUSSEF SAID CAHALI, “Responsabilidade Civil do Estado”, p. 40, 2ª ed., 1996, Malheiros; TOSHIO MUKAI, “Direito Administrativo Sistematizado”, p. 528, 1999, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Administrativo”, p. 213, 5ª ed., 2001, Saraiva; GUILHERME COUTO DE CASTRO, “A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro”, p. 61/62, 3ª ed., 2000, Forense; MÔNICA NICIDA GARCIA, “Responsabilidade do Agente Público”, p. 199/200, 2004, Fórum, v.g.), cabendo ressaltar, no ponto, a lição expendida por ODETE MEDAUAR (“Direito Administrativo Moderno”, p. 430, item n. 17.3, 9ª ed., 2005, RT):

“Informada pela ‘teoria do risco’, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como ‘responsabilidade objetiva’. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir.” (grifei)

É certo, no entanto, que o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite abrandamento e, até mesmo, exclusão da própria responsabilidade civil do Estado nas hipóteses excepcionais (de todo inocorrentes na espécie em exame) configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50 - RTJ 163/1107-1109, v.g.).
Impõe-se destacar, neste ponto, na linha da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/1107-1109, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional, tenha incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do seu comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).
A compreensão desse tema e o entendimento que resulta da exegese dada ao art. 37, § 6º, da Constituição foram bem definidos e expostos pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos cujos acórdãos estão assim ementados:

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL.
- A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público.
- Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o ‘eventus damni’ e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).
- O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50). (...).”
(RTJ 163/1107-1108, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“- Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização correspondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória. 4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença.”
(RTJ 182/1107, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei)

É por isso que a ausência de qualquer dos pressupostos legitimadores da incidência da regra inscrita no art. 37, § 6º, da Carta Política basta para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Estado, especialmente quando ocorre circunstância que rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agente público e a consumação do dano pessoal ou patrimonial infligido ao ofendido.
Estabelecidas tais premissas, passo ao exame destes autos. E, ao fazê-lo, observo que as circunstâncias do presente caso - apoiadas em pressupostos fáticos soberanamente reconhecidos pelo Tribunal “a quo” - evidenciam que todos os elementos identificadores da responsabilidade civil objetiva do Estado acham-se demonstrados no caso ora em análise, especialmente o nexo de causalidade material (que restou plenamente configurado) e cuja ruptura a parte ora agravante, que alegara a ocorrência de causa excludente de sua responsabilidade civil, não conseguiu demonstrar.
Daí a correta observação feita pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento da apelação cível interposta pela parte ora agravante (fls. 81/82):

“Com a prisão do indivíduo, assume o Estado o dever de cuidar de sua incolumidade física, quer por ato do próprio preso (suicídio), quer por ato de terceiro (agressão perpetrada por outro preso).
Assim, ante a rebelião que eclodiu no Pavilhão 9, da Casa de Detenção, tinha o Estado o dever de proteger a incolumidade física dos presos e dos próprios revoltosos, uns dos atos dos outros. Sua intervenção no episódio era, portanto, de rigor.
E ocorrendo ofensa à integridade física e morte do detento, é seu dever arcar com a indenização correspondente. A propósito, ressalta RUY BARBOSA: - ‘a legalidade do ato, ainda que irrepreensível, não obsta à responsabilidade civil da administração desde que haja dano a um direito’ (‘A Culpa Civil das Administrações Públicas’ – 1898, Rio, pág. 67).
Tal dever somente restaria afastado se a ação causadora do evento danoso tivesse ocorrido em legítima defesa própria (entenda-se: - do agente policial) ou de terceiro (de outro preso) que, no momento, estaria sendo agredido ou na iminência de o ser, frise-se, pelo detento morto.
Mas mesmo encontrando-se nessa situação lícita (legítima defesa), se tivesse produzido, com sua ação, a morte de outrem não envolvido no fato (‘aberratio ictus’), sua seria também a obrigação de indenizar, pois a ação, apesar de necessária, foi agressiva, atingindo quem não estava em posição de ataque (art. 1519 do Código Civil).
Assim, para afastar sua obrigação de reparar o dano, deveria a Fazenda do Estado demonstrar que o detento falecido, Francisco Ferreira dos Santos, estava, no momento de sua morte, agredindo os policiais ou outro preso. Mas esta prova não foi produzida (o ‘onus probandi’ é seu). Como não a produziu, certa é sua obrigação de indenizar.” (grifei)

Inquestionável, desse modo, que o Tribunal de Justiça local – ao reconhecer não comprovada, pelo Estado de São Paulo, a ocorrência da alegada causa de exclusão da responsabilidade estatal – assim decidiu com apoio no conjunto probatório subjacente ao pronunciamento jurisdicional em referência.
Esse dado assume relevo processual, pois a discussão ora suscitada pelo Estado de São Paulo - em torno da pretendida existência, na espécie, de causa excludente de responsabilidade - revela-se incabível em sede de recurso extraordinário, por depender do exame de matéria de fato, de todo inadmissível na via do apelo extremo.
Como se sabe, o recurso extraordinário não permite que se reexaminem, nele, em face de seu estrito âmbito temático, questões de fato ou aspectos de índole probatória (RTJ 161/992 – RTJ 186/703). É que o pronunciamento do Tribunal “a quo” sobre matéria de fato reveste-se de inteira soberania (RTJ 152/612 – RTJ 153/1019 – RTJ 158/693, v.g.).
Impende destacar, neste ponto, que esse entendimento (inadmissibilidade do exame, em sede recursal extraordinária, da existência, ou não, de causa excludente de responsabilidade), tratando-se do tema suscitado pela parte ora agravante, tem pleno suporte no magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (AI 411.502/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – AI 586.270/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 508.315/CE, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RE 595.267/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):
“ACÓRDÃO QUE DECIDIU CONTROVÉRSIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO COM BASE NA PROVA DOS AUTOS. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 37, § 6.º, E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Impossibilidade da abertura da via extraordinária em razão da incidência, na hipótese, do óbice das Súmulas 279, 282 e 356 desta Corte.
Agravo desprovido.”
(AI 391.371-AgR/RJ, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei)

Cumpre ressaltar, por tal razão, em face do caráter soberano do acórdão recorrido (que reconheceu, com apoio no exame de fatos e provas, a ausência de demonstração da ruptura do nexo causal sustentada pelo Estado de São Paulo), que o Tribunal de Justiça interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público.
Com efeito, o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária, ao fazer aplicação do preceito constitucional em referência (CF, art. 37, § 6º), reconheceu, com inteiro acerto, no caso em exame, a cumulativa ocorrência dos requisitos concernentes (1) à consumação do dano, (2) à conduta dos agentes estatais, (3) ao vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento dos agentes públicos e (4) à ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado de São Paulo.
Cabe acentuar, por relevante, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar controvérsia virtualmente idêntica à versada nesta causa, proferiu decisão que se reflete, por igual, no presente julgamento (RTJ 140/636, Rel. Min. CARLOS VELLOSO).
Essa orientação jurisprudencial - cabe enfatizar - reflete-se no magistério da doutrina (RUI STOCO, “Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência”, p. 1.204, 7ª ed., 2007, RT; ARNALDO RIZZARDO, “Responsabilidade Civil”, p. 362 e 369/371, 1ª ed., 2005, Forense; JOSIVALDO FÉLIX DE OLIVEIRA, “A Responsabilidade do Estado por ato lícito”, p. 74/82, Editora Habeas; GUILHERME COUTO DE CASTRO, “A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro”, p. 52/55, 3ª ed., 2000, Forense; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 995/997, 1002 e 1026/1027, 26ª ed., 2009, Malheiros; GIANNA CARLA RUBINO LOSS, “Responsabilidade Civil do Estado por Atos Lícitos”, “in” Cadernos do Ministério Público do Paraná, vol. 8, nº 01, janeiro/março de 2005, p. 08/12, e JOSÉ ANTONIO LOMONACO e FLÁVIA VANINI MARTINS MARTORI, “A Responsabilidade Patrimonial do Estado por Ato Lícito”, “in” Revista Nacional de Direito e Jurisprudência nº 06, Ano 1, Junho de 2000, p. 23/24), valendo referir, ante a pertinência de suas observações, o preciso (e sempre valioso) entendimento de YUSSEF SAID CAHALI (“Responsabilidade Civil do Estado”, p. 44, item n. 3.5, 3ª ed., 2007, RT):

“A responsabilidade civil do Estado, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; e c) desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais.” (grifei)

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.

Publique-se.

RE N. 475.551-PR


RELATORA P/ O ACÓRDÃO: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. INSUMOS OU MATÉRIAS PRIMAS TRIBUTADOS. SAÍDA ISENTA OU SUJEITA À ALÍQUOTA ZERO. ART. 153, § 3º, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 11 DA LEI N. 9.779/1999. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. DIREITO AO CREDITAMENTO: INEXISTÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

1. Direito ao creditamento do montante de Imposto sobre Produtos Industrializados pago na aquisição de insumos ou matérias primas tributados e utilizados na industrialização de produtos cuja saída do estabelecimento industrial é isenta ou sujeita à alíquota zero.
2. A compensação prevista na Constituição da República, para fins da não cumulatividade, depende do cotejo de valores apurados entre o que foi cobrado na entrada e o que foi devido na saída: o crédito do adquirente se dará em função do montante cobrado do vendedor do insumo e o débito do adquirente existirá quando o produto industrializado é vendido a terceiro, dentro da cadeia produtiva.
3. Embora a isenção e a alíquota zero tenham naturezas jurídicas diferentes, a consequência é a mesma, em razão da desoneração do tributo.
4. O regime constitucional do Imposto sobre Produtos Industrializados determina a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores, esta a substância jurídica do princípio da não cumulatividade, não aperfeiçoada quando não houver produto onerado na saída, pois o ciclo não se completa.
5. Com o advento do art. 11 da Lei n. 9.779/1999 é que o regime jurídico do Imposto sobre Produtos Industrializados se completou, apenas a partir do início de sua vigência se tendo o direito ao crédito tributário decorrente da aquisição de insumos ou matérias primas tributadas e utilizadas na industrialização de produtos isentos ou submetidos à alíquota zero.
6. Recurso extraordinário provido.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Megaoperação contra sonegação fiscal em 9 Estados e no DF soma R$ 4 bi



SOFIA FERNANDESda Folha Online, em Brasília

O Ministério Público e a Polícia Civil realizam nesta terça-feira uma operação de combate à sonegação fiscal em nove Estados e no Distrito Federal. A ação inédita do GNCOC (Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas), envolvendo mais de 1.000 auditores fiscais, deve resultar na recuperação de R$ 4 bilhões sonegados, sem contar multas e juros.
Os nove Estados da operação são: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Rio Grande do Norte. Os sonegadores terão chance de parcelar a dívida, e, caso não paguem, entrarão para a dívida ativa. Todos os impostos sonegados verificados na operação são estaduais, a maioria ICMS.
As áreas de comércio, indústria e atacadista foram os principais alvos da ação. A maioria das empresas é de médio porte, e a fraude mais comum, dentro do universo verificado no Distrito Federal, foi de empresas com sócios laranjas. Lavagem de dinheiro, fraude e adulteração de produtos também foram crimes recorrentes durante a operação. Ainda não há um balanço de quantas empresas foram autuadas.
O Ministério Público se surpreendeu com a quantidade de empresas com esquema organizado. "Quando falamos em sonegação fiscal, pensamos em pequenas empresas, ou até grandes, mas de forma individualizada. Mas não em raras vezes o crime é extremamente organizado", afirmou Gercino Gerson Gomes Neto, promotor do Ministério Público de Santa Catarina.
O grupo ressalta que, quando há sonegação, há prejuízo para a sociedade, já que 25% dos impostos são destinados à educação, 10% à área de saúde e mais outra parcela para segurança pública.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

