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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Não incide ICMS sobre frete de veículo quando transporte não é realizado pela montadora


O frete não integra a base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) devido pela venda do veículo quando o transporte para a concessionária não foi realizado ou contratado pela montadora. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não se pode exigir o tributo pelo regime de substituição tributária quando a substituta (montadora) não tem vinculação com o fato gerador (transporte). O caso teve início porque a fábrica não incluiu o valor referente ao ICMS no preço de venda do veículo à concessionária. Por isso, o Fisco cobrava o pagamento da diferença na entrada do veículo na loja. O juiz considerou procedente o pedido da concessionária, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça local, que também negou a admissão do recurso especial. Diante de recurso da revendedora, o ministro Luiz Fux, relator do caso, admitiu a entrada do processo no STJ, mas votou contra o pedido. Após o voto vista do ministro Teori Zavascki, mudou seu entendimento inicial e deu provimento ao recurso. Para os ministros da Primeira Turma, o frete só compõe a base de cálculo do imposto devido pela montadora na condição de substituta tributária nas hipóteses em que o transporte seja feito por ela ou por sua ordem. Quando o contrato de frete é realizado entre a transportadora e a própria revendedora, não seria o caso de aplicação do artigo 13, parágrafo 1º, II, 'b', da Lei Complementar 87/96.

A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família Rolf Madaleno*



Advogado Familista, Professor de Direito de Família na PUC/RS, Diretor Nacional do IBDFAM, Vice-Presidente do IARGS
SUMÁRIO. 1. Introdução 2. A fraude societária. 3. As sociedades de família. 4. A fraude pela mudança do tipo social. 5. O cônjuge ou convivente como sub-sócio. 6. A dissolução parcial. 7. A apuração de haveres na nova codificação. 8. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
No direito societário brasileiro, há uma gama diversa de sociedades empresárias que podem ser, em parte, classificadas segundo o critério da responsabilidade dos seus membros. De acordo com esse critério existem sociedades de responsabilidade ilimitada, limitada ou mista. Na de responsabilidade ilimitada, o sócio responde inclusive com os seus bens particulares; Na sociedade limitada, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de sua contribuição ou o valor do capital social. Nas sociedades anônimas a responsabilidade limita-se ao preço de emissão das ações adquiridas ou subscritas pelos acionistas.
Portanto, a responsabilidade dos sócios gira em torno dos limites impostos, primeiro pela lei, para cada tipo de sociedade sem descurar-se da responsabilidade surgida da administração societária ressalvados os casos de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica regulamentada pelo art. 50 do Código Civil brasileiro.
A desconsideração da personalidade jurídica é aplicada em situações de uso abusivo da forma societária, a qual serve apenas como instrumento de fraude à lei, para subtrair a empresa ou o sócio da obrigação contratual e causar danos a terceiros.
São inúmeras as formas de fraude pelo abuso societário, as quais englobam até atos pertinentes ao dinâmico movimento do direito familista, sempre intensamente carregado por dissensões subjetivas que mesclam amor e ódio, e, assim, contribuem para o total descontrole das emoções, de modo a levar ao impulso do cônjuge empresário em causar algum dano material ao seu sócio afetivo, que assim acabaria pagando pela ousadia do seu desamor.
Nessa prática fraudatória, que grassava durante muitos anos na seara familista, a ira conjugal solta e sem riscos, era favorecida pelo rigor ético e jurídico conferido pelo art. 20 do Código Civil revogado, a proibir que sob qualquer pretexto, pudesse haver confusão entre o patrimônio da sociedade e os bens particulares dos sócios.
Portanto, não é de hoje a percepção dos conflitos gerados no âmbito do direito societário quando se trata de promover a dissolução das relações afetivas e a correlata partilha dos bens, os quais compõem o seu acervo econômico envolvendo direitos.
2. A FRAUDE SOCIETÁRIA
O tema não é inédito, nem mesmo quando visto sob a ótica da fraude exclusivamente conjugal ou da união estável. O embate não diverge no fundo, da teimosa busca de uma nova visão processual dos conflitos conjugais envolvendo empresas que seja capaz de solucionar o entrave causado, neste caso, especificamente, pela fraude instaurada com a mudança do tipo societário.
Convém ter presente que a fraude entre cônjuges ocorre com freqüência, valendo-se o esposo fraudador da estrutura societária já existente ou de uma empresa especialmente criada para desenvolvê-la e assim subtrair bens do acervo comum para repassá-los à pessoa jurídica.
O tema é bastante recente na literatura jurídica brasileira e encontra como norma padrão o art. 50 do Código Civil. As manobras realizadas através do mau uso da personalidade societária encontram forte eco no Direito de Família, quando se trata de sonegar alimentos e fraudar a meação, considerando que a incorporação de bens a uma sociedade empresária ou mesmo o afastamento do cônjuge sócio do quadro societário da empresa conjugal, equivale à sua alienação para terceiro.
Embora a alteração de contrato societário, possa ser i dealizada apenas para privar a mulher do exercício de seus direitos sobre os bens comunicáveis e possa parecer perfeita quanto ao seu fundo e à sua forma, por atender às condições de sua existência e validade e, obedecer às regras de publicidade, é ineficaz em relação ao cônjuge ou convivente lesado, por ter sido o meio ilícito exatamente usado em detrimento dos legítimos direitos de partição patrimonial do cônjuge.1
Tem trânsito no Direito de Família brasileiro a aplicação episódica do superamento da personalidade jurídica sempre que o sócio cônjuge ou convivente procurar por meio do abuso da sociedade deslocar bens particulares pertencentes à sociedade afetiva, para a sociedade empresária ou de outra modelagem, quando os bens que já compõem o capital social da empresa são desviados ou reduzidos a um valor irrisório, de modo a nada representar no acerto final de composição da partilha. Ao ser detectada a manobra arquitetada para gerar uma fraude no direito à partilha do parceiro ou nos alimentos judicialmente arbitrados, procurar-se-á, por meio da desconsideração da personalidade jurídica, recompor o patrimônio abusiva ou fraudulentamente dilapidado; também não se permiteirá qualquer abalo no crédito alimentar.
