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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Franqueadas dos Correios questionam incidência de ISS sobre sua atividade


Notícias STFImprimir
Quarta-feira, 30 de maio de 2012
Franqueadas dos Correios questionam incidência de ISS sobre sua atividade
A Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil (Anafpost) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4784) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos da Lei Complementar 116/2003 (e de itens da lista de serviços anexa), que trata da incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS). A associação argumenta que as agências de Correios franqueadas não são prestadoras de serviço público postal, uma vez que este é de monopólio da União, representado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).
“Trata-se de atividade auxiliar a atividade realizada pelas agências de Correios franqueadas, obrigação de meio, decorrente da própria natureza jurídica do contrato de franquia postal, cuja Lei 11.668/2008 – Lei da Franquia Postal – está subsidiada pela Lei 8.955/1994 – Lei do Franchising. A prestação de serviço público, neste caso, se de fato houvesse, seria decorrente da regra contida no artigo 175 da Constituição Federal, regulamentada pela Lei 9.074/1995, que trata dos institutos da permissão, concessão e autorização do serviço público postal”, argumenta a Anafpost.
Segundo a associação, na relação entre a ECT e as agências franqueadas, não há substituição natural do ente público pelo ente privado, mas sim a busca de auxílio para um serviço que apenas pode ser executado pelo ente público. “A própria regra contida no artigo 7º da LC 116/2003 determina que a base de cálculo para lançamento tributário do ISS seja o preço do serviço, logo, não havendo a realização de serviço público postal, não há remuneração decorrente de serviço, inexistindo base de cálculo para lançamento do ISS sobre a atividade auxiliar desenvolvida pela franquia postal”, acrescenta.
A associação pede liminar para impedir os municípios de realizar lançamento tributário sobre a atividade desenvolvida pelas agências de Correios franqueadas e para suspender qualquer ato administrativo relativo à execução fiscal do ISS ou que impeça a emissão de certidão negativa de débito. “Estes atos administrativos restringem créditos junto a instituições financeiras, inviabilizam a participação em certames, provocando instabilidade financeira para as franquias postais e consequentemente refletem junto ao produto final desta cadeia de produção que envolve o serviço público postal, essencial para o país”, sustenta.
O relator da ADI é o ministro Joaquim Barbosa.