E-MAIL CIRCULANDO NA NET CUIDADO COM O CPF NA NOTA ELETRÔNICA

leiam DEVAGAR E PROCUREM CAPTAR OS DETALHES DESTA TRAMA
No mês passado, o Governo do Distrito Federal iniciou um programa para incentivar as pessoas a exigirem a Nota Fiscal no ato de cada compra. O negócio funciona mais ou menos assim: Você está no restaurante, acabou de fazer sua refeição e vai até o caixa pagar a conta. Neste instante, você menciona que deseja a Nota Fiscal da sua refeição. Então o operador solicita seu CPF (sem CPF não funciona) e emite a nota. Você guarda esta nota e posteriormente (após uns 2 meses), pode consultar um site da Secretaria da Fazenda. Lá vão constar todas as notas que você solicitou, bem como um Crédito a seu favor. Esse crédito que o governo vai conceder a você, será usado para diminuir no valor de impostos, como o IPTU e IPVA. Mas é importante lembrar apenas que a proporção é mais ou menos assim: de R$ 400,00 em ICMS (e não sobre o valor do total gasto) voce vai ganhar o desconto de R$ 1,00. Ou seja, para que vc ganhe esse R$ 1,00 vc deverá acumular, em gastos, mais de R$ 1.500,00. Está em dúvida? Faça o teste! Olha a pegadinha ! ! ! Preste muita atenção na jogada do governo. Você pede a Nota Fiscal, o restaurante paga mais ICMS para o governo. . . _"Ah! Mas eu vou ganhar um desconto no meu IPVA !" É verdade. Você ganha um desconto de R$ 1,00 e paga R$ 10,00 a mais nos seus impostos. Que vantagem Maria leva? Além disso o governo agora estará controlando sua vida, seus gastos, etc. Cada nota que você pede, você fornece seu CPF, logo o governo tem condições de avaliar quanto foi sua verdadeira renda (independente dela ser formal ou informal). Se você gastou e pediu Nota Fiscal, é porque você tinha dinheiro. E se você tinha dinheiro é porque você ganhou. E se você ganhou, você tem que prestar contas ao "Leão". Consequentemente, isso vai acabar gerando mais Imposto de Renda para cada um de nós. Note que essa jogada não é só do GDF. É uma iniciativa do Governo Federal juntamente com todos os estados do Brasil. Tudo está acontecendo sorrateiramente. Sem que ninguém perceba, o governo está assumindo o controle total sobre a vida financeira de cada cidadão. Tenho fé, que ainda possamos perceber e escapar dessa armadilha. DIGA NÃO a Nota Legal. Não temos SAÚDE, não temos EDUCAÇÃO, não temos TRANSPORTE COLETIVO E AINDA VAMOS PAGAR MAIS IMPOSTOS... ESTÁ BEM CLARO, ELES FICARAM SEM A CPMF E LOGO CRIARIAM ALGO SIMILAR... E ESTA É AINDA PIOR, POIS CONTROLA SUA VIDA... LHE DÁ FALSO PODER DE DESCONTO... TUDO UMA GRANDE JOGADA.... FAÇA SUA PARTE E DIGA NÃO AO PROGRAMA NOTA LEGAL. Já somos "escravos" do governo, por ter que trabalhar 4 meses de cada ano só para pagar impostos (sobram apenas 8 meses para sustentar a família). Imagine se eu permitir que o governo tenha controle total sobre minha vida. Aí que eu vou ver o que é ser "escravo"! Por favor, repasse esta mensagem a toda sua lista de e-mails, seus amigos precisam saber disso. Somente unidos é que podemos nos defender disso. Espero que esta mensagem chegue as mãos de um "boca grande", que seria a pessoa ideal para "colocar a boca no trombone". Se dependermos do restante da imprensa e da mídia, estamos "ferrados e mal pagos".

ENERGIA ELÉTRICA. CREDITAMENTO. IPI.



Não se considera a energia elétrica utilizada na indústria como produto intermediário para creditamento (sistemática da não cumulatividade), pois sequer é produto no sentido jurídico-tributário do termo, quanto mais se considerada a assertiva de que o tributo em questão, o IPI, não incide sobre o consumo. Anote-se não se desconhecerem julgados da Primeira Turma e da Primeira Seção que acolhem a possibilidade de creditamento da energia elétrica como insumo (REsp 904.082-SC, DJe 25/3/2009, e EREsp 899.485-RS, DJe 15/9/2008), porém esse entendimento baseia-se na constatação de que o IPI, e o ICMS estão sujeitos à não cumulatividade, o que, em razão da substancial distinção entre ambos, não pode ser aceito. Como é consabido, o ICMS incide sobre a circulação de mercadoria e o IPI sobre a circulação de produtos industrializados. Contudo, a energia elétrica, apesar de ser mercadoria, jamais será produto intermediário, ou mesmo produto, porque não resulta de processo de produção, mas, sim, de processo de extração. Quanto à correção monetária de crédito escritural, a jurisprudência do STJ a permite quando há óbice ilegítimo do Fisco ao creditamento, o que não ocorreu na hipótese. Todavia, no caso, somente o contribuinte recorreu, daí se mostrar inviável a reforma do acórdão quanto ao ponto, por força do princípio que veda a reforma para pior (non reformatio in pejus). Precedentes citados: REsp 782.699-RS, DJ 25/5/2006; REsp 638.745-SC, DJ 26/9/2005, e REsp 1.035.847-RS, DJe 3/8/2009. REsp 749.466-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 3/11/2009.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

STJ pacifica entendimento sobre drawback


É ilegal a exigência de Certidão Negativa de Débito (CND) para reconhecimento do benefício fiscal de drawback no momento do desembaraço aduaneiro. Tal entendimento foi pacificado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos e será aplicado para todos os demais casos semelhantes. O drawback é a operação pela qual a matéria-prima ingressa em território nacional com isenção ou suspensão de impostos, para ser reexportada após sofrer beneficiamento. Segundo o relator da matéria, ministro Luiz Fux, o artigo 60, da Lei 9.069/95, é claro ao dispor que a concessão ou reconhecimento de qualquer incentivo ou beneficio fiscal, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal fica condicionada à comprovação pelo contribuinte, pessoa física ou jurídica, da quitação de tributos e contribuições federais. Assim, ao contrário do sustentado pela Fazenda Nacional, o referido artigo exige a certidão na concessão ou no reconhecimento do incentivo, ou seja, em um momento ou em outro e não sob a forma cumulativa. Para Luiz Fux, o drawback é uma operação única, com três momentos distintos, e não uma operação bipartida em que o fisco pode exigir do contribuinte nova documentação quando da reexportação. Parecer do Ministério Público Federal também atestou a ilegalidade da exigência da CND no momento do desembaraço aduaneiro, uma vez que o importador já é titular do benefício fiscal em razão do ato concessivo do regime especial. Citando vários precedentes, o relator ressaltou que conforme jurisprudência reiterada do STJ, é ilícita a exigência de nova certidão negativa de débito no momento do desembaraço aduaneiro da respectiva importação, se a comprovação de quitação de tributos federais já fora apresentada quando da concessão do beneficio inerente às operações pelo regime de drawback. O recurso julgado foi interposto pela Fazenda Nacional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que dispensou a apresentação de nova CND pela Royal Citrus Ltda, empresa produtora e exportadora de suco de laranja, na liberação de sacos para embalagem de produtos alimentícios regularmente importados pelo regime de drawback.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

SENHORES!!! LEMBREM-SE DA ADIN 1600-8

EMENTA:CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI COMPLEMENTAR 87/96. ICMS E SUA INSTITUIÇÃO. ARTS. 150, II; 155, § 2º, VII 'A', E INCISO VIII, CF. CONCEITOS DE PASSAGEIRO E DE DESTINATÁRIO DO SERVIÇO. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. ALÍQUOTAS PARA OPERAÇÕES INTERESTADUAIS E PARA AS OPERAÇÕES INTERNAS. INAPLICABILIDADE DA FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PARTIÇÃO DA RECEITA DO ICMS ENTRE OS ESTADOS. OMISSÃO QUANTO A ELEMENTOS NECESSÁRIOS À INSTITUIÇÃO DO ICMS SOBRE NAVEGAÇÃO AÉREA. OPERAÇÕES DE TRÁFEGO AÉREO INTERNACIONAL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS NACIONAIS. QUANTO ÀS EMPRESAS ESTRANGEIRAS, VALEM OS ACORDOS INTERNACIONAIS - RECIPROCIDADE. VIAGENS NACIONAL OU INTERNACIONAL - DIFERENÇA DE TRATAMENTO. AUSÊNCIA DE NORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE COMPETÊNCIA ENTRE AS UNIDADES FEDERADAS. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ART. 151, CF É O DAS RELAÇÕES DAS ENTIDADES FEDERADAS ENTRE SI. NÃO TEM POR OBJETO A UNIÃO QUANDO ESTA SE APRESENTA NA ORDEM EXTERNA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AÉREO, DE PASSAGEIROS – INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL E INTERNACIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DO ICMS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS PELAS EMPRESAS AÉREAS NACIONAIS, ENQUANTO PERSISTIREM OS CONVÊNIOS DE ISENÇÃO DE EMPRESAS ESTRANGEIRAS. AÇÃO JULGADA, PARCIALMENTE PROCEDENTE. /# Embora a Legislação não faça restrição quanto a hipótese de incidência do ICMS para os serviços de transporte de mercadoria e pessoas, o STF, por meio da decisão da ADIn nº 1.600-8, declarou a inconstitucionalidade do ICMS sobre a prestação de serviço de transporte aéreo de passageiros intermunicipal, interestadual e de transporte aéreo internacional de cargas pelas empresas aéreas nacionais, enquanto persistirem os convênios de isenção por empresas estrangeiras.Por sua vez, reza o artigo 102, § 2º, da Constituição Federal de 1988 (com redação determinada pela emenda Constitucional nº 45/2004), que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade é de observância obrigatória por todos os entes tributantes, conforme transcrição a seguir:
"Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:(...)§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal." (Grifo nosso).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Aracruz Celulose garante correção monetária de crédito-prêmio de IPI


Por decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a empresa Aracruz Celulose S/A conseguiu assegurar a incidência de correção monetária sobre parte do incentivo fiscal denominado crédito-prêmio de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) não aproveitado no momento oportuno. Após garantir o direito ao creditamento por decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) em mandado de segurança, a empresa recorreu ao STJ para ter direito também à correção monetária sobre o crédito concedido em razão de exportações realizadas dentro do programa BEFIEX. A ministra relatora Denise Arruda afirmou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, é incabível a correção monetária de créditos escriturais de IPI, salvo quando não aproveitado no momento oportuno por injusto impedimento administrativo ou normativo do Fisco. No caso julgado, a relatora observou nos autos que a própria empresa afirmou que deixou de creditar as quantias relativas ao incentivo fiscal no momento oportuno e, por isso, pediu na esfera administrativa o reconhecimento do direito de compensar os créditos não atingidos pela prescrição. Para a ministra Denise Arruda, “não há como se admitir que a posterior negativa ao pedido administrativo seja motivo para determinar-se a correção monetária do crédito durante todo o período não atingido pela prescrição”. No entanto, considerando que o direito ao creditamento foi reconhecido pelo Poder Judiciário, a ministra Denise Arruda determinou a incidência de correção monetária sobre os saldos escriturais durante o período entre a negativa do pedido administrativo e a data do trânsito em julgado da decisão do TRF2. Desta forma, o recurso da Aracruz Celulose foi, por unanimidade, conhecido e provido em parte. Recurso da Fazenda NacionalNo mesmo processo, a Primeira Turma julgou o recurso da Fazenda Nacional contra a mesma decisão do TRF2. Primeiramente, a Fazenda alegou que mandado de segurança não era via adequada para reconhecimento de crédito-prêmio de IPI por envolver matéria fático-probatória. Essa alegação foi afastada porque a Súmula 213/STJ dispõe que “o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”. A Fazenda sustentou também que o benefício fiscal crédito-prêmio de IPI está extinto desde junho de 1983 e que ele não estaria incluído no contrato do BEFIEX, assinado em 1987, com vigência de dez anos. Segundo a ministra Denise Arruda, a análise dessa questão não se limita à verificação da data de extinção do benefício, adentrando na análise de dispositivo constitucional que embasou a decisão do TRF. O exame de questão constitucional não pode ser feito pelo STJ, pois é da competência do Supremo Tribunal Federal. Assim, o recurso da Fazenda Nacional foi, por unanimidade, parcialmente conhecido e, nessa parte desprovido.

Multa de sentença trabalhista gera acréscimo patrimonial e incidência do IR

O pagamento de verba relativa à multa diária imposta em sentença trabalhista acarreta acréscimo patrimonial, configurando assim o fato gerador, não estando beneficiado por isenção. Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso da Fazenda Nacional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. No caso julgado, o TRF4 entendeu que o imposto de renda não incide sobre valores recebidos em ação trabalhista, relativos à multa diária na base de 1/30 do valor da remuneração por atraso no pagamento das complementações de aposentadoria, pois tal verba apenas recompõe o patrimônio lesado dos contribuintes. A Fazenda Nacional recorreu ao STJ alegando violação ao artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN). Segundo o relator, ministro Teori Albino Zavascki, o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do artigo 43 do CTN e seus parágrafos, os "acréscimos patrimoniais", assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte. Para ele, não há dúvida que o citado pagamento acarretou acréscimo ao patrimônio material do contribuinte, configurando assim o fato gerador. “Por outro lado, não há previsão legal de isenção para pagamentos da espécie. Devido, consequentemente, o imposto de renda”, concluiu em seu voto, que foi acompanhado por unanimidade.