Para Arnaldo Rizzardo,2 no âmbito do Direito de Família não haveria propriamente a despersonalização, mas a desconsideração da personalidade para evitar que sejam atingidos os bens postos ao abrigo da sociedade empresarial. Elenca inclusive, várias hipóteses caracterizadoras do desvio de bens, com o propósito de subtrair o patrimônio na partilha, merecendo destaque, entre outras variantes, aqueles expedientes que ensaiam
“a aparente retirada do cônjuge da sociedade comercial; a transferência da participação societária a outro sócio, ou mesmo a estranho, com o retorno depois da separação; a alteração do estatuto social, com a redução das quotas ou patrimônio da sociedade; a transformação de um tipo de sociedade em outro, como de sociedade por quotas para a anônima”.
3. AS SOCIEDADES DE FAMÍLIA
A maioria das companhias fechadas de pequeno ou médio porte são apoiadas em uma estrutura exclusivamente familiar e usualmente não têm as suas ações vendidas em bolsa de valores. Por conta disso e pelas próprias características de sua gestão, sua configuração carrega elementos claramente diferenciados das companhias abertas. Em uma sociedade anônima de capital aberto, é até comum que o seu diretor não tenha nenhuma relação direta para com os proprietários e que não seja membro da família, como acontece nas empresas familiares, que unem os integrantes da direção por seus vínculos consangüíneos.
As sociedades familiares iniciam com a atividade pessoal de um empresário que vai crescendo e ampliando os seus negócios, e na medida de seu desenvolvimento, passa a agregar outros membros de sua família.
Conflitos internos que envolvem separação de seus membros, acionistas e administradores, surgem, de hábito, pelo intenso desafeto familiar, especialmente nos casos de separação ou de dissolução dos vínculos afetivos de seus membros. Essa freqüente causa de tremor endêmico motiva um tratamento diferenciado, sempre que seja detectado o seu uso abusivo, da entidade eminentemente familiar, que, então, movimenta-se apenas a serviço da fraude à meação referente à relação conjugal ou à união estável.
A Lei nº 6.404/76, no seu art. 4º, separa as sociedades abertas daquelas de capital fechado, pela admissão ou não dos seus valores mobiliários à negociação na Comissão de Valores Mobiliários. Assim ocorre porque, sempre que a sociedade anônima de capital aberto necessitar de recursos ou pretender aumentar o seu capital social, poderá buscar a alternativa de obter recursos diretamente com o público investidor por meio da emissão de novas ações no mercado de capitais.
Com o rompimento do vínculo matrimonial, nenhuma dificuldade será encontrada na liquidação da partilha, diante da cotação oficial das ações e de sua singela divisão matemática por dois para, dessa forma, reembolsar o cônjuge co-acionista, em companhias abertas com ações negociadas no Mercado de Valores Mobiliários.
Situação diferente encontra-se na partilha de uma companhia fechada, cujas ações não gozam de oferta pública e tornam praticamente impossível vender um pacote de ações recebidas em pagamento de uma meação na partilha conjugal.
Para o direito de Família, tem relevante importância a diferença entre a companhia aberta em relação à sociedade anônima de capital fechado ou familiar, e portanto, merece atenção e diferente solução.
Por se tratar de uma empresa de capital fechado, com um reduzido número de sócios, suas peculiares características também dificultam e até impedem o ingresso de outros sócios. Tal configuração também pode engessar a retirada do sócio e, com maior motivação, dificultar a desvinculação do acionista cônjuge. Quando isso acontecer no âmbito do Direito de Família, deve ser relativizada a proibição da venda de ações da companhia fechada familiar, pois, certamente, será a única solução para libertar o cônjuge que fica prisioneiro dessa sociedade de exclusiva formatação familiar.
O tema ainda é bastante controvertido, sua versão processual mais corriqueira são feitos separatórios que envolvem partilha de sociedades limitadas, cujo capital social é dividido em quotas, mas cuja partilha é dificultada ao serem transformadas em sociedades anônimas às vésperas da separação e com boa dose de ousadia, no curso do próprio processo de dissolução afetiva, tudo no propósito de dificultar a partilha referente à relação conjugal ou a união estável, pois em tese, não caberia a dissolução parcial de uma sociedade anônima e na prática, o meeiro ficaria preso à empresa, ao ex-cônjuge, ao passado e, pior ainda, ficaria sem seus recursos financeiros, por só deter ações que não circulam.
4. A FRAUDE PELA MUDANÇA DO TIPO SOCIAL
Mostra a vivência processual, que, uma das formas mais corriqueiras de fraude à meação conjugal è a expedita via da manipulação do estatuto social, especialmente eficaz naquelas típicas sociedades de família em que os esposos empresários buscam inviabilizar com a mudança do tipo social, a parcial dissolução da sociedade empresária, particularmente quando transformadas em sociedades fechadas, que “não se compadecem com as intromissões de estranhos.” 3
Companhias fechadas contam com um pequeno número de sócios, e suas ações não são ofertadas ao público no mercado de valores imobiliários, porque não captam recursos para o seu financiamento, dado que seus aportes vêm da contribuição dos próprios acionistas.
Empresas familiares são comuns na economia brasileira, e quando algum de seus integrantes enfrenta processo de separação judicial de modo a ameaçar a estabilidade do capital social ao pôr em pauta a partilha do seu patrimônio empresarial, repentinamente procura-se alterar o tipo societário dessas empresas. Ao compulsar demandas separatórias que discutem divisão de patrimônio, é corriqueiro deparar com cônjuges e conviventes empresários os quais se valem de sociedades anônimas para acobertar e proteger o patrimônio societário que procuram excluir da partilha referente ao fim do casamento ou da união estável.
