VOTE!! Meu blog concorre!!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

TEORIA DA NORMA TRIBUTÁRIA




1. Texto de direito positivo e norma jurídica

Norma jurídica é a significação que colhemos da leitura dos textos de direito positivo. Resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os símbolos lingüísticos marcados no papel, bem como ouço a mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo idéias ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, como proposição.


Suporte físico (significado - texto escrito, textos de direito positivo)

Conceito ou juízo (significação - norma jurídica)

A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador. Ao enunciar os juízos, expedindo as respectivas proposições, ficarão registradas as discrepâncias de entendimento dos sujeitos, a propósito dos termos utilizados.

1.1 Norma jurídica e diploma legal

Se pensarmos que a norma é um juízo hipotético-condicional (se ocorrer o fato X, então deve ser a prestação Y), formado por várias noções, é fácil concluir que nem sempre um só texto (de lei, p. ex.) será suficiente para transmitir a integridade existencial de uma norma jurídica. Às vezes, os dispositivos de um diploma definem uma, algumas, mas nem todas as noções necessárias para a integração do juízo e, ao tentar enunciá-lo verbalmente, expressando a premência de consultar outros textos do direito em vigor.


1.2 Norma jurídica e princípios jurídicos


Depois de suscitadas as noções ou idéias imprescindíveis para a formação do juízo lógico, o jurista há de examinar os grandes princípios que emergem da totalidade do sistema, para, com eles, buscar a interpretação normativa. A correta significação advirá desse empenho em que os termos do juízo são compreendidos na conformidade dos princípios gerais que iluminam a ordem jurídica.


2. Sistemas Jurídicos - Sistema do Direito posto e Sistema da Ciência do Direito


2.1 Noção de sistema

Há sistema ali onde encontrarmos elementos que se relacionem entre si e uma forma na qual elementos e relações se verifiquem. Um grupo de unidades caoticamente reunidas não atinge o nível de sistema simplesmente pela somatória de seus componentes. É indispensável um vínculo que enlace os integrantes, unificando-os numa organização coerente.

O conceito de sistema incide em todas as regiões ônticas: no mundo dos objetos naturais, ideais, metafísicos e culturais. O ser sistema requer um princípio unificador que presida ao relacionamento das entidades que o compõe. Tércio Sampaio Ferraz Jr. chama de repertório ao conjunto de elementos, e de estrutura ao complexo das relações que entre eles se estabelecem.


2.2 Sistema jurídico - dois corpos de linguagem


O plexo das normas jurídicas vigentes está posto num corpo de linguagem prescritiva, que fala do comportamento do homem na comunidade social. Essa rede de construções lingüísticas é o sistema empírico do direito positivo, justamente porque está voltado para uma específica região material: certa sociedade, historicamente determinada no espaço e no tempo.

Sobre esse discurso prescritivo desenvolve o cientista outra camada lingüística, feita de proposições descritivas, associadas organicamente debaixo de um princípio unitário. É o sistema da Ciência do Direito. Há sistema na realidade do direito positivo e há sistema nos enunciados cognoscitivos que sobre ele emite a Ciência Jurídica.

A locução sistema jurídico designa então duas construções lingüísticas: tanto o sistema prescritivo do direito posto quanto o sistema descritivo da Ciência do Direito.


O sistema do direito oferece uma particularidade digna de registro: suas normas estão dispostas numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e suas transformações. Examinando o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa se encontra fundada, material e formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o prisma de observação, verifica-se que das regras superiores derivam, material e formalmente, regras de menor hierarquia.

Todas as normas do sistema convergem para um único ponto - a norma fundamental -, que dá fundamento de validade à constituição positiva. Sua existência imprime, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, lhe confere o timbre de homogeneidade. Isso autoriza dizermos que o sistema também empírico do direito é unitário e homogêneo, afirmação que vale para a referência ao direito nacional de um país ou para aludirmos ao direito internacional, composto pela conjunção do pluralismo dos sistemas nacionais.

Não só o direito positivo se apresenta como sistema, mas a ciência que dele se ocupa também assume foros sistemáticos. O direito positivo é um sistema empírico, onde a racionalidade do homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem natural e técnica. A ciência que o descreve, todavia, mostra-se um sistema também empírico, vertido em linguagem que se propõe ser eminentemente técnica. Enquanto as ciências naturais, por exemplo, a Física e a Química, descrevem fenômenos naturais, físicos e químicos, a Ciência do Direito tem como foco temático um fenômeno lingüístico - o direito posto, um plexo de enunciados prescritivos. E este último cientista anota, como dado fundamental, que nos fenômenos naturais os fatos se entreligam por uma relação de causa e efeito - princípio da causalidade -, ao passo que o liame que prende o fato jurídico aos seus efeitos é ditado pelo princípio da imputação. É o legislador que imputa certas conseqüências jurídicas aos eventos que ele livremente escolhe, no tecido das relações sociais. Repousa aqui uma diferença extremamente relevante, como dado peculiar à matéria jurídica.