Em leilão judicial, o imposto é cobrado sobre o valor do bem e não da arrematação

A base de cálculo do imposto de importação de bem penhorado adquirido em leilão judicial é o valor aduaneiro da mercadoria e não o valor da arrematação. Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, rejeitou recurso interposto por Tangará Importadora e Exportadora S/A contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Segundo os autos, em março de 2001, a empresa adquiriu em leilão público 89.915 sacas de arroz penhoradas e ainda não nacionalizadas. A mercadoria, avaliada em R$ 1.6 milhão e arrematada por R$ 750 mil, estava armazenada em regime de entreposto aduaneiro. A Fazenda Nacional cobrou o imposto de importação sobre o valor real da mercadoria. A empresa apelou judicialmente para recolher o imposto de importação tendo como base de cálculo o preço da arrematação e não o valor aduaneiro atribuído à coisa leiloada. O TRF2 rejeitou o pedido, com o fundamento de que o inciso III do art. 20 do CTN não se aplica a mercadoria introduzida no país sob o regime especial de entreposto aduaneiro e levada a leilão pelo Poder Judiciário em decorrência de demanda judicial, e não de produto apreendido ou abandonado. A Tangará S/A recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que o valor aduaneiro busca aferir o valor real da transação ocorrida entre importador e exportador, não podendo ser aplicado a terceiro que arrematou a mercadoria em leilão público; e que o Regulamento Aduaneiro não restringe a utilização do preço da arrematação como base de cálculo do tributo à coisa abandonada ou apreendida. Segundo o relator, ministro Benedito Gonçalves, a utilização do preço da arrematação como base de cálculo do imposto de importação restringe-se aos leilões promovidos pela autoridade aduaneira nos quais são alienados os bens abandonados e aqueles que sofrem apreensão liminar para posterior imposição de pena de perdimento, nos termos do art. 20, III, do CTN e art. 63 do Decreto-Lei 37/66. Para o ministro, o caso julgado em nada se assemelha com a hipótese contemplada pela legislação, pois não se trata de leilão realizado pela autoridade aduaneira, mas pelo Poder Judiciário; e não se cuida de mercadoria abandonada ou objeto de pena de perdimento, mas de mercadoria penhorada em ação de execução. Benedito Gonçalves também destacou em seu voto, que o edital de convocação do referido leilão mencionou expressamente que a mercadoria objeto da licitação estava pendente de nacionalização e custos operacionais. Portanto, a utilização do valor aduaneiro como base de cálculo está respaldado na legislação de regência, cuja regra geral determina que nos casos em que a alíquota for ad valorem a base de cálculo do imposto de importação corresponde ao preço real da mercadoria, que deve ser apurado pela autoridade aduaneira em conformidade com o art. VII do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT).