terça-feira, 29 de maio de 2012

STF deve decidir se ICMS vai em cálculo da Cofins


Artigos

29maio2012
ENTENDIMENTOS DISFORMES

STF deve decidir se ICMS vai em cálculo da Cofins

A Ação Declaratória de Constitucionalidade 18 foi ajuizada pelo presidente da República em outubro de 2007 com o objetivo de tentar reverter decisão parcial anterior que se configurou virtualmente favorável aos contribuintes (seis votos a um) nos autos do RE 240.785, com a declaração de inconstitucionalidade da inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS, em agosto de 2006.
Contudo, em outubro de 2010, a medida cautelar anteriormente deferida na ADC 18 perdeu sua eficácia, por ter sido prorrogada expressamente pela última vez no Supremo Tribunal Federal. Ocorre que, desde então, o restante do Poder Judiciário voltou a decidir a respeito do tema.
Em um primeiro momento, esse movimento de retomada dos julgamentos foi iniciado pelo Superior Tribunal de Justiça, que retomou sua antiga linha de entendimento e passou a aplicar indiscriminadamente as Súmulas 68 e 94, nas quais expressamente reconhece a legitimidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS.
Em seguida, verificou-se enorme quantidade de julgamentos, proferidos tanto em primeira instância como também nos cinco Tribunais Regionais Federais voltando a decidir a questão. Em sua grande maioria, as decisões que têm sido proferidas são no sentido de pura e simplesmente aplicar as referidas súmulas.
Ocorre que, hoje, tais súmulas perderam qualquer sentido e servem apenas como mero registro histórico jurisprudencial. Em outras palavras, o Poder Judiciário vem aplicando entendimento do STJ que é antigo e está fadado inexoravelmente à superação. De fato, independentemente do pronunciamento definitivo do STF sobre a questão jurídica, é certo dizer que o entendimento do STJ está superado pela decisão que se aguarda do STF. É que, aqui, a questão é analisada sob o ponto de vista constitucional, e no STJ foi examinada sob o enfoque legal ou infraconstitucional. De qualquer modo, na ordem jurídica a decisão do STF se sobreporá integralmente àquela do STJ.
Cabe lembrar que a fase processual adequada para levantamento de eventuais questões preliminares já foi superada tanto no RE 240.785 como também na ADC 18 e sempre a questão jurídica foi reconhecida como de índole eminentemente constitucional. Além disso, cabe mencionar que no RE 574.706/PR, o STF reconheceu expressamente a repercussão geral da questão constitucional relativa à inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS (julgado em 24.04.2008 e DJU de 16.05.2008).
Nesse sentido, cabe lembrar a seguinte situação semelhante que ocorreu recentemente: o STJ editou a Súmula 276, pela qual “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado”. Com o julgamento, no âmbito do STF, dos RREE 377.457 e 381.964, reconheceu-se a legitimidade da revogação pelo artigo 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida pelo art. 6º, inciso II, da Lei Complementar 70/91. Como decorrência, a súmula deixou de ser aplicada até que foi expressamente cancelada.
Com a adoção indiscriminada da posição já superada do STJ, o Poder Judiciário está contribuindo para multiplicar desnecessariamente o número de recursos interpostos nos processos que já tramitam, vez que passa a ser necessária a oposição de embargos de declaração, a interposição de recurso especial (e até de agravo de despacho denegatório).
Em realidade, essa posição de acomodação e aplicação acrítica de jurisprudência superada do STJ pelas instâncias inferiores tem gerado transtornos para os contribuintes, que por vezes têm decisões monocráticas contrárias aplicando o art. 557 do CPC e são obrigados a recorrer para o STJ de modo desnecessário, gerando, conseqüentemente, crescente insegurança jurídica em torno do tema.
Verifica-se grande paradoxo em torno da atual racionalidade judiciária adotada pelo STF, como órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, e seguida pelos demais tribunais e juízes: a) a precedência da ADC 18 sobre o RE 240.785, que foi justificada pela maior abrangência da decisão e possível suspensão dos processos em curso mediante adoção da medida cautelar, provou-se com o tempo não se justificar; b) o princípio da celeridade processual e a garantia da razoável duração do processo foram flagrantemente violados, especialmente se considerarmos que o tema encontra-se no Pleno do STF aguardando pronunciamento definitivo desde 1999 (quando por lá chegou o RE 240.785); c) atualmente, os recursos se multiplicam em razão da demora no julgamento da questão pelo STF, vez que os tribunais das instâncias inferiores insistem na aplicação do entendimento sumulado superado do STJ.
Hoje, o esforço junto às instâncias inferiores é fazer com que o aspecto constitucional do debate seja apreciado, vez que com as metas de produtividade em jogo todos os julgadores limitam-se apenas e tão somente a aplicar o entendimento sumulado do STJ como se fosse suficiente para concluir a discussão posta sob exame (e que ainda pende de pronunciamento definitivo pelo STF).
E pior ainda, isso muitas vezes ocorre até com a aplicação equivocada do art. 557 do CPC, o que leva a interposição de mais uma série de recursos (como agravo regimental e embargos de declaração).
Aqui, parece claramente que há um paradoxo entre o esperado desejo de uma Justiça mais célere, eficiente e “produtiva” (com números cada vez mais impressionantes de julgamentos no menor tempo possível) e a distribuição da prestação jurisdicional (especialmente aos jurisdicionados que bateram à porta em socorro do Poder Judiciário).
Cabe ao STF assumir a sua vocação de órgão de cúpula do Poder Judiciário e levar, sem mais delongas, a matéria ao seu Plenário para conhecimento e julgamento, com vistas à necessária pacificação social, ao invés de aumentar a litigiosidade nos casos em trâmite.
Fábio Martins de Andrade é advogado, doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Prefeitura de SP ignora Constituição e súmulas do STF