Como sistema empírico que é, a Ciência do Direito tem de ter uma hipótese-limite, sobre a qual possa construir suas estruturas. Do mesmo modo que as outras ciências, vê-se o estudioso do direito na contingência de fixar um axioma que sirva de base última para o desenvolvimento do seu discurso descritivo, evitando assim o regressus ad infinitum. A descoberta da norma hipotética fundamental, empreendida por Hans Kelsen, é o postulado capaz de dar sustentação à Ciência do Direito, demarcando-lhe o campo especulativo e atribuindo unidade ao objeto de investigação. A norma hipotética fundamental, entretanto, não se prova nem se explica. É uma proposição axiomática, que se toma sem discussão de sua origem genética, para que seja possível edificar o conhecimento científico de determinado direito positivo. Ela dá legitimidade à Constituição, não cabendo cogitações de fatos que a antecedam. Com ela se inicia o processo derivativo e nela se esgota o procedimento de fundamentação. É fruto de um artifício do pensamento humano, e a Filosofia do Direito a tem como pressuposto gnosiológico do conhecimento jurídico.

A Ciência do Direito estuda o sistema empírico do direito positivo, vendo-o como uma pirâmide que em no ápice uma norma fundante, imaginária, que Kelsen chama de norma hipotética fundamental, cuja função consiste em legitimar a Lei Constitucional, outorgando-lhe validade sintática. A contar desse Texto Básico, as restantes normas do sistema distribuem-se em vários escalões hierárquicos, ficando nas bases da pirâmide as regras individuais de máxima concretude. Concepção dessa ordem propicia uma análise estática do ordenamento jurídico - nomoestática - e uma análise dinâmica do funcionamento do sistema positivo - nomodinâmica. Na primeira, as unidades normativas são surpreendidas num determinado instante, como se fossem fotografadas; na segunda, é possível indagar do ordenamento nas suas constantes mutações, quer no que diz com a criação de regras novas, quer no que atina às transformações internas que o complexo de normas tem idoneidade para produzir. No plano da nomodinâmica nos deparamos, entre a norma fundante e a norma fundada, com o ser humano, suas crenças, seus valores, suas ideologias, atuando para movimentar o sistema, positivando-o e realizando, assim, efetivamente, o direito.


3. Regras de Comportamento e Regras de Estrutura


São, segundo o autor, dois tipos de normas jurídicas que integram o sistema do direito positivo - as regras de comportamento e as regras de estrutura. As primeiras objetivam regular o comportamento das pessoas, nas relações intersubjetivas, e as de estrutura determinam o modo de criação das regras, sua transformação ou expulsão do sistema.

É característica das proposições jurídico-normativas em particular expressarem-se por intermédio do conectivo dever-ser, o que nos leva denominar deôntico o sistema do direito positivo. No caso específico das regras de comportamento, o dever-ser está modalizado em permitido, obrigatório ou proibido, com o que se exaure a possibilidade normativa da conduta. Todo comportamento será reduzido a algum desses três modais deônticos, não havendo quarta alternativa (lei deôntica do quarto excluído).

Ao contrário do que acontece nas regras de comportamento, nas regras de estrutura o dever-ser não se modaliza, permanecendo neutro, não cabendo substituição pelos modais em que, às vezes, se triparte. O exemplo citado pelo autor é o do art. 9º do antigo Código Civil brasileiro: "Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade..."Essa seria a fórmula gramatical do texto, mas a significação prescritiva é a seguinte: dado o fato de alguém completar vinte e um anos de idade, deve ser a maioridade.

No que o autor denomina de "subsistema constitucional tributário", ainda que seja maior a incidência de regras de estrutura, não faltam aquelas que se dirigem, frontalmente, à disciplina da conduta, exprimindo-se, prescritivamente, nos modais deônticos permitido, obrigado e proibido.

São diversos os postulados que regem a atividade impositiva do Estado, praticamente todos inscritos, expressa ou de modo implícito, na Constituição. também são numerosas as regras tributárias que envolvem a instituição do gravame. Entretanto são poucas, individualizadas e especialíssimas as regras matrizes de incidência dos tributos. Em princípio, há somente uma para cada figura tributária, acompanhada por uma infinidade daquelas operativas ou funcionais (lançamento, recolhimento, deveres instrumentais, fiscalização, etc.)