segunda-feira, 9 de novembro de 2009



Número 10 – janeiro de 2002 – Salvador – Bahia – Brasil
FUNÇÕES DAS LEIS COMPLEMENTARES NO SISTEMA TRIBUTÁRIO
NACIONAL – HIERARQUIA DE NORMAS - PAPEL DO CTN NO
ORDENAMENTO
Profª Heleno Taveira Tôrres
Doutor em Direito (PUC/SP). Mestre em Direito Tributário (UFPE).
Especializado em Direito Tributário Internacional (I Universidade de
Roma “La Sapienza”). Professor de Direito Tributário Internacional no
Mestrado e Doutorado da PUC/SP e de Direito Tributário na
UNIFIEO. Advogado e Conferencista. Docente Consultor da CAPES,
para avaliação dos Cursos de Pós-Graduação (desde 1999).
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Pela exigência de aperfeiçoamento da legislação tributária, no atual
quadro de reforma do Estado, na era da fiscalidade de massa, globalização
econômica e da extrema mobilidade de pessoas, bens e riquezas, a
codificação do direito tributário ganha relevância, em vista dos anseios de uma
sempre crescente garantia da segurança jurídica do sistema.
Os fundamentos que justificam uma discussão a respeito do
aperfeiçoamento da codificação (normas gerais) são vários, o que vamos
verificando nos motivos alegados para reformas tributárias, dentre os quais
poderíamos enumerar os seguintes: i) busca de aperfeiçoamento do
ordenamento jurídico e da prática, para colocar o Fisco em sintonia com os
novos conceitos, evoluídos modelos de interpretação do direito, técnicas de
tributação; ii) condição para uma harmonização fiscal entre os países da
América Latina, presentes ou não em processos de integração; iii) maior
respeito aos direitos dos contribuintes, de modo a permitir uma relação entre
Fisco e contribuinte baseada em valores democráticos, entabulada numa
transparência fiscal, e informada pelos ditames da vinculação, clareza e
simplicidade; iv) atualização do catálogo dos limites à ação fiscal, mediante a
inserção ou ampliação do código de defesa do contribuinte; v) aperfeiçoamento
da legislação para reduzir as possibilidades de fraudes, evasões fiscais,
mecanismos elisivos e até mesmo a corrupção; vi) exigência de elementos de
2
resistência às penetrações indesejáveis de conceitos forâneos, principalmente
de common law. Esses são motivos mais que legítimos para justificar tal
preocupação.
Como corolário dessa questão, justapõe-se o tema da hierarquia
sistêmica de normas, a respeito do que temos orientação diversa do que
tradicionalmente tem sido veiculado na nossa doutrina, de menor crítica, é
claro. Entendo que toda hierarquia normativa baseia-se na exclusivamente na
competência dos órgãos responsáveis pela produção de normas no
ordenamento, porquanto um mesmo órgão pode desempenhar diversas
funções, a partir de competências distintas. Vê-se, portanto, o quanto já está
superada a pueril concepção piramidal de Kelsen. Se a validade das normas
exige órgão competente atuando segundo os ditames do ordenamento
(processo ou procedimento), será exclusivamente a identificação da
competência o elemento preciso de demarcação da posição hierárquica da
norma produzida no ordenamento jurídico.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe um grupo de normas
muito abrangente para instituir o respectivo sistema tributário nacional, com
disposições atributivas de poder de tributar, sob a forma de competências, à
União, Estados, Distrito Federal e Municípios; além das limitações
constitucionais a essa repartição de poderes. Por isso, aparentemente, o papel
do Código Tributário Nacional (Lei 5172/66), entre nós, não tem a importância
que possui para os demais países, cujas constituições não asseguram os
pressupostos e os limites para o exercício da tributação.
Mas se o Código Tributário Nacional não desempenha esse papel de
centralidade primordial no sistema tributário brasileiro nem por isso deixa de ter
sua repercussão. A própria Constituição Federal (art. 146, III) exige que o
sistema de legislações (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
submeta-se às chamadas “normas gerais de direito tributário”, como forma de:
regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, aplicando-se
estritamente àquelas que exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II;
150, VI, “c”; 195, § 7º, 156, § 3º CF); ii) evitar eventuais conflitos de
competência entre as pessoas tributantes, quando deverá dispor sobre fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos já identificados na
Constituição (art. 146, I e III, “a”; 155, § 2º, XII, CF); iii) definir os tributos e suas
espécies (art. 146, III, “a”, CF); iv) harmonizar os procedimentos de cobrança e
fiscalização dos tributos, tratando de obrigação, lançamento e crédito - art. 146,
III, “b”, CF; e v) uniformizar os prazos de decadência e prescrição - art. 146, III,
“b”, CF; vi) fomentar, de modo harmonizado, adequado tratamento tributário ao
ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
Trata-se de algo fundamental, essa oportunidade de reascender
diálogos acadêmicos sobre o modelo de código tributário vigente, pelos
importantes efeitos que o movimento de codificação permite aos
ordenamentos, desde que inspirado no respeito aos direitos fundamentais1,
1 Quanto à relação entre direitos fundamentais e os códigos, ver o importante trabalho:
VALDÉS COSTA, Ramón. Los principios jurídicos fundamentales en la codificación tributaria de
América Latina. In: Revista de Direito Tributário. SP: RT, 1977, nº 3, set.-oct., p. 51-61;
3
numa forma racional de atuação e harmonização dos mecanismos de
incidência, além de outros aspectos pertinentes ao aperfeiçoamento da
legislação tributária2.
2. O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - FUNÇÃO INTERNA
2.1 Breve escorço histórico
O Código Tributário Nacional surge a partir da Lei nº 5.172, em 25 de
outubro de 1966, como resultado da reforma operada pela Emenda
Constitucional nº 18/65. Todavia, desde 1953, por ordem do então Ministro da
Fazenda, Osvaldo Aranha, encontravam-se instalados os trabalhos para
realizar tal codificação do direito tributário brasileiro. Para esta tarefa, foi
nomeado Rubens Gomes de Sousa, que ficou encarregado da preparação de
um anteprojeto, o qual foi apresentado em 1954. Este projeto não logrou
conversão em lei. Somente mais tarde, sob a égide daquela Emenda nº 18/65,
a partir de um outro anteprojeto redigido pela Comissão composta dos
Professores Gilberto de Ulhôa Canto, Rubens Gomes de Sousa e Gerson
Augusto da Silva (médico), que contavam com a ajuda de Aliomar Baleeiro, , tal
desiderato chegou a bom termo3.
Como se vê, a Lei nº 5.172/66 foi redigida sob a égide da Constituição
Federal de 1946, respeitando o seu art. 5º, XV, b, tendo sido recepcionado pelo
§ 1º do art. 18, da Constituição de 1967, o qual dispunha: “Lei Complementar
estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre conflitos de
competência nessa matéria entre União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios e regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Em
seguida, o Ato Complementar nº 36, de 13/03/1967, em decorrência dos efeitos
de recepção e reconhecendo naquela lei as funções exigidas para lei
complementar, lha atribuiu a denominação com a qual atualmente a
reconhecemos, de Código Tributário Nacional.
Em face do princípio da recepção constitucional (art. 34, § 5º, dos
ADCT/CF), o Código Tributário Nacional foi mantido também pela Constituição
de 1988, em tudo o que não seja com ela incompatível, em atendimento ao
primado da economia legislativa e por estar em consonância com as exigências
do art. 146, CF, a saber:
Art. 146. Cabe à lei complementar4:
2 Na Alemanha, Klaus Tipke defende a necessidade de um Código Tributário
(Steuergesetzbuch) que inclua tanto a parte geral como os diversos impostos em espécie, o
que, segundo este prestigioso Professor, mostrar-se-ia como uma grande contribuição à
sistematização do Direito Tributário. Cfr. TIPKE, Klaus. Die Stueuerrechtsordnung, Colônia:
Otto Schmidt, 1993, v. I, p. 110;
3 Para uma análise mais apurada, cfr.: JULIANO, Raymundo. El código tributário
nacional. Anais das XX Jornadas do ILADT. Salvador: ABDF, 2000, dez., p. 1595-1607;
4 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária.SP: RT, 1975, p. 80-81;
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 12ª ed. SP: Saraiva, 1999, p. 206;
4
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas. (g.n.).
Mesmo se en passant, mas precisávamos situar o Código Tributário,
temporalmente, em nosso sistema tributário, ora superando mais de seis
lustros cumprindo as exigências constitucionais típicas. Feitas essas
digressões, passemos agora a uma análise das funções que a lei
complementar cumpre no sistema tributário nacional, para em seguida
discorrermos sobre o conteúdo e alcance das normas gerais e o papel da
codificação.
2.2 Conceito e funções da lei complementar no sistema tributário
nacional
Sabemos que todos os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
possuem suas constituições e leis orgânicas, cada qual regendo os respectivos
sistemas de normas próprios, sob a égide dos princípios do federalismo e
autonomia dos municípios. Contudo, para a União, a mesma Constituição que
rege a República Federativa do Brasil (art. 1º, CF), regula também suas
atividades, exercidas na qualidade de pessoa jurídica de direito público interno
(art. 18, CF). Percebendo essa sobreposição, já Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, em 1937, na sua obra: “natureza jurídica do Estado Federal”, fizera a
necessária separação entre aquelas normas que, por se aplicarem à República
Federativa do Brasil, concentram em si eficácia vinculante para todas as
pessoas políticas, corporificando a Constituição Nacional; e aquelas normas
que se aplicam exclusivamente à União, pessoa autônoma do federalismo,
compondo a chamada Constituição Federal.
Como é de sua natureza, a Constituição institui órgãos aos quais confia,
segundo seu caráter objetivo, âmbitos de tarefas da atuação estatal distintos,
setores de competência material, portanto; além disso, define as atribuições de
poder necessárias para a adequada consecução de tais tarefas. A Constituição
funda competências, criando, no âmbito dos respectivos cometimentos, poder
estatal (conforme o direito), para que os órgãos legislativos tipifiquem as
materialidades correlatas. Dispõe, a Constituição, desse modo, a regular
composição e conformação dos órgãos estatais, garantindo a adequada
assunção de suas funções, cujos atos somente serão válidos se estes agirem
5
exclusivamente nos seus limites de competência e segundo o devido processo.
Em conformidade com este modo de ação, segue a Constituição sua
finalidade, coordenando as diferentes funções dos órgãos umas com a outras,
fazendo com que todas se complementem mutuamente, cada um agindo
segundo as regras constitucionais, de tal modo que a cooperação, a
responsabilidade e o controle entre estes restem assegurados, evitando-se
eventuais abusos de competências5 por um ou outro órgão.
Por determinação constitucional, no Brasil, o Congresso Nacional exerce
três funções legislativas (competências) distintas: é i) constituinte derivado, ao
discutir e votar Emendas à Constituição, e é o legislador ordinário da União,
sob duas modalidades: ii) legislador federal, ao exercer as competências
típicas da União, na qualidade de pessoa de direito público interno, plenamente
autônoma; e iii) legislador nacional, ao dispor sobre normas gerais aplicáveis
às quatro pessoas políticas, nas matérias previstas no art. 24, da CF, e em
outras previstas no corpo da Constituição.
Percebe-se, assim, que a Constituição atribuiu funções distintas a um
mesmo órgão legislativo, sob a forma de competências típicas: ao exercer o
poder de reforma, com poderes para alterar a fisionomia constitucional, criando
ou modificando inclusive suas próprias competências e das demais pessoas
políticas, desde que não afete as chamadas cláusulas pétreas do art. 60, IV,
CF; e como legislador ordinário, a partir das atribuições materiais de
competência, estabelecendo as tipificações das condutas, por lei específica,
bipartindo-se em legislador federal e legislador nacional6.
Como dito, o Congresso Nacional é órgão que concentra dúplice função,
e os processos exigidos para o exercício de cada uma delas são distintos, não
apenas por uma questão de necessidade de maior dificuldade, definidora da
rigidez constitucional, para o exercício das mutações constitucionais, operados
pelo Constituinte derivado, mas como razão do exercício de cada uma dessas
funções. Ao dúplice exercício de funções do órgão, um duplo processo, como
critério de legitimação dos atos emanados por cada um deles.
As leis complementares são figuras do ordenamento que se diferenciam
dos demais atos legislativos tanto pela matéria (competência), quanto pelo
processo de formação (quorum qualificado de maioria absoluta, art. 69, da CF).
Daí Paulo de Barros Carvalho as definir nos seguintes termos: “lei
complementar é aquela que, dispondo sobre matéria, expressa ou
implicitamente, prevista na relação constitucional, está submetida ao quorum
qualificado do art. 69 (CF), isto é, maioria absoluta nas duas Casas do
Congresso Nacional”.
5 Cfr.: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1992, p. 19;
6 “O processo crescente de complexidade da evolução social impõe a divisão do
trabalho, a especialização de funções. Já as funções F’, F”, F’”, não são comportáveis num
único órgão O. Fragmenta-se o exclusivo órgão, destacando-se outros, cada um com função
específica”. VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. Recife: OAB, 1985, p. 192;
6
Dito de outro modo, as leis complementares encontram no sistema
constitucional o respectivo campo material predefinido (competência), sob a
forma de matérias sujeitas ao princípio de reserva de lei complementar
(pressuposto material) e são aprovadas por maioria absoluta (pressuposto
formal, art. 69, CF). Eis o quanto as diferem das leis ordinárias.
No Brasil, a Constituição, como corolário do federalismo (art. 1º e 18,
CF) e da autonomia dos municípios (art. 18 e 29, CF), fixou todas as
competências, inclusive as que versam sobre matéria tributária, autorizando
aos legisladores das pessoas de direito público interno a criarem, por meio de
leis próprias, os tributos que lhes foram reservados, privativamente, de forma a
concretizar o federalismo fiscal.
Nas atividades típicas de legislador ordinário “federal”, o Congresso
Nacional poderá usar tanto de lei ordinária, como de lei complementar, a
depender da exigência constitucional para o respectivo exercício de
competência. É dizer, na Constituição encontramos matérias com reserva de lei
complementar, sendo esta exigida expressa ou implicitamente. Por conta disso,
torna-se, o procedimento do artigo 69, da CF, pressuposto de validade
inafastável para legitimar, em termos formais, o exercício do poder legislativo.
Salvo estas hipóteses, todas as demais matérias, submetidas à reserva de lei,
poderão ser objeto de leis ordinárias, como é o caso das competências do
artigo 21, 22, 23; 153, I-VI, da CF, dentre outros.
Retomando a idéia anterior sobre as funções do legislador ordinário,
temos que a lei complementar tanto é exigida pela Constituição para servir ao
legislador federal (efetivando competências da União), quanto ao legislador
nacional, na função de criar as chamadas “normas gerais”. É dizer, faz parte da
demarcação de competências, também, a definição daquelas que só poderão
ser exercidas exclusivamente pelo legislador federal (União) mediante lei