Prefeitura de SP ignora Constituição e súmulas do STF

A pretexto de consolidar as normas que regulamentam o ISS a prefeitura paulistana baixou o Decreto nº 53.151 publicado em 18 deste mês e já em vigor. Quando existia algum bom senso por estas bandas, regulamentos serviam para regulamentar uma lei, explicando como suas normas seriam observadas, quais seriam os livros fiscais se fosse o caso, etc.
A Constituição Federal assegura que ninguém está obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei. É o conhecido princípio da legalidade absoluta, um dos pilares que sustentam aquilo que nos países que se dizem civilizados chama-se de estado democrático de direito.
As três pessoas que assinam o tal decreto não possuem formação jurídica. Consta que se tratam de engenheiros, economistas ou administradores. Mas não lhes favorece a atenuante da ignorância, pois contam com um amplo quadro de advogados à sua disposição. Aliás, o que é mais triste, até mesmo para defender judicialmente as diversas bobagens que os chefes cometem.
Esse novo decreto de novo não tem nada. No início repete as hipóteses de incidência do tributo, já definidas na lei complementar (nacional) nº 116/2003. Essa repetição é desnecessária, até porque se o município pretendesse alterar alguma coisa isso seria apenas uma anedota ridícula. Só a lei complementar pode definir o fato gerador do tributo.
Pretende ainda o regulamento definir responsabilidades do contribuinte e de terceiros, matérias que se caracterizam como normas gerais de direito tributário, reguladas desde 1966 pelo Código Tributário Nacional. Ao que parece os técnicos municipais ainda não sabem direito qual é o campo de atuação e qual a competência legislativa do município.
Quem deveria refletir sobre o assunto e fazer alguma coisa a respeito (para isso são pagos) seriam os vereadores. Mas eles preferem distribuir títulos honoríficos sem qualquer relevância ou dar nome a vias públicas, praças ou viadutos. Se quando repete o que já está determinado na lei complementar o tal regulamento faz o que não precisa, quando tenta ser inovador a coisa piora.
O artigo 70 do tal decreto afirma:
“A Secretaria Municipal de Finanças poderá firmar convênio com as Delegacias de Polícia da Divisão de Investigações Sobre Crimes Contra a Fazenda do Departamento de Polícia Judiciária da Capital - DECAP, a fim de comprovar a veracidade das informações prestadas.”
Ao que parece pretendem as autoridades municipais transformar policiais civis em seus subordinados, estafetas ou despachantes. Quando alguém vai à prefeitura fazer uma inscrição no cadastro, entrega documentos tais como cópias do RG, CPF, contas de luz, etc. Agora, deseja a prefeitura que agentes da polícia civil investiguem se tais documentos são verdadeiros.
Esses legisladores tresloucados ignoram vários aspectos práticos a respeito disso tudo. Primeiramente, veja-se que a Lei Orgânica da Polícia Civil paulista não permite esse suposto “convênio”. Diz seu artigo 6º :
“É vedada, salvo com autorização expressa do Governador em cada caso, a utilização de integrantes dos órgãos policiais em funções estranhas ao serviço policial, sob pena de responsabilidade da autoridade que o permitir.