Em primeiro lugar, o capital das sociedades anônimas divide-se em unidades denominadas ações e as sociedades fechadas, entre as quais se situam as de capital familiar, não costumam emitir títulos, tampouco anotam a sua circulação no livro de registros de ações. Sua administração, não raramente, confunde-se com a dos próprios acionistas controladores, que são, em regra, seus diretores, com cargos vitalícios na administração. Por controlar, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral, isso quando realizam assembléias, abusam de seu poder na direção das atividades da empresa, em formato nada diferente daquele controle que já exerciam na empresa limitada, tendo apenas alterado o tipo societário, para uma sociedade anônima, a fim de atender aos caprichos do cônjuge ou do convivente em estágio de separação, com a desculpa de pretender proteger o patrimônio familiar, e desse modo decisivo, atuar com segurança na direção de uma sociedade anônima existente apenas no mundo da ficção.
Entre as companhias familiares, é muito comum encontrar acionistas que não estão apenas representados por seu capital, mas que exercem uma participação fundamental na administração da empresa, de modo a configurar, na prática uma verdadeira sociedade de pessoas, porém fantasiada de sociedade capital.
Lembra, com muita propriedade, Priscila M. P. Corrêa da Fonseca4 não ser outra a razão da existência do art. 206, inc. II, b, da Lei nº. 6.404/76, ao determinar a dissolução da companhia “quando provado que não pode preencher o seu fim”. Certamente uma companhia de fachada autoriza o decreto de sua dissolução quando na realidade nada mais representa do que uma verdadeira sociedade de pessoas.
Fábio Konder Comparato5 recomenda que se evite a errônea presunção de que a sociedade anônima é sempre alheia ao intuitu personae e à affectio societatis, além de ressaltar existirem verdadeiras sociedades anônimas de pessoas.
Hugo E. Rossi,6 testemunha extremos desse jaez, os quais diz ocorrerem com reiteração, ao fazer-se uso da desestimação da sociedade anônima com configuração claramente irregular, pois conta apenas com os mesmos sócios da primitiva sociedade limitada.
Para Hugo Rossi, “os sócios não podem pretender ser tratados como acionistas de uma sociedade anônima se reiteradamente seguem condutas próprias de sócios de outro tipo de sociedade,” comportamento que demonstra não ter existido de fato, o propósito de atuar como uma sociedade anônima.
É o que acontece com alarmante freqüência nas sociedades limitadas de exclusivo capital familiar, quando o cônjuge em demanda de separação altera o tipo originário de uma sociedade limitada para o de uma sociedade anônima de meia dúzia de acionistas, todos membros da mesma família e apenas unidos no propósito de impedirem a partilha da empresa na meação do cônjuge dissidente. Com esse prosaico expediente contratual, o cônjuge separado fica sem poder acessar as quotas sociais por meio da apuração de haveres, que só seria possível, em princípio, se a empresa preservasse a configuração de sociedade limitada.
São de cristalina evidência, o uso abusivo e o desvio da função societária, toda ela manejada para afastar o ingresso do cônjuge na empresa familiar, o que fica mais visível ainda quando são apuradas as irregularidades e as omissões dos administradores no exercício legal dos atos de administração de uma sociedade anônima. Na sociedade anônima simulada, os acionistas não se reúnem, não convocam assembléias gerais para deliberações, até porque, usualmente é o cônjuge separando que, como acionista controlador, exprime a vontade social da empresa de forma a confundir-se com a própria administração. Por vezes não são convocadas assembléias, porque todos os acionistas são da mesma família e só têm o trabalho de firmar as atas previamente elaboradas, assinando o livro de presença, sem nada examinar, discutir ou votar, já que, apenas o diretor que controlava a sociedade limitada segue administrando e deliberando sobre os destinos da sociedade anônima, que apenas trocou sua capa externa. Enfim, o administrador familiar da sociedade anônima criada apenas para o processo de separação judicial de acionista diretor prescinde, nesse caso, de uma das mais caras atribuições a um administrador de uma sociedade por ações, que é o dever de lealdade para com os interesses, para com as finalidades da empresa, sem valer-se do tipo societário para atender aos seus interesses pessoais.
Quando isso acontece, configura-se a farsa montada pelos novos acionistas ao mudarem o tipo social na contramão da real finalidade social da empresa.
São artifícios como estes que devem ser considerados dentro da margem de movimentação processual encabeçada para a episódica aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, quando ficar patente que a alteração do tipo societário não passou de uma vil transgressão de direitos, com a única finalidade de impedir o acesso do outro cônjuge ou convivente à sua meação patrimonial. Nesse ponto, calha a advertência de Lucíola Fabrete Lopes Nerilo,7 quando diz não ser preciso que o cônjuge figure como sócio da empresa para ser engendrada a fraude com a utilização da personalidade jurídica.
A Lei do Anonimato prescreve em seu art. 154, que, em decorrência da função social da empresa, o seu administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem na consecução dos fins e dos interesses da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
No entanto, quando o administrador ou controlador da sociedade confunde o seu patrimônio com o patrimônio da sociedade e utiliza ente jurídico como instrumento de sua atividade individual, afiguram-se presentes os pressupostos de desconsideração da personalidade jurídica.
Clóvis V. do Couto e Silva8 já dizia em conferência ministrada no ano de 1989: “Na época em que se desconhecia o conceito de transparência ou desconsideração da pessoa jurídica – que é recente no direito brasileiro -, já existiam disposições legais claramente indicativas da possibilidade de se responsabilizar os administradores.”
Diante disso, há de concordar-se mais uma vez, com Lucíola Fabrete Lopes Nerilo,9 quando recorre à despersonificação como instrumento para combater o desrespeito aos direitos alheios, recurso legal de que se vale o julgador para preservar a verdadeira essência da pessoa jurídica e assim, também preservar a integridade patrimonial do terceiro prejudicado, ao desconsiderar episodicamente o ato que abusou ou violou direito de outrem, sem precisar extinguir a sociedade, como no caso da transformação do tipo societário que apenas visou aos interesses pessoais do controlador majoritário de sociedade familiar.
Não foge ao exemplo o caminho enveredado pela maioria da Quarta Turma do STJ no Resp n. 111.294/PR, julgado em 19/09/00, com a relatoria do Ministro Barros Monteiro, lavrando o voto vencedor o Ministro César Asfor Rocha, que admitiu a dissolução parcial em sociedade anônima familiar ao perceber o engessamento dos sócios minoritários, os quais poderiam representar a figura do cônjuge ou convivente, meeiro de acionista, uma espécie de sub-sócio, sem acesso ao valor monetário de sua meação.