complementar, assim como a competência do legislador nacional, também
mediante lei complementar, para criar as chamadas normas gerais em matéria
de legislação tributária.
Desse modo, apreciando as hipóteses de cabimento de lei
complementar em matéria tributária, temos que, no ordenamento constitucional
vigente, são matérias de reserva de lei complementar, em duas das funções
legislativas do Congresso Nacional:
1) O exercício de competência da União (lei complementar federal), a
qual se subdivide em:
i) exercício de competências privativas específicas: arts. 148; 153, VII,
CF; e
ii) exercício de competência residual – arts. 154, I; 195, § 6º, CF;
2) A criação das normas gerais em matéria de legislação tributária (lei
complementar nacional – art. 24, I e 146, CF), as quais se encontram
expressas nas seguintes possibilidades:
7
i) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar,
restritamente àquelas que exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II;
150, VI, “c”; 195, § 7º, 156, § 3º CF);
ii) evitar eventuais conflitos de competência entre as pessoas
tributantes, quando deverá dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes dos impostos já identificados na Constituição (art. 146, I e III, “a”;
156, III; 155, § 2º, XII, CF);
iii) definir os tributos e suas espécies (art. 146, III, “a”, CF);
iv) harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos
tributos, tratando de obrigação, lançamento e crédito (redução de divergências)
- art. 146, III, “b”; 155, § 2º, XII, CF;
v) uniformizar os prazos de decadência e prescrição - art. 146, III, “b”,
CF; podendo estipular suas exceções;
vi) fomentar, de modo harmonizado, adequado tratamento tributário ao
ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;
2.2.1 Lei complementar como pressuposto para o exercício de
competências da União (legislação federal)
A primeira função desempenhada pelas leis complementares no sistema
tributário é de ordem federal e corresponde, ao exercício de competência da
União para a criação de seus tributos originariamente atribuídos. Como se
sabe, a competência legislativa tributária equivale à parcela do poder de
tributar, previamente limitada, predisposta às pessoas políticas para criarem,
por meio de lei, normas jurídicas sobre tributos, quanto à instituição,
arrecadação e fiscalização destes. Pois bem. A União recebeu competências
materiais que somente podem ser exercidas mediante o uso de leis
complementares, como é o caso do empréstimo compulsório (art. 148, CF) e
do imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, CF).
Além dessa hipótese, a União recebeu, por disposição constitucional
expressa, a chamada competência residual (art. 154, I; e 195, § 6º CF), para
criar novos impostos, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato
gerador ou base de cálculo próprios dos já existentes, ou novas contribuições,
ao prever que a União poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art.
154, I.
Em ambos os casos, o exercício da competência somente será legítimo
se acompanhado de lei complementar, por ser matéria reservada tipicamente
para essa espécie de lei. Da mesma sorte da anterior, exercida a competência,
quer dizer, instituído o tributo, sua função cessa, ingressando no sistema
jurídico nacional no mesmo plano das leis ordinárias e mantendo-se, assim, em
relação de coordenação com estas. Nesse caso, não há que se falar em
qualquer hierarquia entre a lei complementar e os demais atos legislativos,
8
porquanto sua função exaure-se com a instituição do tributo, cessando com o
próprio exercício de competência. Por conseguinte, nada impede que lei
ordinária modifique ou mesmo ab-rogue lei complementar com tais funções.
2.2.2 Lei complementar como pressuposto para a criação de
normas gerais (competência da União para instituir legislação nacional)
Quanto à definição do que sejam as chamadas “normas gerais”, o certo
é que, até o presente, nenhuma doutrina foi suficientemente rigorosa a ponto
de colocá-la no devido lugar do sistema jurídico. Lembraria, no limiar desses
esforços, o trabalho pioneiro de Carvalho Pinto, que ensaiou uma delimitação
pela negativa, i.e., do que não seriam normas gerais, ontologicamente, nos
seguintes termos: a) não são normas gerais as que objetivem especialmente
uma ou algumas dentre várias pessoas congêneres de direito público,
participantes de determinadas relações jurídicas; b) não são normas gerais as
que visem, particularizadamente, determinadas situações ou institutos jurídicos,
com exclusão de outros, da mesma condição ou espécie; c) não são normas
gerais as que se afastem dos aspectos fundamentais ou básico, descendo a
pormenores ou detalhes7. Ao que nos afigura, nenhuma obra mais recente foi
suficientemente capaz de refutar essa orientação.
Contudo, mesmo havendo essa lacuna no plano semântico, o que se
deve em grande parte à ambigüidade do termo “geral”, muito já se escreveu
tentando conferir a esta figura contornos bem precisos em termos analíticos, de
sorte a garantir a segurança jurídica do sistema como um todo e a colaborar
com a delimitação da competência da União nesse assunto, preservando os
direitos dos contribuintes e evitando a invasão de competências, para os fins
de proteção do federalismo e da autonomia dos municípios, além de outros
princípios do sistema tributário nacional. E todas as discussões começaram a
partir da própria Constituição Federal de 1967.
Analisando o art. 18, § 1º, CF/67, quanto ao seu alcance e função, duas
correntes de opiniões distintas passaram a disputar espaço acadêmico. Uma
primeira, entendendo que tal dispositivo manifestaria três distintas funções para
a lei complementar: a) emitir normas gerais de direito tributário; b) dispor sobre
conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios; e c) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. É a
chamada corrente “tricotômica”.
Outra vertente de pensamento, todavia, e a que mais prosperou
doutrinariamente, deu orientação diversa à questão, alegando que aquela visão
tricotômica pecaria por praticar uma hermenêutica literal, ao não delimitar o
conteúdo das normas gerais de direito tributário, o que possibilitaria ao
legislador da União cometer agressões ao sistema federativo e ao princípio da
autonomia dos municípios, na medida que ficaria permitido à legislação
complementar produzir, indiscriminadamente, regras jurídicas que
perpetrassem o recinto das competências outorgadas aos Estados-Membros,
atingindo o pacto federativo, e invadissem as prerrogativas constitucionais de
7 CARVALHO PINTO. Normas gerais de direito financeiro. SP: Ed. Prefeitura do
Município de São Paulo, 1949, p. 24;
9
que usufruem os Municípios, maculando o princípio da autonomia dos
municípios. Ademais, porque os direitos fundamentais dos contribuintes não
poderiam ser reduzidos no respectivo alcance e conteúdo, a título de “dispor
sobre limitações constitucionais ao poder de tributar”. Como visto, a prevalecer
tal entendimento, aquele da corrente tricotômica, tudo estaria permitido ao
legislador complementar, o que decerto não se compatibilizaria com toda a
estrutura do sistema implantado pela própria constituição.
Esta orientação, chamada de “dicotômica”, pautando-se numa
compreensão sistemática, dizia que o dispositivo em análise teria apenas uma
finalidade: as leis complementares serviriam para veicular unicamente normas
gerais de direito tributário, que exerceriam duas funções: i) dispor sobre
conflitos de competência entre as entidades tributantes e ii) regular as
limitações constitucionais ao poder de tributar. Com isso, ficariam
resguardados os princípios do federalismo e da autonomia dos Municípios8.
Mas como as competências são todas privativas e já estão distribuídas e os
direitos e garantias constitucionais não poderiam sofrer coarctações pelo
legislador infraconstitucional, então sobraria muito pouco espaço para ser
regulado pelas chamadas “normas gerais de direito tributário”. Melhor dizendo,
nenhum espaço, na opinião de Geraldo Ataliba, seu maior defensor.
Mais recentemente, Valdir de Oliveira Rocha ensaiou uma definição de
normas gerais, no seguintes termos: normas gerais em matéria de legislação
tributária são preceitos meramente didáticos, desenvolvedores do sistema
constitucional, e que, no máximo, funcionam supletivamente cedendo diante de
norma específica quando ocupem espaço a esta reservado. Segundo este
autor, as normas gerais, nada obstante a grave importância didática, não
seriam estritamente necessárias, do ponto de vista jurídico9. Essa tese
encontra-se na linha do quanto já vinham afirmando grandes nomes do nosso
direito tributário, como Rubens Gomes de Sousa. Mas essa visão
declarativista, digamos assim, do que diz a Constituição Federal, é missão
própria do legislador, em qualquer esfera do seu exercício de competências.
Mesmo se, negando a corrente tricotômica, pela superficialidade de sua
conclusão, reconheçamos maior legitimidade na força argumentativa na
chamada corrente dicotômica; por entendê-la, de certo modo, redutora demais
em suas propostas, preferimos ir além dessa concepção, mesmo se a
adotemos nos fundamentos. Na medida que a Constituição Federal exige tais
normas gerais no sistema, a estas temos que reservar algum papel, porque
como é de uso corrente dizer, para fins hermenêuticos, a Constituição não usa
palavras inúteis.
De fato, adotamos na concepção de base de nossas investigações a
corrente denominada dicotômica, cuja definição das normas gerais de direito
8 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária.SP: RT, 1975; ATALIBA,
Geraldo. Lei Complementar em Matéria Tributária. Revista de Direito Tributário. SP: RT, 1989,
nº 48; CARVALHO (1999, p. 205); CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional
Tributário, 10ª ed., SP: RT, 1997, p. 474-95;
9 Cfr. ROCHA, Valdir de Oliveira. Determinação do montante do tributo – qualificação,
fixação e avaliação. 2ª ed., SP: Dialética, 1995, p. 89 e 93;
10
tributário, na visão do eminente Prof. Paulo de Barros Carvalho, Titular da PUC
e da USP, à luz da Constituição Federal de 1988 continuaria sendo a seguinte:
“(...) são aquelas que dispõem sobre conflitos de competência entre as
entidades tributantes e também que regulam as limitações constitucionais ao
poder de tributar. Pronto: o conteúdo está firmado. Quanto mais não seja,
indica, denotativamente, o campo material, fixando-lhe limites. E como fica a
dicção constitucional, que desprendeu tanto verbo para dizer algo bem mais
amplo? Perde-se no âmago de rotunda formulação pleonástica, que nada
acrescenta” 10. Pois bem, não negamos que assim seja, nos fundamentos, mas
preferimos explicitar suas possibilidades, caso a caso, à luz das teorias da
codificação, no que tange às funções representadas em cada uma das
hipóteses do art. 146, da CF.
É certo que na maioria dos grandes autores que se dedicaram ao estudo
das “normas gerais”, sempre prevaleceu uma visão mais analítica, estrutural, e
menos funcional na sua descrição, excetuando-se Sacha Calmon, quando
afirma: “as normas gerais de direito tributário veiculadas pelas leis
complementares são eficazes em todo o território nacional, acompanhado o
âmbito de validade espacial destas, e se endereçam aos legisladores das três
ordens de governo da Federação, em verdade, seus destinatários. A norma
geral articula o sistema tributário da Constituição às legislações fiscais das
pessoas políticas (ordens jurídicas parciais). São normas sobre como fazer
normas em sede de tributação”11. A nossa proposta, decerto, é partir da
estrutura para chegar à função, privilegiando a ambos os modos de
abordagem.
Nesse particular, a lei complementar deverá ser adotada pela União
como instrumento inafastável para exercer suas respectivas competências na
criação de “normas gerais”. Numa leitura sistemática do art. 146, que é regra
típica de Constituição Nacional, “normas gerais” somente serão aquelas que
venham a ser criadas seguindo tal espírito; quando o legislativo da União,
revestindo-se das magnas funções de legislador nacional, as introduzirá no
ordenamento para: i) regular limitações constitucionais ao poder de tributar,
detidamente àquelas que exigem lei específica para surtir seus efeitos; ii) evitar
conflitos de competência entre as pessoas tributantes, ao dispor sobre fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos já identificados na
Constituição; iii) definir os tributos e suas espécies; iv) harmonizar os
procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de obrigação,
lançamento e crédito; e v) uniformizar prazos de decadência e prescrição; vi)
fomentar, de modo harmonizado, adequado tratamento tributário ao ato
cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
Mas é claro que a todas essas funções aplicam-se limitações
principiológicas e formais próprias, como estabelecido na Constituição Federal,
sendo totalmente afastada qualquer possibilidade para que as normas gerais
10 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. SP: Saraiva, 2000,
p. 208;
11 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2ª ed., RJ:
Forense, 1999, p. 109;
11
assumam feições tipicamente de normas constitucionais, sob pena do vício
insanável de inconstitucionalidade; do mesmo modo que será o exercício dos
legisladores ordinários sem observância dos seus preceitos.
2.2.2.1 As funções da lei complementar como veículo de normas
gerais
Primeiramente, a competência da União para criar normas gerais com a
função de regular limitações constitucionais ao poder de tributar, somente
poderá ser exercida nos casos que exigem lei específica para surtir os efeitos
que lhe são próprios, como se verifica no art. 150, VI, “c” ou do art. 195, § 7º.
Nenhuma redução poderá ser intrudida nas limitações principiológicas cujo
exercício a Constituição não condiciona a qualquer ato do legislador, como o
princípio da capacidade contributiva, da vedação de confisco, isonomia e
outros.
Poderá a União instituir normas gerais para evitar eventuais conflitos de
competência entre as pessoas tributantes. Mas nesse caso, jamais poderá
agredir a repartição constitucional de competências, pertinente ao federalismo
e à autonomia dos municípios. Por isso mesmo, o art. 146, III, “a”, ao prever a
criação de normas gerais para dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo
e contribuintes dos impostos já identificados na Constituição, estas somente
serão constitucionais se comparecerem no sistema para especificar os limites
do inciso I, i. e., para prevenir conflitos de competência entre as pessoas
políticas. E vice-versa, pois a título de evitar conflitos de competência, não
poderá a União dispor sobre outros aspectos além daqueles. Esse é o caso
dos arts. 146, I e III, “a”; 156, III; 155, § 2º, XII, todos da CF. É evidente que a
limitação de que se fala aqui não aparece apenas nas relações entre pessoas
políticas distintas, podendo ocorrer entre Estados (ICMS: 155, § 2º, XII; ITCMD:
155, III) ou entre municípios (ISS: 156, III), daí a exigência de lei complementar
para esses casos, insulando-se aos casos expressos na Constituição, ou
quando não expresso nos dispositivos próprios; naqueles acima referidos, no
art. 146, III, “a”, para dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes. Por fim, não é demais lembrar, essa é hipótese que se aplica
apenas aos impostos já previstos na Constituição originária.
A União recebe ainda competência para definir os tributos e suas
espécies (art. 146, III, “a”, CF). Para essa possibilidade, a norma geral deverá