Por outro lado, a Constituição Federal, no artigo 144, atribui à Polícia Civil competência para apurar infrações penais e exercer a chamada polícia judiciária. Não lhe compete realizar pesquisas sobre legitimidade de documentos fiscais, como se fosse subordinada ao fisco municipal. Ela só age nos termos da lei e no seu âmbito restrito de atribuições.
Já se noticiou que uma porcentagem enorme de inquéritos policiais não chegam a esclarecer supostos crimes, porque a polícia não tem meios humanos e materiais para tudo isso.
As Delegacias de Crimes Fazendários, explicitamente citadas no artigo 70, estão sobrecarregadas de trabalho, boa parte como resultado da atuação ensandecida e desordenada de alguns fiscais inclusive municipais, que lavram diversos autos de infração sobre fatos semelhantes envolvendo o mesmo contribuinte, o que implica não no milagre, mas na tragédia da multiplicação dos inquéritos.
Essas delegacias há muito tempo estão necessitando de mudar do local em que se encontram, totalmente inadequado e carente de espaço suficiente para que os trabalhos sejam feitos com o mínimo de conforto que funcionários e público merecem.
Ademais, conferência de documentos no serviço público é muito simples. Estamos na era da internet e com os recursos da tecnologia os servidores municipais podem e devem se desincumbir dessa tarefa. Pretender usar serviço de policial onde não há crime é apenas mais uma tentativa ridícula de constranger o contribuinte. Parece que a secretaria de finanças pretende se especializar nessa atividade: constranger, criar problemas, aborrecer, gerar prejuízos, etc., tudo com o objetivo de impedir que as pessoas trabalhem.
Qualquer habitante desta que é a maior cidade do país sabe que a atividade que mais cresce por aqui é a de serviços. Essa é a vocação natural das grandes metrópoles no mundo todo. Todavia, a prefeitura quer inverter o curso da história e tentar atrapalhar ainda mais nossa cidade.
O nosso governador há alguns anos afirmou que nosso estado estava perdendo indústrias e deixando de crescer. Ele estava mal informado. Posso invocar como testemunha um fato bem conhecido.
Uma fábrica de ferramentas que tinha sede em Santo André, com cerca de 200 empregados, resolveu mudar-se para Minas Gerais, onde recebeu incentivos. Isso não foi uma perda, mas um ganho. O imóvel onde estava a fábrica em Santo André foi vendido e no local construído um moderníssimo shopping center, onde hoje trabalham cerca de 1.000 empregados, cuja média salarial é muito maior do que a que ganhavam os metalúrgicos que foram para outro estado. Todos ganharam, inclusive o estado.
No mesmo decreto insere-se norma que diz que o inadimplente no ISS não poderá emitir nota fiscal eletrônica. Já tratamos desse assunto em outro trabalho aqui publicado. Nada muda. Decreto não é lei. E mesmo que fosse numa lei contida aquela norma, ela continuaria inconstitucional e ferindo 3 súmulas do STF. A prefeitura errou antes e decide persistir no erro. Quem afirmou que há erro são as diversas decisões judiciais, todas a favor dos contribuintes.
O decreto ainda tenta dar legitimidade a interpretações ilegais das normas tributárias em vigor. O seu artigo 4º, ao tentar definir o que é estabelecimento, traz uma pérola : diz que para configurar estabelecimento o local tem que ter

“I - manutenção de pessoal, material, máquinas, instrumentos e equipamentos próprios ou de terceiros necessários à execução dos serviços
II - estrutura organizacional ou administrativa;
III - inscrição nos órgãos previdenciários;
IV - indicação como domicílio fiscal para efeito de outros tributos;
V - permanência ou ânimo de permanecer no local, para a exploração econômica de atividade de prestação de serviços, exteriorizada, inclusive, através da indicação do endereço em impressos, formulários, correspondências, "site" na internet,propaganda ou publicidade, contratos, contas de telefone, contas de fornecimento de energia elétrica, água ou gás, em nome do prestador, seu representante ou preposto.”