5. O CÔNJUGE OU CONVIVENTE COMO SUBSÓCIO
Uma vez dissolvida a sociedade conjugal ou a estável convivência pela ruptura judicial ou pela morte de um sócio, interessa tomar ciência se o cônjuge ou convivente separado ou sobrevivente ingressará na sociedade em decorrência da partilha das quotas sociais ou se for impossível o seu ingresso na condição de sócio por ausência de previsão contratual e por falta de affectio societatis, o parceiro supérstite ou separado procurará receber o valor monetário equivalente a sua meação societária. Trata-se de receber a expressão monetária equivalente ao patrimônio social, representado por quotas ou ações de seu cônjuge na sociedade e levadas à partilha judicial.
Como é vedada a cessão ou a partilha das quotas sem a alteração do contrato e sem o consentimento dos demais sócios, o ex-cônjuge ou ex-companheiro não poderá ingressar como sócio da empresa, mas não deixará de ser sócio do sócio, um subsócio, condômino de quotas com o ex-cônjuge.
Caso o subsócio deseje romper com o condomínio societário, terá de recorrer a uma ação de apuração de haveres em quota ou participação social contra o sócio e ex-cônjuge, não contra a empresa, já que a separação estabeleceu uma comunhão de quotas entre o ex-casal. O meeiro é credor do ex-cônjuge, que, por sua vez, é sócio da empresa: nessa condição, poderá receber seu crédito com a compensação, se possível, de outros bens conjugais. Diante da falta ou da insuficiência de bens particulares do ex-cônjuge empresário, cumpre proceder a um balanço especial da sociedade para efeito de pagamento das quotas sociais.
Mas, no caso de se tratar de uma sociedade anônima, em tese não há como promover a sua dissolução parcial para pagamento da meação do subsócio.
Na sociedade anônima de capital aberto, não haveria maiores dificuldades com a mera divisão física das ações, e nenhum prejuízo arcaria o ex-cônjuge ou ex-companheiro que recebesse ações em pagamento de sua meação.
Como já foi referido, as companhias de capital aberto buscam seus recursos junto ao público em geral ao oferecer os valores mobiliários de sua emissão a qualquer interessado, do que decorre uma profunda preocupação do legislador para com a tutela jurídica dos interesses dos investidores. As companhias abertas têm seus valores negociados em bolsa de valores e seu procedimento atende às normas específicas, fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários.
Assim ocorre na defesa intransigente contra a fraude, do grande número de interessados que investem seus recursos nos mercados de valores mediante oferta pública.
Desse modo, os detentores de ações são minuciosamente informados sobre a situação patrimonial, econômica e financeira da sociedade, podendo acompanhar com muita segurança o valor das suas ações e caso queiram, negociá-las conforme suas cotações em pregões nas bolsas de valores.
Por sua vez, as companhias com pequeno número de sócios que não captam recursos com o público em geral, têm seu cabedal construído pelas contribuições de seus próprios acionistas: por conta disso, no caso de separação judicial ou de dissolução da convivência de um dos acionistas, a sociedade cujas ações não são negociadas em bolsa entra a partilha com o pagamento da meação do cônjuge por meio da entrega pura e simples de uma quantidade de ações de circulação embotada. O cônjuge que recebeu essas ações de companhia fechada na partilha de seu patrimônio conjugal, fica à deriva dos acontecimentos pois, sem conseguir transferir as ações que compuseram sua meação, pois não há como ofertá-las ao público, tem como seus únicos e prováveis interessados, os outros sócios, de forma que o meeiro sujeita-se a receber o preço vil que lhe for ofertado como única opção de descarte dos desvalorizados papéis. Logo, sem nenhuma chance de negociação, o meeiro assiste passivo ao massacre econômico da lei da oferta e da procura, isso se não agonizar inerte e impotente, diante da desvalorização de sua participação acionária, pela subscrição particular de novos títulos que terminam reduzindo o valor de suas ações e aumentando o capital dos sócios remanescentes.
É que o capital social também pode ser reduzido por manipulação em Assembléia Geral convocada por sócios que são entre si amigos e parentes.
Basta que os sócios componentes da estrutura familiar da empresa aumentem o capital social com a subscrição particular de novas ações, em simples deliberação por assembléia ou pelo Conselho de Administração, para crescer a sua participação e descapitalizar as ações que estão na titularidade do ex-cônjuge de sócio o qual dissolveu sua união afetiva. Assim, suas ações sofrem redução de seu valor nominal, isso quando os sócios familiares não optarem pelo caminho inverso da diminuição do patrimônio da empresa.
É fato que a base da economia mundial está alicerçada nas empresas familiares, que contam com relevante participação acionária de uma família ou de grupos familiares, em sua maioria administrada por componentes dessa mesma célula familiar, detentores do controle acionário. Tratam, ao seu talante, de neutralizar qualquer assédio de pessoas estranhas ao núcleo familiar e aos interesses societários, e, se porventura, ocorrer de uma partilha colocar em risco o domínio e a posse das ações da empresa familiar, logo se articulam para que suas participações não escorreguem das mãos e do poder da família.10
Como expôs Tullio Ascarelli, citado por Waldirio Bulgarelli,11 na empresa familiar:
“pequena ou grande que seja, as ações são distribuídas entre poucas mãos; a forma ao portador quando adotada, o é mais por considerações de natureza fiscal do que no intuito de facilitar a circulação; o financiamento é assegurado por meio de chamadas contas-correntes dos próprios sócios e são, portanto, relativamente mais freqüentes capitais nominais por demais modestos em relação ao patrimônio real e, não capitais aguados, todos ou quase todos os acionistas ocupam cargos sociais, retirando indiretamente parte dos lucros da sociedade sob forma de remunerações pessoais, e assim por diante.”
Enquanto as relações conjugais apresentarem-se harmônicas, sob total controle e interação, os interesses e as metas empresariais serão comuns, voltados ao crescimento do conjunto familiar, sendo facilmente aceitas as hierarquias profissionais. Essa relação na empresa, no entanto, será contaminada pelo ocasional desentendimento conjugal, que se refletirá nos interesses patrimoniais da empresa familiar.