ater-se aos caracteres gerais, tipificando as características dos tributos, nas
suas várias espécies. Nessa hipótese, a União limita-se mutuamente, tal qual
as demais pessoas políticas, porquanto ao tecer os elementos caracterizadores
do empréstimo compulsório, da contribuição de melhoria, contribuição de
intervenção no domínio econômico, taxa de exercício de poder de polícia, ou
taxa de serviço, por exemplo, disporá limitações e exigências que concorrerão
para ampliar as limitações ao poder de tributar. Nesta função, serão
inconstitucionais todas aquelas normas gerais que visem a qualificar,
particularizadamente, específicas situações com exclusão de outras; ou que se
afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a pormenores ou
detalhes e que impliquem interferências nas competências alheias.
Na seqüência, temos que compete à União, na qualidade legislador
12
nacional, harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos,
tratando de obrigação, lançamento e crédito - art. 146, III, “b”; 155, § 2º, XII,
CF; e ainda uniformizar os prazos de decadência e prescrição. Decerto que a
própria Lei Complementar poderá dispensar específicos tributos do regime
geral, adotando prazos distintos, mas somente lei complementar terá essa
faculdade. A razão é que tanto este quanto o anterior, ambos encontram-se
fundados na premissa de que a Constituição deve primar pela redução de
divergências. É o que se dessome do art. 151, I, ao vedar a União de instituir
tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique
distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município, em detrimento de outro. Mesmo sendo um dispositivo que
aparentemente seria aplicável apenas à União, na instituição de seus tributos,
não poderíamos deixar de considerá-lo no exercício da competência em
matéria de normas gerais. Por decorrência, temos que serão inconstitucionais
quaisquer leis editadas a título de normas gerais que caiam em particularismos
ou que se afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a
pormenores ou detalhes, pelo risco de implicar em interferências nas
competências alheias. Vale ressaltar que para esses aspectos, as normas
gerais serão sempre vinculantes para todas as espécies de receitas públicas
qualificadas como tributo, às quais deva ser aplicado o regime jurídico
tributário.
Por fim, merece destaque o preceito segundo o qual cabe à lei
complementar o papel de fomentar, de modo harmonizado, adequado
tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas, mediante o uso de normas gerais. Nesses termos, dada a
importância e o interesse social envolvido12, e porque qualquer tratamento
tributário concedido em regime geral às cooperativas, na medida que elas
podem ter como objeto fornecer bens ou prestar serviços, poderia implicar em
afetação a tributos estaduais ou municipais, não se limitando aos tributos
federais, somente lei complementar, na qualidade de veículo introdutor de
normas gerais, teria o condão de estipular condições harmonizadas de
tributação. Sendo assim, a legislação preexistente, pertinente ao tratamento
jurídico-tributário conferido ao ato cooperativo, ao ser alçada à condição de
norma geral, somente poderá ser alterada por lei complementar, mas apenas
12 Como se dessome da própria Constituição Federal, em diversos artigos, como
exemplo:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (...) § 2.º A lei apoiará e
estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem
como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta,
especialmente: (...) VI - o cooperativismo;
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado
em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...) VIII - o funcionamento das cooperativas
de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação
próprias das instituições financeiras.
13
naquilo que for de matéria tributária13. Vedado, contudo, a concessão de
isenções (totais ou parciais) por esse meio, haja vista as limitações dos artigos
150, § 6º e 151, III, da CF.
2.2.3 A hierarquia da lei complementar na função de veículo de
normas gerais – posição do CTN no sistema de fontes
Mencionadas as funções que a lei complementar poderá desempenhar
para os fins de introduzir normas gerais no sistema tributário vigente,
passamos a cuidar da posição hierárquica que essas normas devem ocupar na
escala normativa. E como já salientamos, a relação hierárquica que
eventualmente possa existir entre lei complementar e as leis ordinárias, ou
mesmo outras leis complementares, dependerá, tão-só, da função que ela
exerça no sistema, i.e., das competências. E assim, caso a função seja
constitutiva de algum fundamento de validade, formal ou material, a lei
complementar sempre terá prevalência sobre qualquer outra lei.
Como dito acima, às normas gerais aplica-se também o primado da
reserva de lei complementar, e pelas funções pertinentes à “Constituição
Nacional”, impõe-se a necessária preeminência dessas leis complementares
em relação às demais leis, mesmo que complementares, quando tenham por
objeto o exercício de competência para instituição de tributos. Por conseguinte,
prevalecerão, sempre, sobre a legislação federal, estadual distrital ou
municipal, na medida que estas legislações passam a ter que admiti-las (as leis
complementares que veiculam normas gerais) como fundamento de validade
material.
Corolário dessa conclusão, somente lei complementar, na função de
“norma geral”, poderá revogar uma outra “norma geral”. Não basta ser lei
complementar, portanto. É preciso que esteja dirigida para o fim de modificar a
norma com essa função no ordenamento. Como exemplo, mesmo que o
imposto sobre grandes fortunas seja instituído, o que é reserva de lei
complementar, caso esta traga prazos próprios de decadência e prescrição,
diversos, portanto, do quanto se encontra no CTN, será inconstitucional nesse
particular.
Evidente, pois, que não estando a razão de hierarquia na vigência ou na
eficácia da norma, a única posição questionável será aquela do plano da
validade. Por isso mesmo, tomando em conta a natural submissão do Código
aos preceitos constitucionais, independentemente de se tratar de uma lei
ordinária14, a Lei nº 5.172/66, enquanto “lei nacional15” que é, naquilo que for
13 Nesse sentido, também: BECHO, Renato Lopes. Tributação das cooperativas. SP:
Dialética, 1998, cap. 9;
14 BORGES (1975, p. 54 e ss.); AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, SP:
Saraiva, 1997, p. 163;
15 No dizer de Geraldo Ataliba, “Basta deixar afirmado que o Código Tributário Nacional
é uma lei nacional e não uma expressão do Poder Legislativo da União, enquanto ordem
jurídica parcial – central, mas sim expressão da ordem jurídica nacional – global. Portanto, é
uma lei que não cria tributos, que não está comprometida com os poderes da União, é uma lei
que não cria tributos, que não está comprometida com os interesses da União, é uma lei de
14
fundamento de validade material para a construção da legislação do “sistema
tributário nacional”, terá preeminência sobre todas as demais leis, ordinárias ou
complementares, não importa, elaboradas por qualquer uma das pessoas
políticas.
Não há relevância para a discussão sobre ser o CTN uma lei ordinária, e
não complementar, como exigido por esse artigo, na medida que o art. 34, § 5º,
dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, lhe garantiu força de
recepção, alçando-a ao patamar funcional de sobrenorma, em matéria de
legislação tributária, somente podendo ser revogada, a partir de então, por lei
complementar, nos moldes do art. 146, quando instituída exclusivamente para
essa função. É dizer, a partir da Constituição Federal de 1988, qualquer
dispositivo do CTN somente poderá ser modificado por lei complementar
dirigida especialmente para esse fim, pelo princípio da reserva de lei
complementar referida no art. 146.
E repare-se bem: a Constituição Federal não fala mais em normas
gerais de “direito tributário”, como constava da constituição anterior, mas
normas gerais “em matéria de legislação tributária”. A razão disso é que as
normas gerais “de direito tributário” (como um todo), cujo subsistema marca as
competências e define os princípios aplicáveis, são de natureza
exclusivamente constitucional – são as normas que instituem o sistema
tributário nacional, portanto; ficando as regras sobre a delimitação das regrasmatrizes
de incidência dos tributos, faculdades da administração,
procedimentos de lançamento, de constituição, suspensão e extinção do
crédito, decadência, prescrição etc, qualificadas como “normas gerais em
matéria de legislação tributária”.
Feitas essas considerações sobre as funções da lei complementar e a
posição formal do CTN no direito interno, mister discorrer agora sobre o papel
dos códigos, a respeito da segurança jurídica e outros princípios decorrentes,
por ser este também o papel das normas gerais.
3. CODIFICAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO COMO PARADIGMA
SISTÊMICO PARA O CONTEÚDO DAS NORMAS GERAIS
Como é de entendimento universal, o processo de codificação consiste
numa tentativa de ordenar, mediante uma sistematização racional, a unidade
essencial de um determinado ramo do direito. Por isso, o mundo dos códigos é o
mundo da busca pela segurança, traduzida numa seqüência de capítulos e
artigos e consolidando os valores mais relevantes que a sociedade quer ver
preservados sobre uma dada matéria. Tudo sob a égide do espírito
constitucional que deve reger todo o sistema.
A codificação envolve vários princípios importantes os quais, em grande
parte, correspondem ao processo de positivação de diversos princípios e
interesse nacional, acima das esferas parciais federal, estadual e municipal”. SOUSA, Rubens
Gomes; ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao Código Tributário
Nacional (parte geral), 2ª ed., SP: RT, 1984, p. 78;
15
regras constitucionais, prestando-se à tarefa de garantir um razoável teor de
estabilidade e segurança às relações jurídicas e atos de criação de normas no
sistema.
Em matéria tributária, esta garantia dada aos valores dominantes
significa estabilidade para o cálculo sobre o futuro, por meio de uma absoluta
previsibilidade de condutas devidas pelos detentores de competência
legislativa, na elaboração da legislação tributária, bem como pelas autoridades
administrativas e particulares nos atos de aplicação do direito tributário.
Bem sabemos que a experiência jurídica dos diversos países não é
uniforme e que precisamos sempre ter bem claras tais diferenças. A começar
pela análise constitucional de cada um deles. E nesse particular, tanto vamos
encontrar países cuja forma de estado é unitária, o que é a maioria dos casos,
como países organizados sob a forma de uma federação. Essas são
peculiaridades que influenciam por demais a necessidade e o papel de um
código tributário, predisposto para conferir maior certeza do direito, pela
redução das divergências de tratamento. E aqui surge o primeiro fundamento
para a sua necessária posição de superioridade hierárquica no sistema em
relação às demais leis, na medida que serve como fundamento de validade
material destas.
Como a maioria dos países não dispõe de uma constituição analítica em
matéria tributária, antes, trazem pouquíssimas disposições a respeito,
normalmente os princípios consagrados de maior realce, como princípio da
reserva de lei em matéria tributária, isonomia, capacidade contributiva, nãoconfisco,
apenas para citar os mais freqüentes, resta para o Código a suma
tarefa de ordenar os princípios basilares do sistema, dispor o estatuto dos
contribuintes, instituir tanto os limites do Legislador, nos atos de criação de leis,
quanto os da Administração, no que tange às formalizações de obrigações
tributárias, fiscalizações e cobranças de créditos, bem como todos os demais
procedimentos formais16.
Por essa razão, dizia Valdés Costa: “a enumeração dos princípios
fundamentais de direito que devem ser recolhidos nos Códigos Tributários não
é certamente rígida, nem unanimemente compartilhada. A meu ver, em razão
de sua universalidade e importância, sob o aspecto jurídico, podem resumir-se
em quatro princípios: igualdade das partes, legalidade, jurisdicionalidade ou
tutela jurisdicional e igualdade dos contribuintes, em face dos encargos
públicos. Esta enumeração não pretende ser taxativa, uma vez que existem
outros princípios de grande importância, como o do devido processo e o da
culpabilidade em matéria punitiva e o da capacidade contributiva, recolhido em
16 “Todo proceso codificador, y consiguientemente también el tributario, se caracteriza
por dos notas: primero, reduce a unidad lo que estaba disperso; y segundo, como derivación
lógica de lo anterior, proporciona seguridad a sus destinatarios”. GANZÁLEZ GARCÍA,
Eusebio. Los principios generales de la imposición y la codificación tributaria. Anais das XX
Jornadas do ILADT. Salvador: ABDF, 2000, dez., p. 1644;
16
tantas constituições”17.
Para o Direito Tributário, o princípio da centralidade18 reserva-se à
Constituição, que dispõe as regras gerais de direito tributário, instituindo o
sistema tributário da respectiva nação e preservando o respeito àqueles direitos
fundamentais referidos19. Mas numa expansão concêntrica, o fenômeno da
codificação deve concretizar-se como uma continuação sistêmica da
Constituição, respeitando todo o conteúdo desta e condensando os preceitos que
consistam em critérios de validade material e formal para a criação das demais
normas do sistema total20. Mormente quando se trata de sistemas dotados de
uma Constituição analítica em matéria tributária, como é o caso do Brasil.
Destarte, sob a égide constitucional, um código em matéria tributária deve
ter como objetivo a sistematização de todo o esquema dos procedimentos de
tributação21, a coordenação dos distintos tributos e a regulação dos direitos dos
contribuintes22 no campo dos procedimentos, como uma parte geral da
17 VALDÉS COSTA, Ramón. A codificação tributária na América Latina. In: MACHADO,
Brandão (Coord.) Direito Tributário – estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira.
SP: Saraiva, 1984, p. 251;
18 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da codificação – crônica de um conceito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 148;
19 O melhor estudo comparado sobre os princípios constitucionais de direito tributário
encontra-se em: UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. (trad.
por Marco Aurélio Greco) 2ª ed., SP: Malheiros, 1999, 145 p.;
20 Com esta finalidade, estatui critérios materiais de aplicação do direito, na criação
positiva de normas gerais e concretas ou gerais e abstratas (legislação tributária), pelo
legislador, ou individuais e concretas, pelos agentes administrativos (lançamentos tributários,
autos de imposição de multas etc);
21 Sobre as vantagens oferecidas pela codificação para o direito tributário, e em
especial ao mecanismo de lançamento tributário (norma individual e concreta), disse Vanoni:
“a) dal punto de vista formale, si attua un ordinamento armonico dell’amministrazione, cui
consegne la possibilità di utilizzare rispetto a più tributi la stessa attività amministrativa e di
ridurre al minimo i doveri ausiliari del singolo (...); b) dal punto de vista sostanziale, si eliminano
le contraddizioni e le descontinuità tra i vari instituti d’imposta, riducendo le divergenze e quelle
realmente imposte dalla realtà delle cose; c) la futura legislazione fiscale resta notevolmente
semplificata. La parte generale tende a porsi come ordinamento formale del rapporto tributario