Isso comprova que a prefeitura quer dificultar a ação das empresas que tenham sede em outros municípios e que se utilizam dos chamados escritórios virtuais. Todavia, os escritórios são LEGAIS, pagam impostos e podem funcionar normalmente, o que ocorre há décadas em muitos países. A atividade de escritório virtual está consagrada na lei complementar 116 e reconhecida no próprio decreto aqui citado.
Há muitos outros aspectos a comentar no decreto. O principal é denunciarmos essa desarmonia que existe entre o programa político anunciado pelo prefeito em sua posse e o que vem sendo praticado. Ele anunciava uma administração dinâmica, preocupada com o desenvolvimento da cidade e o bem estar da população.
Hoje, infelizmente, o que vemos é uma prefeitura que, por meio de uma administração fazendária arrogante, ignora a Constituição Federal e súmulas do STF e vive o tempo todo sacaneando o contribuinte. Parece ter interesse em impedir que as pessoas trabalhem.
Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2012

Hans Kelsen e a tradição do Direito Romano



Caricatura: Arnaldo Godoy - Colunista [Spacca]Hans Kelsen nasceu em Praga, em 1891, quando as margens do Moldava ainda pertenciam ao Império Austro-Húngaro. Kelsen privou dos neopositivistas lógicos do Círculo de Viena, nutrindo a purificação das ciências em face de preocupações metafísicas, na crise epistemológica que admitia que a ciência não poderia pronunciar juízos de valor.
Kelsen é o autor intelectual da Constituição republicana austríaca. Lecionou na Universidade de Viena de 1919 a 1929. Foi juiz na Áustria por nove anos, de 1921 a 1930. Em 1934, publicou sua Teoria Pura do Direito. Fugiu do nazismo e foi recebido nos Estados Unidos, em Berkeley, onde lecionou até 1952. Em outubro de 1973, aos 92 anos, morreu na Califórnia.
Kelsen foi injustamente acusado de reducionista por ter defendido alguma pureza científica no que se refere ao Direito. Para ele, a ciência jurídica é ciência pura, preocupada com normas. Retomou kantianamente a teoria da norma fundamental, radicada na primeira norma posta, de feição constitucional. A norma posta deve-se a uma norma suposta; a norma hipotética fundamental vem solucionar a questão do fundamento último da validade das normas jurídicas. Afinal, o que legitima o Direito?
Para uma adequada, correta e equilibrada compreensão do positivismo jurídico, é indispensável a leitura de Dimitri Dimoulis, autor de um dos mais bem elaborados livros de filosofia jurídica publicados no Brasil, Positivismo Jurídico, que saiu pela Editora Método. O autor desmistifica a auréola mefistofélica que se impôs ao pensamento de Kelsen. Trata-se de livro que revela um pensador lúcido. Dimoulis é intelectualmente preparadíssimo, conhece toda a literatura referente ao assunto, que cita com a familiaridade dos verdadeiros mestres. É livro imperdível; fundamental para compreensão do positivismo jurídico, corrente tão criticada por aqueles que não leram os autores canônicos e que, se o fizeram, não compreenderam nada.
Acrescentaria, no plano mais fático, a primorosa edição da autobiografia de Kelsen, de autoria do ministro Dias Toffoli, e que conta também com a infatigável pesquisa de Otavio Luiz Rodrigues Junior, jurista cearense que não se rende ao engodo de um imaginário Direito Privado de feição metafísica e principiológica. Otávio pertence a uma linhagem de civilistas cujo antepassado mais pretérito é Clóvis Beviláqua, também cearense. O Direito Privado detém dignidade inatacável pelas inseguranças de nossos tempos.
Estado e Direito se confundem em Kelsen. Não haveria leis inconstitucionais ou decisões ilegais. Paradoxo talvez vivido pelo próprio Kelsen, supostamente forçado a admitir a eficácia do Direito nazista. Para o mestre de Viena o cientista do Direito deve preocupar-se com a lei, e com problemas de aplicabilidade destas, tão somente. Kelsen nos dá conta de que o conhecimento jurídico só é científico se tentar ser neutro, ainda que não se transcenda da neutralidade do eunuco. A pureza do Direito decorreria de corte epistemológico que definiria o objeto e de um corte axiológico que afirmaria a sua neutralidade.
O jurista deveria identificar lacunas e apurar antinomias, a exemplo de questão tratada em um dos livros de Norberto Bobbio, o mais arejado dos juristas italianos do século XX. O problema também não passou despercebido por Lon Fuller, ligado ao realismo jurídico norte-americano; Fuller nos deixou o saboroso caso dos exploradores de cavernas.
Para Kelsen, autêntica é a interpretação do Direito pelos órgãos competentes: a decisão judicial qualifica uma norma jurídica individual. Tudo muito simples, embora tudo muito complicado por seus detratores. No entanto, concedo, não havia no contexto do livro de Bobbio a necessidade de enfrentarmos o espinhoso problema do conflito entre normas constitucionais, reveladoras de princípios que matizam fundamentos de nossa cultura.
Nesse sentido, ainda que correndo o risco de apresentar uma historiografia pouco consistente, apelo para o monumental legado jurídico romano, mesmo que talvez conspurcado pelos glosadores medievais, e reconstruído pragmaticamente pela pandectística alemã do século XIX.
O rígido formalismo dos romanos e a concepção de um Direito como arte que se aprende e que se impõe ao indivíduo como um critério consolidado identificariam universo jurídico criado por especialistas. A jurisprudência romana não vislumbrava oferecer armas para todas as teses e alternativas possíveis no campo judicial. Buscava-se definição certa para os comportamentos e um critério resolutivo dos conflitos. Era uma possibilidade técnica de decisão. O especialista punha-se a serviço da vida real. O generalismo defendido por uma epistemologia crítica mais recente redundou no achismo, na insegurança da opinião e no abuso de conhecimento.
Assim, higienicamente livre de ingerências sociológicas, porque expressão própria do poder, o Direito Romano pode ser convergente ao legado de Kelsen, na medida em que pretensamente puro, imparcial, vacinado contra essa ansiety of contamination, que também marca alguma subjetividade da pós-modernidade, isto é, se levarmos com seriedade a crítica ao Direito como uma grande narrativa.
Kelsen é figura central no debate jurídico contemporâneo, a propósito das relações entre Direito e política, entre norma e poder, questão talvez recorrente no Direito Romano, cenário cultural que é referencial indispensável para o estudioso do Direito.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é consultor-geral da União, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