É claro que o pagamento da meação do cônjuge com ações de uma sociedade anônima fechada e familiar, representará na prática, apenas o físico repasse de ações de nenhum valor econômico ao ex-cônjuge que não atua na empresa, e que não mais pertence à família a qual controla o capital e a administração da companhia. A impossibilidade de promover a oferta pública das ações cedidas em pagamento da meação inviabiliza a liquidação e o reembolso de sua real expressão econômica.
A estrutura da sociedade anônima fundamenta-se na importância de seu capital em detrimento da personalidade dos sócios, ao contrário do que sucede nas sociedades de pessoas. É certo que a companhia reúne em torno de si, as pessoas que a constituem, mas o seu vínculo é exclusivamente direcionado ao capital que mobilizam e por meio do qual exercem o controle e a participação na sociedade. As companhias fechadas não se afastam dessa ótica, mas reservam-se a um número menor de sócios, amiúde representado por uma família que busca, no seu próprio ambiente, os recursos para a sua formação. As são sociedades de capital contrapõem-se às sociedades de pessoas por isso, o que permite atentar para a hipótese de fraude ou de abuso societário caso a companhia movimente-se, exclusivamente, no interesse dos sócios e administradores, em detrimento dos acionistas minoritários. Ocorre, assim, o desvirtuamento orgânico da sociedade anônima familiar para a obtenção abusiva de benefícios aos sócios majoritários e administradores, de modo a atuar em contraste aos preceitos de uma verdadeira sociedade de capital, pois convoca assembléias de gabinete, carentes de efetivas deliberações, ou renova os administradores nos cargos de direção da empresa, como se fosse uma gestão de alguns dos sócios. Tais atitudes levam à desestimação do tipo societário, porque não se trata de uma sociedade anônima, mas de uma sociedade de pessoas travestida da personalidade anônima. É evidente que os sócios não podem pretender ser tratados como acionistas de uma sociedade anônima, se, paulatinamente, praticam atos próprios de uma sociedade de pessoas com responsabilidade limitada.
Prova está na Exposição de Motivos da Lei nº. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), ao prescrever que:
“não é mais possível que a parcela de poder, em alguns casos gigantesca, de que fruem as empresas, e através delas, seus controladores e administradores, seja exercida em proveito apenas de sócios majoritários ou dirigentes, e não da companhia, que tem outros sócios, e em detrimento, ou sem levar em consideração os interesses da comunidade”.
Tais desvirtuamentos permitem a aplicação episódica da desconsideração da personalidade jurídica, pois não é justo nem juridicamente aceitável permitir o manejo promíscuo do patrimônio social, quando, a toda evidência, a empresa só recebeu o título externo de sociedade anônima, já que se movimenta apenas em prol dos interesses de poucos sócios e administradores, tendo sido constituída, em realidade, com o único propósito de inviabilizar a sua parcial dissolução, para engessar o ex-cônjuge de sócio, que não terá como transformar suas ações em finanças pessoais.
Assim, as sociedades anônimas não estão imunes à superação da sua personalidade jurídica, especialmente quando for verificado que a sua transformação de sociedade de responsabilidade limitada em companhia fechada serviu apenas para o ilícito interesse de inibir a partilha do acervo conjugal no percentual incidente sobre o patrimônio da empresa.
Essas verdadeiras sociedades anônimas de pessoas, em suas deliberações exacerbam suas funções ao se valer, abusivamente, do tipo social de companhia fechada para impedir a dissolução de parte da empresa que ficou em mãos do cônjuge co-acionista de modo a projetar, necessariamente, a aplicação episódica da desconsideração da personalidade jurídica. Isso porque, quando a companhia fechada não passa de um mero alter ego de uma sociedade de pessoas que atuam intuitu personae na empresa familiar, o que evidencia ter a estrutura contratual apenas o objetivo de fraudar a divisão conjugal das quotas ou ações conjugais, alterando, às vésperas ou mesmo no curso da ação de separação judicial ou da dissolução de união estável, o tipo social de responsabilidade limitada para o de sociedade anônima fechada.
Em regra, a desconsideração inversa da personalidade jurídica ocorre no Direito de Família em momento anterior à separação judicial, pois o marido empresário trata de marginalizar o patrimônio que deveria integrar o processo de partilha dos bens comuns e comunicáveis. É nesse momento que deve funcionar o poder discricionário do juiz na apreciação das provas que enfrenta no processo, pelo dever inerente que tem de buscar a verdade. No caso de lesão a direito de cônjuge ou de companheiro também pelo uso abusivo da chancela societária, deve o juiz formar a sua convicção em conformidade com a sua livre consciência, acatando para tanto, todos os meios admissíveis de prova, sem limitações, inclusive os indícios e as presunções.
A desconsideração da personalidade jurídica pode servir de pronta resposta ao insidioso expediente de fuga ao dever de integral execução da partilha da meação societária, e ela sempre tem lugar quando, nas sociedades de capital os interesses pessoais dos controladores e dos administradores buscarem frustrar os direitos de terceiros. Talvez a solução melhor sequer precise passar pela anulação ou pela dissolução da sociedade, mas apenas suspender a eficácia do ato constitutivo, como no episódio formulado em fraude à meação de ex-cônjuge.
Dessa forma, se um cônjuge empresário transforma a sua primitiva sociedade limitada em sociedade anônima fechada, com o propósito de impedir que seu cônjuge ou seu companheiro acesse às quotas e à sua partilha, com a posterior extinção de um condomínio em apuração de haveres, está, de modo induvidoso, perpetrando uma fraude ao direito do cônjuge.