non facilmente modificabile. Il legislatore, in occasione della introduzione di nuove imposte o
della variazione delle esistenti, non è più chiamato ad occuparsi dello svolgimento del rapporto
d’imposta, ma unicamente delles caratteristiche sostanziali del nuovo tributo. Per lo svolgimento
formale servono gli schemi predisposti nella parte generale; d) la giusrisprudenza trova quel
sostegno e quella guida logica che la molteplicità dei testi legislativi regolanti situazioni
analoghe rispetto a tributi diversi lascia spesso desiderare (...). e) la scienza del diritto tributario
viene indirizzata più decisamente a lasciare le sterili vie del commento delle singole leggi, per
volgersi alla elaborazione dogmatica degli istituti giuridici di imposta”. VANONI, Enzo. Il
problema della codificazione tributaria. Rivista di Diritto Finanziario e scienza delle finanze,
Milano: Giuffrè, 1938, I, p. 448; Mas tudo isso pode ser resumido em três aspectos básicos,
como menciona Sainz de Bujanda: “Una reforma que se proponga obtener un
perfeccionamiento del ordenamiento fiscal vigente tiene que actuar en una triple dirección: 1º
Sistematización formal de los instrumentos de imposición; 2º Coordinación de los distintos
impuestos, y 3º Refundición de las normas que reglamentan cada tributo”. SAINZ DE
BUJANDA, Fernanda. Hacienda y derecho. Madrid: IEP, 1975, p. 57;
22 “Contrariamente a la creencia popular predominante en nuestro medio, el Código
Tributario no es el Código de la Administración Tributaria, es más bien la norma que regula las
17
legislação tributária, pressupondo o mecanismo de funcionamento do direito
tributário, sua linguagem, seus conceitos e sua terminologia.
A especialidade da matéria tributária exige essa expansão às normas
gerais, como uma pauta para delimitar o espaço da própria juridicização, i.e., a
escolha política de condutas para que, mediante leis, possam fazer parte do
catálogo de condutas reguladas pelo direito, mediante a lógica da definição de
hipóteses de incidência e atribuição de efeitos típicos, por imputação deôntica.
Com isso, o legislador fica ainda mais coarctado na sua atividade de produtor
de regras inovadoras do ordenamento jurídico, pois além de dever obediência à
Constituição, às “normas gerais de direito tributário”, passa a dever, na
elaboração de leis, também, respeito às regras contidas no Código, às “normas
gerais em matéria de legislação tributária” 23.
Essa idéia de centralidade, por expansão concêntrica em relação à
Constituição, geradora de segurança24 para os partícipes da relação jurídica
tributária, aliada a uma pretensão de regular, por meio de cláusulas gerais, um
repertório de figuras e disciplinas típicas, com o fim de garantir à Fazenda
Pública maior certeza, celeridade e eficiência na percepção dos créditos
tributários; e aos particulares, os meios necessários para que estes possam
fazer valer os seus direitos, baliza a natureza dos códigos e de qual deve ser o
modo de compreensão da sua ação em relação às demais leis e atos
tributários em geral.
relaciones entre los sujetos que rodean el fenómeno tributario y sus consecuencias económicas
y jurídicas, a los cuales denominamos como operadores del Sistema Tributario”. BRAVO
CUCCI, Jorge Antonio; BRAVO SHEEN, David Enrique. Analisis y propuestas de cambio al
codigo tributario peruano: su adecuacion a las tendencias que inspiran el fin de siglo. Lima:
inédito, p. 1;
23 Como bem salienta o Prof. Ferreiro Lapatza: “(...) el Código ha de contener también,
de acuerdo con la experiencia común a nuestros países, la normativa general o básica de
todas las relaciones directamente derivadas del tributo y la normativa general o básica del
procedimiento para hacer efectivos los derechos y obligaciones que dan contenido a estas
relaciones, con la definición de los conceptos propios del Derecho Tributario indispensables
para toda esta regulación pues, de acuerdo asimismo con nuestra experiencia, uno de sus
fines primarios es introducir certeza, precisión y claridad en la terminología a emplear en las
Leyes, que regulan los distintos tributos”. FERREIRO LAPATZA, José Juan. La codificación en
América Latina – Análisis comparativo de los modelos OEA/BID (1967) y CIAT (1997) –
Relatorio Generale. Anais das XX Jornadas do ILADT. Salvador: ABDF, 2000, dez., p. 1182;
Nessa mesma linha, afirma também o Prof. Eusebio González: “(...) la codificación suele
proceder a una regulación de los conceptos tributarios fundamentales de los distintos
impuestos, esto es, de aquellos conceptos que inexcusablemente han de repertirse en cada
figura tributaria concreta (hecho imponible, sujeto pasivo, base imponible, liquidación, tipo
impositivo y cuota, fundamentalmente), por ello se dice que la codificación en cuestión opera en
el area de los principios”. GANZÁLEZ GARCÍA, Eusebio. Los principios generales de la
imposición y la codificación tributaria. Anais das XX Jornadas do ILADT. Salvador: ABDF,
2000, dez., p. 1647;
24 “La sicurezza non riguarda il raggiungimento del fine (legato sempre alle incognite
del mercato ed al mutevole mondo della produzione), ma le ‘regole del gioco’, ossia le
condizioni per le quali ciascuno può contare su un dato contegno altrui o attendere un certo uso
del potere coercitivo dello Stato. Il diritto fissa appunto le regole del giuoco: regole generali ed
astratte, che saranno utilizzate da persone ignote, per scopi ed in circonstanze particolari che
non conosciamo né siamo in grado di conoscere”. IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. 3ª
ed., Milano: Giuffrè, 1989, p. 5;
18
Todavia, trabalharíamos fora da realidade se não tomássemos em conta
a crescente “erosão” da importância dos códigos modernos, sob os mais
diversos ângulos25. A codificação, que foi sempre considerada como um dos
processos mais acabados do iluminismo e da cultura ocidental moderna, e cujo
produto, os códigos, sempre funcionou como paradigma sistêmico da
legislação e da aplicação normativa, entrou em crise com a tendência
microssistêmica do direito, de leis especiais que passaram a regular
amplamente toda uma específica matéria, de tal sorte que o monossistema
teria sido superado pelo plurissistema, por uma espécie de êxodo normativo
daquele para este. É o que certos autores chamam de “descodificação”, fruto
da crise dos valores da sociedade moderna.
Mas se isso se verificou em alguns ramos jurídicos, o do direito civil por
exemplo, nos limites do direito tributário não alcançou maior importância,
exatamente porque a “crise legislativa”, nos angustos limites dessa seara,
possui distinta significação26, na medida que a inflação legislativa, acumulando
leis e mais leis sobre a matéria, razão da “descodificação” em outras,
apresenta-se exatamente como motivo para o enaltecimento da importância e
necessidade de codificação27, como elemento de estabilização e segurança
nas relações tributárias.
3.1 Codificação e segurança jurídica: a função certeza dos códigos
A virtude da codificação é servir aos princípios de segurança e certeza
do direito, em face da sua forma de comparecimento na teoria das fontes do
25 Cfr.: RAMOS NÚÑEZ, Carlos. Codificación, tecnologia y postmodernidad – la muerte
de un paradigma. Lima: PUC - Peru, 2000, p. 23 e ss.; Também: RAMOS NÚÑEZ, Carlos. El
Código napoleónico y su recepción en América Latina. Lima: PUC - Peru, 1997, p. 44 e ss.;
26 Tomando em conta a inquestionável importância dos códigos, mesmo em épocas de
descodificação, diz Ramos Núñez: “Si la centralidad y el protagonismo de los códigos han
cedido ante la acelerada producción normativa de carácter especial, éste parece ser un dato
más bien registrado por el jurista con sensibilidad sociológica, antes que por los finos cultores
de la dogmática y su numeroso séquito de abogados, jueces y estudiantes. A la vez que se
habla de la crisis de los códigos, se publican colecciones completas y se organizan congresos,
seminarios, simposiums y cértamenes de todo tipo, destinados a exaltar hasta el delirio las
bondades técnicas de un Código dado o para poner en tela de juicio sus imperfecciones.
Contra lo que pudiera pensarse, en una era de apogeo de los microsistemas y de predominio
de la tecnología, las ediciones se agotan y los auditorios se repletan, lo que, por añadidura, no
podrá hacer nunca culquiera de las ramas que se independizaron de los códigos o que se
formaron al margen de éstos”. RAMOS NÚÑEZ, Carlos. Codificación, tecnologia y
postmodernidad – la muerte de un paradigma. Lima: ARA, 1996, p. 72;
27 Na Itália, país que não dispõe de um Código Tributário, nada obstante a aspiração de
vários autores, numa exigência que se vai reforçando a cada dia. Tratando dos problemas
dessa incompreensível ausência, diz Corrado Magnani: “L’accennato quadro normativo dá
luogo a gravi incovenienti facilmente identificabili: 1) nell’esistenza di regole differenti
oggettivamente ingiustificate con conseguenti problemi di legittimità costituzionale per
violazione del principio di uguaglianza; 2) nelle lacune riscontrabili nella disciplina
dell’accertamento di molti tributi, con conseguenti problemi di integrazione di essa mediante il
ricorso a ‘principi’ di controversa individuazione; 3) nell’inesistenza, comunque, di normeprincipio
senza le quali la soluzione di molte questioni di ordine applicativo presenta, come
attestato dalla giurisprudenza, oggettivi margini di incertezza”. MAGNANI, Corrado.
Accertamento tributario e codificazione. In: UCKMAR, Victor (Coord.). L’evoluzione
dell’ordinamento tributario italiano. Padova: CEDAM, 2000, p. 554;
19
direito em posição intercalar entre a Constituição e a legislação, como meio de
gerar maior estabilidade no câmbio de expectativas normativas.
A segurança jurídica visa a conferir previsibilidade na regular positivação
do direito, o que somente será atendido se houver certeza do direito28, i.e., a
exata determinação do conteúdo jurídico aplicável, e manutenção da
igualdade29 de tratamento por parte das autoridades competentes, nos
respectivos atos de aplicação do direito. Temos, assim, a segurança como
resultante de duas variáveis axiológicas que se complementam, a certeza e a
igualdade30.
Interessa-nos aqui, a função certeza da segurança jurídica, entendendose
por “certeza” a determinação permanente dos efeitos que o ordenamento
jurídico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão saiba ou
possa saber, de antemão, a conseqüência jurídica de suas próprias ações. E
essa função é atendida pelos códigos, porquanto a tipificação (regulação
normativa de ação-tipo)31, tarefa que lhe é própria, constitui-se numa garantia
dessa certeza, ao pretender oferecer a indicação explícita dos tipos e demais
elementos compositivos da regra-matriz de incidência, o que acaba por reforçar
o alcance e conteúdo dos dispositivos constitucionais, pelo processo de
28 Eusebio Gozález, ao tratar desse princípio, menciona como manifestação típica
deste: “en primer lugar, la estabilidad del Derecho, en segundo término, el suficiente desarrollo
normativo dentro de la jerarquía de las fuentes, finalmente, la certidumbre sobre los remedios
jurídicos a disposición del contribuyente, caso de incumplirse las previsiones del
ordenamiento”. GONZÁLEZ GARCÍA, Eusebio. Relaciones entre los principios de seguridad
jurídica y legalidad. In: IBET. Justiça Tributária. SP: Max Limonad, 1998, p. 151;
29 “A desigualdade decorre também da injustiça sistêmica. A igualdade estará
comprometida se o sistema tributário não for justo em sua totalidade, com equilíbrio entre
impostos diretos e indiretos e entre princípios e valores”. TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos
humanos e a tributação – imunidades e isonomia. RJ: Renovar, 1995, p. 269; Cfr. ATALIBA,
Geraldo. República e Constituição. SP: RT., 1985, p. 142; HERRERA MOLINA, Pedro M.
Capacidad económica y sistema fiscal. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 84-87; NABAIS, José
Casalta. O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra: Almedina, 1998, p. 394-421;
também, o importante estudo: OSVALDO CASÁS, José. Seguridad jurídica, legalidad y
legitimidad en la imposición tributaria. In: IBET. Justiça Tributária. SP: Max Limonad, 1998, p.
329-413;
30 Para maiores considerações, Cfr.: FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Segurança Jurídica
- Normas Gerais Tributárias, Revista de Direito Tributário. SP: RT, 1981, no 17/18, p. 42;
31 Como ensina Paulo de Barros Carvalho, ao tratar do princípio da tipologia tributária,
enquanto princípio constitucional tributário: “No direito positivo brasileiro, o tipo tributário é
definido pela integração lógico-semântica de dois fatores: hipótese de incidência e base de
cálculo. Ao binômio, o legislador constitucional outorgou a propriedade de diferençar as
espécies tributárias entre si, sendo também operativo dentro das próprias subespécies”.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10ª Ed. SP: Saraiva, 1998, p. 116.
Por isso, ao tratar do princípio da estrita legalidade, acrescenta: “O veículo introdutor da regra
tributária no ordenamento há de ser sempre a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita
legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no
seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação
obrigacional. Este plus caracteriza a tipicidade tributária” (1998, p. 114); Para uma apreciação
da aplicação dos “conceitos classificatórios”, ao invés da noção de “tipo”, no direito tributário,
cfr.: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. SP: RT, 1988,
302 p.;
20
positivação32.
Isso não quer dizer que os códigos tenham apenas um papel de
reiteração de matéria já previamente fixada pela Constituição. Atendendo à
função certeza, os códigos devem ampliar seus desdobramentos na regulação
do funcionamento do sistema tributário para permitir efetividade às regras
constitucionais, sem que isso signifique restringir direitos dos contribuintes,
limitando o que a Lei Maior ofertou sem limitações, ou ampliação de
competências estatais. Por isso, situar nos códigos matéria típica de direito
constitucional tem efeito meramente repetitivo do quanto já foi ali assentado.
Contudo, voltamos a enfatizar. O que acima se expôs não se dá em
todos os sistemas, principalmente quando a Constituição de um país não
contempla uma gama muito ampla de preceitos típicos de direito tributário,
quando então o código cumpre um papel fundamental no ordenamento: o de
veicular as “normas gerais de direito tributário”, os princípios e primados de
maior dimensão, além daquelas que já lhes são próprias, as “normas gerais em
matéria de legislação tributária”.
Vale lembrar que estamos trabalhando com o conceito mais amplo
possível de codificação, numa visão de direito comparado, envolvendo a
análise de constituições de países unitários e países com regimes federativos;
de constituições com ampla regulação do respectivo sistema tributário e de
constituições desprovidas de regras sobre essa matéria.
3.2 O equívoco da “descodificação” no direito tributário
Como foi dito acima, o protagonismo dos códigos continua a ser
questionado como modelo legislativo neste momento de produção acelerada
de legislações e constitucionalização de várias matérias, numa tentativa de
acompanhar a evolução do homem e dos seus valores, presentes numa dada
coletividade. Essa é uma das causas principais da chamada “descodificação”,
com grandes repercussões para a interpretação e aplicação do direito positivo.
Mas esse não é um fenômeno universal, em face do mundo jurídico, pois não