Baseada nessa verificação, Paulo de Barros vai designar por norma tributária em sentido estrito àquela que marca o núcleo do tributo, isto é, a regra-matriz de incidência fiscal, e de normas tributárias em sentido amplo a todas as demais.

4. A Regra-matriz de Incidência - sua Estrutura Lógica - Hipótese e Conseqüência


A construção da norma tributária em sentido estrito é obra do Cientista do Direito e se apresenta com a compostura própria dos juízos-hipotéticos condicionais. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência ou estatuição. A força associativa é a cópula deôntica, o dever-ser que caracteriza a imputação jurídico-normativa.

Nessa estrutura, a hipótese prevê um fato, enquanto a conseqüência prescreve a relação jurídica que se instaura, onde e quando acontecer o evento cogitado no suposto. Fala-se portanto em descritor e prescritor, o primeiro para designar o antecedente normativo e o segundo para indicar seu conseqüênte.

Paulo de Barros disseca a norma tributária da seguinte forma: na hipótese ou descritor, encontra-se um critério material, consubstanciado pelo comportamento de uma pessoa, condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já a conseqüência ou prescritor contém um critério pessoal, consubstanciado pelo sujeito passivo e sujeito ativo, e um critério quantitativo, composto por base de cálculo e alíquota). A conjunção desses dados compõe para o autor, em sua plenitude, a norma-padrão de incidência tributária.


HIPÓTESE: Formulação jurídico-descritiva:




1. critério material: ser proprietário de bem imóvel

2. critério espacial:no perímetro urbano do Município (descritor) de São Paulo

3. critério temporal: no dia 1º do ano civil


CONSEQÜÊNCIA: (prescritor)

1. critério pessoal: sujeito ativo: Fazenda Municipal

sujeito passivo: o proprietário do imóvel

2. critério quantitativo: base de cálculo: o valor venal do imóvel

alíquota: 1%


As leis, ressalta, não trazem normas jurídicas organicamente agregadas, prontas, tal qual a regra matriz de incidência acima desenhada, que todo tributo hospeda, como centro catalizador de seu plexo normativo. Ao contrário, sem muita organização prévia, os preceitos se dispersam pelo corpo do diploma, compelindo o jurista a um penoso trabalho de composição. O trabalho científico é um árduo esforço de procura, isolamento de dados, montagem e construção final do arquétipo da norma jurídica.

Ao fim desse empreendimento, chega-se à norma padrão de incidência, locução dotada do mesmo alcance e com a mesma força semântica de norma tributária em sentido estrito. Todas as demais regras que componham a disciplina do mesmo tributo, por não cuidarem, propriamente, do fenômeno da incidência, e também por motivo de acentuada superioridade numérica, ficarão sob a rubrica de normas tributárias em acepção ampla.


4.1 Crítica à expressão "fato gerador"

Paulo de Barros critica o acolhimento entre nós da expressão "fato gerador", por conter o grave vício de aludir a um só tempo duas realidades distintas, quais sejam:

a) a descrição legislativa do fato que faz nascer a relação jurídica tributária;

b) o próprio acontecimento fático, enquanto evento do mundo físico, ocorrido no contexto social.

Enfatiza que uma das mais sérias pretensões do cientista é a de contribuir, efetiva e decididamente para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas, que devem ser enriquecidas, de maneira constante, pela vigilância crítica daqueles que se dedicam ao estudo desse objeto do mundo cultural que é o Direito, e afasta, por conseguinte, o argumento de que, apesar da necessidade do cuidado terminológico para a construção de uma ciência, sendo "fato gerador" a fórmula escolhida pelo legislador, justifica-se persistir em seu uso, taxando tal argumento de simplório.

A denominação escolhida pelo autor é hipótese tributária, para designar a descrição legislativa e fato jurídico tributário, para se reportar ao fato que realmente sucede no quadro do relacionamento social, dentro de específicas condições de tempo e espaço.


4.2 Subsunção do conceito do fato ao conceito da norma e a fenomenologia da incidência


A subsunção, como operação lógica que é, só se opera entre iguais. Em homenagem à precisão que devemos incessantemente perseguir, o certo é falarmos em subsunção do conceito do fato ao conceito da norma e, toda vez que isso acontece, com a conseqüente efusão de efeitos jurídicos típicos, estamos diante de própria fenomenologia do direito.


Especificamente, tratando-se da fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estrito ou regra matriz de incidência tributária, diremos que houve a subsunção quando o conceito do fato jurídico tributário guardar absoluta identidade com o conceito desenhado normativamente na hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se automaticamente o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la.