Não será demasia considerar que em situações especialmente forjadas no curso de uma separação afetiva na qual um dos cônjuges ou conviventes participa de sociedade empresária, é perfeitamente plausível a dissolução parcial de sociedade que primitivamente era constituída por quotas de responsabilidade,mas que, pela maliciosa vontade do sócio majoritário – cônjuge ou convivente – foi transformada em sociedade anônima
Quando não desaparecerem as partes integrantes do antigo ente jurídico, que sofreu a transformação de sociedade limitada a anônima, mesmo que os sócios e a sociedade submetam-se às novas regras imperativas ao novo tipo societário, a mera conversão para um novo tipo societário não pode prejudicar terceiros, como demonstra com clareza o art. 1.115 do Código Civil. Especialmente quando essa conversão foi procedida no curso da separação judicial litigiosa ou de dissolução contenciosa de uma união estável, com o único e evidente propósito de embotar a liquidação dos haveres do cônjuge meeiro.
Ao ser reconhecida a fraude à meação, basta que a sentença de separação suspenda, circunstancialmente, a eficácia do ato constitutivo, para reconhecer, relativamente ao cônjuge que reivindica a sua meação, o direito ao primitivo pacote de quotas e à sua parcial dissolução judicial, se não for possível compensar as quotas com outros bens do casamento ou com bens particulares do cônjuge empresário. A desestimação da personalidade jurídica não importaria no descarte da sociedade anônima que retomaria o tipo anterior da sociedade limitada, apenas produziria a inaplicabilidade dos efeitos da mudança do tipo societário em relação ao cônjuge meeiro que foi alvo da fraude na partilha, de forma a permitir que ele compense seus prejuízos, ou que retire da sociedade o equivalente monetário à sua meação.
Pronunciou-se, nesse sentido, o STJ, que, por sua Quarta Turma, no REsp. n. 35285-RS, em voto do relator ministro Antônio Torreão em 14/12/93, embora sem referência à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, permitiu a retirada dos sócios dissidentes de sociedade por quotas cujo tipo social foi transformado em sociedade anônima pela vontade destoante do sócio majoritário, conferindo-lhes o pagamento dos seus haveres por via da liquidação em dissolução parcial:
“Comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade. Transformação em sociedade anônima por vontade do sócio majoritário. Retirada dos sócios dissidentes. Dissolução parcial, com pagamento dos haveres tal como se de dissolução total tratasse, em face das peculiaridades do caso concreto. Decisão que não implicou ofensa aos artigos 20 do Código Civil, 291 e 302 do Código Comercial e 668 do CPC de 1939. Ausência de dissídio jurisprudencial. Recurso não conhecido. Unânime.”
6. A DISSOLUÇÃO PARCIAL
O recesso é a modalidade de dissolução parcial dos vínculos societários, bem como é a forma pela qual o sócio expõe a sua vontade de abandonar a sociedade. Na Lei das Sociedades por Ações, o art. 137 permite ao acionista dissidente retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, assim como o sócio quotista ao retirar-se da sociedade tem o direito de ser reembolsado com a quantia correspondente ao seu capital.
No âmbito do casamento e da união estável, quando um casal dissolve o seu relacionamento e decide pela partilha de seus bens, caso exista a comunicação de quotas sociais ou ações de uma companhia que está registrada apenas em nome de um dos parceiros o qual detém o status de sócio ou de acionista, ao seu consorte podem ser adjudicadas quotas ou ações que não lhe conferem a condição de sócio. O cônjuge não sócio terá um crédito pelo valor das quotas contra o seu esposo sócio, já que não pode ser admitido no quadro social por mero crédito de sua meação na partilha, ou pela cessão hereditária das quotas, salvo expressa previsão no contrato social.
Portanto, o cônjuge de sócio é meeiro das quotas, e sua meação seria mais conveniente se fosse preenchida com outros bens diversos da sociedade. Caso isso não seja possível e seja rejeitado o cônjuge como novo sócio, encaminha-se a demanda de apuração de haveres advinda da parcial dissolução da sociedade.
O art. 1.02712 do Código Civil inibiu a liquidação das quotas dos herdeiros ou meeiros de cônjuges sócios, ao estabelecer que apenas os sócios remanescentes estariam legitimados a requerer a dissolução judicial da sociedade.
Segundo a nova diretriz legal, comete apenas aos sócios que permanecerem na empresa a decisão acerca da liquidação das quotas do sócio retirante ou de cessionário de suas quotas, de modo a impossibilitar que os herdeiros ou o meeiro de sócio consigam liquidar o valor das quotas e receber os seus haveres.
É a conclusão a que chega Edmar Oliveira Andrade Filho,13 ao informar que os sócios já não mais podem contar com o pragmático pedido de dissolução parcial, que muito se prestaria para postulações arbitrárias e caprichosas, embora o vigente Código Civil não tenha desamparado os sócios que se sintam prejudicados.
Murilo Zanetti Leal14 cita o Anteprojeto de Lei de Sociedades de Responsabilidade Limitada elaborado pela Comissão presidida por Arnoldo Wald, anteprojeto este que se dissocia do novo Código Civil exatamente quando, em seu art. 31, prevê entre diversas formas de cessão de quotas também aquelas oriundas do regime matrimonial, conferindo o direito de preferência em sua aquisição à sociedade e aos demais sócios, na contramão do atual art. 1.027, o qual impede ao cônjuge de sócio exigir desde logo a parte que lhe couber na quota social. Portanto, com a dicção do atual art. 1.027 da nova codificação civil, o legislador procurou evitar a dissolução parcial requerida pelo ex-cônjuge do sócio ao conferir-lhe apenas a condição de condômino, com direito,se houver, apenas aos lucros periódicos.
Tal solução é inconciliável com a regra constitucional do art. 5º, inc. XX, no sentido de que ninguém poderá ser compelido a associar-se, a permanecer associado ou a permanecer em condomínio contra a sua vontade, por prazo indeterminado e ao talante dos sócios remanescentes. É inaceitável que o cônjuge meeiro fique vinculado indefinidamente à sociedade, quer isso ocorra na sociedade limitada, quer isso ocorra na sociedade anônima de capital fechado.
Aceitar esse retrocesso, aparentemente ordenado pelo art. 1.027 do Código Civil, seria voltar a negar valor ao bem partilhado, o que geraria conseqüências lesivas ao patrimônio do cônjuge meeiro, como já dissera o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito por ocasião do julgamento do REsp nº. 114.708-MG.15
É que a dissolução parcial, formalizada pela via da liquidação de parte da sociedade, tem por escopo verificar a parcela a ser paga ao sócio que se retira ou que é afastado da sociedade, em conformidade com os reais valores do patrimônio social, de modo a conciliar os interesses do sócio dissidente e daqueles que permanecem na sociedade.