se trata de um fenômeno que se encontra instalado em todas as áreas do
direito como querem ou pensam alguns.
É certo que em países cuja Constituição estabelece o poder de tributar
ou a distribuição de competência tributária, identifica as espécies de tributos e
predispõe os princípios e limites à atividade tributária do Estado, fixando o
campo de possibilidades destas, como ocorre no Brasil, nesse caso, o código,
32 Como assinala C. García Novoa: “A la pretensión de definitividad de la norma hay
que unir la pretensión de estabilidad de la misma, expresión formal de la confianza del
ciudadano en el Derecho, lo que debe servir para reprobar los cambios normativos excesivos e
injustificados. Y finalmente, la plenitud de la norma. La regulación normativa ha de expresarse
de tal manera que la definición de los supuestos de hecho comprenda un ámbito de la realidad
normada lo más amplio posible, de forma que se aminoren las lagunas” GARCÍA NOVOA, C. El
principio de seguridad jurídica en materia tributaria, Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 77. Parece
difícil para um sistema conseguir alcançar estes objetivos desprovido de um Código Tributário
estável e bem estruturado.
21
perde em importância, pela inexorável submissão deste à Constituição33,
dando-se, em certa medida, uma espécie de “esvaziamento” do Código, e por
conseguinte numa “descodificação” por “avocação” de matéria, mesmo se não
chegue ao alcance de desfigurá-lo e torná-lo desprovido de importância. Eis o
que poderíamos chamar de descodificação ascendente.
Além dessa forma de descodificação ascendente, do código para a
Constituição, temos a descodificação descendente: pela formação de
microssistemas de normas, no chamado “processo de expansão legislativa”,
cujos particularismos, aparentemente, superam as disposições do Código34.
Todavia, a codificação ter por reduzida sua importância não quer dizer
ter por eliminadas suas sobranceiras funções no sistema. E por isso mesmo tal
“descodificação” só ocorre de modo aparente, pois ambos, Constituição e
Código, ocupam-se de conteúdos diversos: aquela, das “normas gerais de
direito tributário”, definindo o poder de tributar e seus limites, bem como os
princípios gerais, e o código, das “normas gerais em matéria de legislação
tributária”, dispondo sobre as regras exigidas pela constituição para explicitar
as matérias tributáveis e gerar redução de divergências na configuração dos
mecanismos formais de exigibilidade dos tributos.
A constitucionalização da matéria tributária gera uma conseqüente
descodificação, mas só aparente, como foi dito. A construção dos elementos
compositivos da obrigação tributária, a caracterização do fato jurídico tributário,
a qualificação dos deveres formais, a demarcação dos contornos da sujeição
passiva, dos atos de lançamento e exigência do crédito, de suspensão e
extinção do crédito tributário, dos prazos de decadência e prescrição, da
Administração e da Fiscalização de tributos, além de outros preceitos
necessários para dar ensejo ao processo de positivação das regras
constitucionais, não encontram outro universo senão o do código tributário,
como o melhor lugar para constar e informar todo o conteúdo das leis dos
diversos tributos, como complemento dos dispositivos constitucionais e, desse
modo, fazendo-se um círculo concêntrico, a partir daquele núcleo
constitucional, que confere sistematização à matéria35, na construção do
33 “(...) es cierto que una ley ordinaria como la Ley General Tributaria no tiene como
función exclusiva o típica la de regular derechos y garantías fundamentales sino la de regular
los mecanismos jurídicos de aplicación de los tributos procurando, eso sí, que dicha regulación
sea respetuosa con los derechos y garantías constitucionales de los ciudadanos”. SOLER
ROCH, María Teresa. Reflexiones sobre la descodificación tributaria en España. Revista
Española de Derecho Financiero. 1998/97, p. 11;
34 Há países, como a Espanha, onde se observa uma tendência - aparentemente
transitória (espera-se) - à descodificação, por atos legislativos que regulam, de forma
separada, aspectos fundamentais da relação tributária. É o caso da “Ley de Derechos y
Garantías de los Contribuyentes”, nº 1, de 26 de fevereiro de 1998, cuja exposição de motivos
declara expressamente: “la regulación en un texto legal único dotará a los derechos y
garantías en él recogidos de mayor fuerza y eficacia y permitirá la generalización de su
aplicación al conjunto de las Administraciones tributarias, sin perjuicio de su posible integración
en un momento ulterior en la Ley General Tributaria en cuanto constituye el eje vertebrador del
ordenamiento tributario”.
35 “De norte a sul, seja o tributo federal, estadual ou municipal, o fato gerador, a
obrigação tributária, seus elementos, as técnicas de lançamento, a prescrição, a decadência, a
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sistema tributário nacional.
Somente o Código, na qualidade de “norma geral”, pode ampliar a
estabilidade sistêmica desejada pela Constituição, devendo as demais leis
serem a ele também subordinadas, por necessária compatibilidade vertical de
conteúdo. Por essa razão, dizemos que só aparentemente tal hipótese de
descodificação pode ser alegada, porque as “normas gerais em matéria de
legislação tributária”, é que vão informar os valores que devem ser
obedecidos36, como garantia de segurança jurídica para os contribuintes,
ficando para as regras codificadas o papel ordenador dos procedimentos
formais de constituição, fiscalização, arrecadação e extinção do crédito
tributário, as quais deverão ser atendidas pela por qualquer outro subssistema
que se crie.
Como disse Aliomar Baleeiro: “Os fatos – para lembrar livro que faz
época – passam adiante dos Códigos. Mas os Códigos, mesmo condenados à
mutilação ou à ancilose do tempo, põem ordem, estimulam a elaboração do
estudo científico do Direito e facilitam a tarefa dos aplicadores e o
conhecimento das regras pelo povo, mormente em assunto impregnado de
tecnicismo como é o tributo moderno”37.
Enquanto em outros ramos é atual o discurso que discute a existência
de uma “descodificação”, como é o caso do Direito Civil; no Direito Tributário,
contrariamente, a codificação é um reclamo de segurança e certeza jurídica,
cujo aperfeiçoamento representa a melhoria de todo o sistema tributário vigente
em um dado país, ao permitir a construção de uma legislação harmônica,
dotada de regras claras e submetidas a critérios formais comuns38.
anistia, as isenções etc. obedecem a uma mesma disciplina normativa, em termos conceituais,
evitando o caos e a desarmonia. Sobre os prolegômenos doutrinários do federalismo
postulatório da autonomia das pessoas políticas prevaleceu a praticidade do Direito, condição
indeclinável de sua aplicabilidade à vida. A preeminência da norma geral de Direito Tributário é
pressuposto de possibilidade do Código Tributário Nacional (veiculado por lei complementar)”.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2ª ed., RJ: Forense,
1999, 801 p.;
36 “Na verdade, não é mais possível trabalhar com um conceito oitocentista de código.
(...) Alterado substancialmente esse quadro, isto não significa que deva ser rejeitado o conceito
de código, pois ele favorece a preservação dos valores essenciais do ordenamento jurídico. Até
porque o código não é apenas mais uma lei, mas um valor cultural do ordenamento jurídico. A
luta por sua manutenção constitui uma manifesta aplicação do princípio da continuidade. (...)
Acrescente-se que a preservação do código favorece a obtenção de uma maior certeza do
direito”. ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da codificação – crônica de um conceito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 157;
37 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. RJ: Forense, 11ª ed., 1999, p. 19;
38 “O interesse da unidade nacional, a segurança e a comodidade dos contribuintes, a
eficiência da Administração clamam por essa codificação.” BALEEIRO, Aliomar. Direito
Tributário brasileiro. RJ: Forense, 11ª ed., 1999, p. 14 (este é o mais completo trabalho sobre
codificação do direito tributário brasileiro, às páginas 11-46); Como diz Ferreiro Lapatza: “Los
cambios muy frecuentes de la normativa y las normas demasiado minuciosas contribuyen a la
opacidad del Derecho y dificultan su aplicación. Atentan contra la claridad de la norma, privan
la certeza el ordenamineto y significan, por tanto, un ataque directo al principio de seguridad.
Principio que postula normas claras y sencillas y, en el medida de lo posible, estables, de tal
forma que los ciudadanos puedan, sin grandes esfuerzos, medir las consecuencias fiscales de
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Por tal razão, é que na atualidade já se faz sentir um fenômeno inverso,
de recodificação, ou seja, de “devolução” de matérias aos códigos, dantes
subtraídas por legislação especial (pela “descodificação descendente”), com
natureza de princípios ou paradigmas imprescindíveis para a construção,
interpretação ou aplicação das demais normas do sistema. Como assinala
Ramos Núñez: “La recodificación no es un dato aislado que corresponda a la
experiencia política de un sólo país. En realidad, se trata de una tendencia que
se registra en todos los países de tradicion romanista”39.
No enfrentamento dos problemas relacionados com a suposta
“descodificação”, vemos que uma das hipóteses desta situação decorre da
relação entre a Constituição e o Código Tributário (descodificação ascendente),
que se não nos legitima a falar numa espécie de perda de conteúdo, ao menos
nos confere condições para dizer sobre uma perda de importância quando essa
Constituição, expressamente, não disponha sobre qual a posição hierárquica a
ser ocupada pelo Código no ordenamento jurídico. A ausência de um
dispositivo como esse enfraquece o Código, ao mesmo tempo que instaura um
clima de desconfiança sobre o efetivo alcance e a eficácia das normas nele
contidas. É o caso do Brasil, nada obstante o art. 146, da Constituição Federal,
cuja interpretação não tem recebido um sentido uniforme por parte da doutrina.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando tudo quanto foi dito acima, no atual quadro de exigências
de aperfeiçoamento da legislação tributária, particularmente do CTN,
precisamos isolar com clareza suas funções constitucionais no sistema jurídico
vigente.
A Constituição Federal (art. 146, III) exige que o sistema de legislações
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) submeta-se às chamadas
“normas gerais de direito tributário”, como forma de: regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar, aplicando-se estritamente àquelas que
exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II; 150, VI, “c”; 195, § 7º, 156,
§ 3º CF); ii) evitar eventuais conflitos de competência entre as pessoas
tributantes, quando deverá dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes dos impostos já identificados na Constituição (art. 146, I e III, “a”;
155, § 2º, XII, CF); iii) definir os tributos e suas espécies (art. 146, III, “a”, CF);
iv) harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos,
tratando de obrigação, lançamento e crédito - art. 146, III, “b”, CF; e v)
uniformizar os prazos de decadência e prescrição - art. 146, III, “b”, CF.
Para criar tais normas gerais, o Congresso Nacional, na qualidade de
legislador nacional, deve usar de leis complementares, que são figuras do
ordenamento que se diferenciam dos demais atos legislativos por encontrarem
no sistema constitucional o respectivo campo material predefinido
sus actuaciones”. FERREIRO LAPATZA, José Juan. Ensayos sobre metodología y técnica
jurídica en el derecho financiero y tributario. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 29;
39 RAMOS NÚÑEZ (1996, p. 76);
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(competência), sob a forma de matérias sujeitas ao princípio de reserva de lei
complementar (pressuposto material), e aprovadas por maioria absoluta
(pressuposto formal, art. 69, CF).
Desse modo, apreciando as hipóteses de cabimento de lei
complementar em matéria tributária, temos que, no ordenamento constitucional
vigente, são matérias de reserva de lei complementar, em duas das funções
legislativas do Congresso Nacional:
3) O exercício de competência da União (lei complementar federal), a
qual se subdivide em:
i) exercício de competências privativas específicas: arts. 148; 153, VII,
CF; e
ii) exercício de competência residual – arts. 154, I; 195, § 6º, CF;
4) A criação das normas gerais em matéria de legislação tributária (lei
complementar nacional – art. 24, I e 146, CF), as quais se encontram
expressas nas seguintes possibilidades:
vii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar,
restritamente àquelas que exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II;
150, VI, “c”; 195, § 7º, 156, § 3º CF);
viii) evitar eventuais conflitos de competência entre as pessoas
tributantes, quando deverá dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes dos impostos já identificados na Constituição (art. 146, I e III, “a”;
156, III; 155, § 2º, XII, CF);
ix) definir os tributos e suas espécies (art. 146, III, “a”, CF);
x) harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos
tributos, tratando de obrigação, lançamento e crédito (redução de divergências)
- art. 146, III, “b”; 155, § 2º, XII, CF;
xi) uniformizar os prazos de decadência e prescrição - art. 146, III, “b”,
CF.
No primeiro caso, o exercício da competência será legítimo se
acompanhado de lei complementar, por ser matéria reservada tipicamente para
essa espécie de lei. Exercida a competência, quer dizer, instituído o tributo, sua
função cessa, ingressando no sistema jurídico nacional no mesmo plano das
leis ordinárias e mantendo-se, assim, em relação de coordenação com estas.
Nesse caso, não há que se falar em qualquer hierarquia entre a lei
complementar e os demais atos legislativos, porquanto sua função exaure-se
com a instituição do tributo, cessando com o próprio exercício de competência.
Por conseguinte, nada impede que lei ordinária posterior modifique ou mesmo
ab-rogue lei complementar com tais funções.
Corolário dessa conclusão, somente lei complementar, na função de
“norma geral”, poderá revogar uma outra “norma geral”. Não basta ser lei
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complementar, portanto. É preciso que esteja dirigida para o fim de modificar a
norma com essa função no ordenamento.
Evidente, pois, que não estando a razão de hierarquia na vigência ou na
eficácia da norma, a única posição questionável será aquela do plano da
validade. Por isso mesmo, tomando em conta a natural submissão do Código
aos preceitos constitucionais, independentemente de se tratar de uma lei
ordinária, a Lei nº 5.172/66, enquanto “lei nacional” que é, naquilo que for
fundamento de validade material para a construção da legislação do “sistema
tributário nacional”, terá preeminência sobre todas as demais leis, ordinárias ou
complementares, não importa, elaboradas por qualquer uma das pessoas
políticas.
Referência Bibliográfica deste Artigo (ABNT: NBR-6023/2000):
TÔRRES, Heleno Taveira. Funções das leis complementares no sistema tributário
nacional – hierarquia de normas - papel do CTN no ordenamento. Revista
Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro,
2002. Disponível na Internet: . Acesso em: xx
de xxxxxxxx de xxxx
(substituir x por dados da data de acesso ao site).
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