Como explica Rubens Requião:
“Faz-se a avaliação de todos os valores sociais, segundo os preços correntes no mercado, e que prevaleceriam se a sociedade fosse totalmente dissolvida.” 16
Já na sociedade anônima, há expressa previsão de retirada do acionista, que será reembolsado do valor de suas ações. Tem sido grande a insatisfação com o critério legal de reembolso previsto para o caso de recesso acionário, que não se confunde com a parcial dissolução.
O acionista e o detentor ou titular das ações, ao subscrever a ação ou adquiri-la em pagamento de sua meação com a separação judicial, conquista na sociedade anônima o estado de sócio, de forma que, pode ceder seus direitos sem necessidade de alterar o contrato social, tratando apenas de transferir suas ações no livro da sociedade. Mas, como é sabido, tudo funciona muito bem nas companhias de capital aberto, pois certamente encontrará mercado para negociar seus títulos, ao contrário da hermética companhia fechada que aniquila a expropriação financeira oriunda do pagamento da meação conjugal com ações da empresa familiar.
Os pretórios brasileiros vinham rejeitando a possibilidade da dissolução parcial nas sociedades anônimas, por impossibilidade jurídica do pedido, entendendo que a dissolução parcial de uma sociedade anônima seria procedimento incompatível com a Lei do Anonimato, que já prevê o direito de recesso no seu art. 137, com o reembolso do valor das ações do sócio retirante: assim concluíam que a parcial dissolução social seria um instituto exclusivo das sociedades de responsabilidade limitada e ao alcance do sócio quotista.
Por sinal, o tema da dissolução da sociedade não é estranho à sociedade anônima, pois é princípio adotado no art. 207 da Lei nº. 6.404/76, em que se dispõe:
“a companhia dissolvida conserva a personalidade jurídica, até a extinção, com o fim de proceder à liquidação.”
Priscila Corrêa esclarece a matéria:
“O entendimento de que a inconveniência da dissolução parcial em relação às companhias abertas decorreria do fato de que ao acionista que deseja, retira-se da sociedade, sempre se faria viável recorrer à venda de suas ações em bolsa ou em mercado de balcão nem sempre é sustentável, porque – como se sabe – apenas um pequeno número de companhias abertas tem, efetivamente, suas ações negociadas em bolsa.”
O que dizer em relação às companhias fechadas de cunho eminentemente familiar, nas quais representaria um absurdo permitir que os herdeiros ou meeiro aquinhoados por força do regime conjugal, da união estável ou da sucessão, ficassem indefinidamente vinculados à sociedade.
7. A APURAÇÃO DE HAVERES NA NOVA CODIFICAÇÃO
A apuração de haveres consiste em promover o balanço de todo o patrimônio da sociedade, encarregando o perito de proceder ao inventário dos bens que compõem o ativo da sociedade e descrever o passivo social, para assim mensurar o montante do ativo líquido da sociedade caso ela seja inteiramente dissolvida. Com essa técnica, é possível mensurar a participação societária do sócio dissidente e igualmente a de seus eventuais sucessores ou meeiro, dado que a apuração de haveres é a mera conseqüência de rompimento de contrato em relação ao titular das quotas que se desvincula da sociedade.
A liquidação parcial é resultado de uma fictícia liquidação total que é movimentada, porém sem o pagamento do passivo e a divisão real dos haveres. Trata-se apenas de uma operação matemática que proporcionará aos sócios a real avaliação de sua participação societária.
Na apuração de haveres impõe-se a exata verificação física e contábil dos valores do ativo, a qual não se limita à simples leitura do último balanço da empresa, pois deve, pesquisar o verdadeiro acervo patrimonial, salvo previsão em contrário o contrato social. Não por outra razão, o art.1.031 do Código Civil pede balanço especial, realizado na data da apuração dos haveres, que seja capaz de exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa, atendidas as suas peculiaridades, a fim de indicar distintamente, o ativo e o passivo, como textualmente ordena o art. 1.188 do Código Civil.
Esse balanço deve ser especialmente elaborado por ocasião da retirada do sócio, com a finalidade específica de avaliação de seus haveres, com a exata verificação física e contábil dos valores do ativo, de modo a refletir o real valor do patrimônio societário e, portanto, o montante a ser pago ao sócio dissidente, seu meeiro ou aos seus herdeiros.
São regras que podem e devem ser admitidas também para as sociedades anônimas em singulares situações, como já se pronunciou o STJ, ao pugnar pela apuração de haveres em sociedade anônima, como no REsp. n°. 63.378, publicado no DJ em 09/10/95:
“Sociedade Anônima. Exclusão de sócio. Apuração de haveres. Hipótese que mais se aproxima do resgate que do reembolso. Inexistência de ilegalidade no fato de determinar-se sejam os haveres dos excluídos apurados mediante apuração de haveres do valor real do ativo e passivo da sociedade.”
Esse era o caminho que começava a se esboçar com maior intensidade no Judiciário, pela tese da chamada dissolução parcial das sociedades que, embora largamente aceita no tocante às sociedades limitadas, também vinha sendo judicialmente movimentada com relação às companhias fechadas.
Como refere Priscila Fonseca17, o novo diploma civil não mais contempla a chamada dissolução parcial ensejada pela doutrina e pela jurisprudência, posto que o art. 1.033 do Código Civil arrola hipóteses restritas de retirada de sócio, tendo afastado a opção pretoriana da liquidação parcial.
Por seu turno, o art. 1.034 do Código Civil regulamenta a dissolução judicial da sociedade por outras três hipóteses: I – anulada a sua constituição; II – exaurido o seu fim social; III - verificada a inexeqüibilidade de seu fim social.
Ao projetar a continuidade jurisprudencial da apuração de haveres como forma peculiar de retirada de sócio, Priscila Fonseca duvida de que os pretórios afastem-se da ampla solução da dissolução parcial que agora também se espraia, em tempo certo, para as companhias fechadas. A autora encontra a fórmula processual na disposição do art. 1.031 do Código Civil de 2002, o qual ordena, para os casos em que a sociedade resolver-se relativamente a um sócio, que a sua quota seja liquidada com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado, sempre, é claro, que o estatuto social não preveja outra forma e desde que ela não seja lesiva aos interesses do sócio dissidente, dos seus herdeiros ou dos seus cessionários.
Na certeza de que a jurisprudência continuará determinando o cálculo dos haveres devidos ao sócio dissidente, como largamente sucedia antes do advento da vigente codificação, Priscila Fonseca18 assevera que a liquidação parcial prevista no art. 1.031 do Código Civil somente será afastada se o estatuto social prever outra solução contratual, como demonstrou a doutrina italiana formada em torno de idêntica norma. Com efeito, não há outra lógica conclusão, pois meeiro ou herdeiro de sócio não são considerados sócios, atuam em uma faixa secundária, como condôminos ou subsócios. Como não podem ingressar na sociedade, senão pela vontade dos demais sócios, a forma ampla da apuração de haveres continuará a ser aplicada com respaldo no critério de avaliação agora expresso no art. 1.031 do atual diploma civil, que textualmente contempla a forma liquidação dos haveres quando a sociedade resolver-se em relação a um sócio ou às suas quotas.
De tudo o que foi discutido, deflui-se que a codificação vigente favorece, ao contrário do que possa parecer, a ocorrência processual da apuração de haveres decorrente de retirada de sócio, ou para pagamento da participação patrimonial de seus herdeiros ou meeiro, com sua saudável ampliação para o âmbito das companhias fechadas, notadamente aquelas de estrito capital familiar, sempre que a fachada empresarial for abusivamente utilizada para frustrar o pagamento da meação do cônjuge ou convivente, com a maliciosa modificação de seu tipo social de responsabilidade limitada, para sociedade anônima.
Nessas hipóteses, que se mostram bastante freqüentes na esfera do direito familista e sucessório, a saudável e eficiente mescla dos arts. 50 e 1.031 do Código Civil em vigor, permite que a episódica aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e a parcial dissolução societária reponham ao meeiro e aos herdeiros de sócio, a exata correspondência econômica e financeira de sua participação social.
Esse mesmo espírito de correção de fraude serve tanto desconsideração da personalidade jurídica, como à dissolução parcial de sociedade anônima, contrariando a lógica das leis, mas conciliando a lógica dos fatos e do real direito, ao impedir que subsócios ou sócios retirantes eternizem-se contra a sua vontade, na sociedade de capital familiar.
Foi como decidiu a Quarta Turma do STJ, no Resp. n°. 111.294-PR, com voto condutor do Ministro César Asfor Rocha, assim ementado:
“Direito Comercial. Sociedade Anônima. Grupo Familiar. Inexistência de lucros e de distribuição de dividendos há vários anos. Dissolução Parcial. Sócios Minoritários. Possibilidade. Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra da affectio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de Rubens Requião. O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial. Recurso parcialmente conhecido, mas improvido.”
8. BIBLIOGRAFIA
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SILVA, Clóvis V. do Couto e. Grupo de sociedades. RT 647/20.
Notas de Rodapé
* Advogado Familista, Professor de Direito de Família na PUC/RS, Diretor Nacional do IBDFAM, Vice-Presidente do IARGS – www.rolfmadaleno.com.br
1 Rolf Madaleno. A efetivação da ‘disregard’ no Juízo de Família, Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 1999, p.64.
2 Casamento e efeitos da participação social do cônjuge na sociedade, In Direitos Fundamentais do Direito de Família, Belmiro Pedro Welter e Rolf Hanssen Madaleno (Coord.), Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.55.
3 Luiz Guilherme Loureiro. A atividade empresarial do cônjuge no novo Código Civil, In . Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves (Coord.). Novo Código Civil, questões controvertidas, São Paulo: Método, 2004, p. 241.
4 Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio. São Paulo: , Atlas, 2002, p.83.
5 Apud Priscila M. P. Corrêa da Fonseca, Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, cit., p.83, nota 41.
6 Hugo E. Rossi. Actuación anómala y desestimación del tipo en la sociedad anónima “cerrada”, sus efectos sobre la responsabilidad de los socios, In Conflictos en sociedades “cerradas” y de familia, . Martín Arecha, Eduardo M. Favier Dubois, Efraín H. Richard e Daniel R. Vítolo (Coord.). Buenos Aires, 2004, p. 67-170.
7 Lucíola Fabrete Lopes Nerilo. Manual da sociedade limitada no novo Código Civil ,. Curitiba: Juruá, 2004, p.67-68.
8 Clóvis V. do Couto e Silva. Grupo de sociedades, RT 647/20.
9 Lucíola Fabrete Lopes Nerilo.Responsabilidade civil dos administradores nas sociedades por ações. Curitiba: Juruá, 2002, p.73.
10 Nesse sentido, Apelação Cível nº 597013036, relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, 7ª Câmara Cível, TJ, 27/11/97, com esta ementa: “Embargos. Penhora de patrimônio de sociedade. Alegação de que nada tem com a execução. Desconsideração da pessoa jurídica. Cabível a constrição de acervo pertencente a uma empresa, de que faz parte a sociedade executada, e que pertence a um conglomerado familiar em que as titulares e patrimônios se interpolam e se substituem. Apelação improvida.”
11 Waldirio Bugarelli. Sociedades comerciais.São Paulo: Atlas, 1991, p.44.
12 Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo aparte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.
13 Edmar Oliveira Andrade Filho. Sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p.272.
14 Murilo Zanetti Leal. A transferência involuntária de quotas nas sociedades limitadas. São Paulo: RT, 2002, p.85.
15 Acórdão citado por Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. Dissolução parcial. cit., p.111.
16 Rubens Requião. A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio. Curitiba: Acadêmica, 1959, p.188.
17 Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. Dissolução parcial. Ob. cit. , p.199.
18 Priscila M.P. Corrêa da Fonseca. Dissolução parcial. Ob. cit., p.209.