INFORMATIVO 666 STF


Remoção de magistrado: publicidade e fundamentação de ato administrativo

O Plenário reafirmou jurisprudência no sentido da desnecessidade de lei complementar para dar efeitos ao art. 93, X, da CF, em face de sua autoaplicabilidade e, em consequência, denegou mandado de segurança impetrado contra decisão do CNJ, que revogara atos administrativos do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina — remoção voluntária de magistrados — por terem sido editados em sessão secreta e desprovidos de motivação. Aquele conselho determinara que os atos fossem revogados e repetidos em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Afastou-se o argumento de que a decisão impugnada fundamentara-se na Resolução 6/2005, do CNJ, que disporia sobre promoção, enquanto a situação de fato constituir-se-ia em remoção de juízes. Asseverou-se que a referência a norma mencionada — que estabelecera obrigatoriedade de sessão pública e votação nominal, aberta e fundamentada para a promoção por merecimento de magistrados —, apresentar-se-ia como argumento de reforço à afirmação da necessidade dos mesmos parâmetros para as deliberações a respeito das remoções voluntárias dos membros do Poder Judiciário. Precedentes citados: ADI 189/DF (DJU de 22.5.92); ADI 1303 MC/SC (DJU de 1º.9.2000); RE 235487/RO (DJU de 21.6.2002).
MS 25747/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.5.2012. (MS-25747)


Reforma do CP: comissão aprova benefícios para devedores do fisco e da previdência



Em votação apertada após debate acalorado, a comissão de juristas que prepara o anteprojeto para o novo Código Penal aprovou na noite desta quinta-feira (24) proposta que altera significativamente o tratamento penal dos crimes contra a ordem tributária e previdência social. Uma delas traz a possibilidade de suspensão do processo, em qualquer fase, caso o devedor apresente em juízo caução que assegure a futura quitação.

Noutra hipótese, a pretensão punitiva do estado e a prescrição ficariam suspensas se, antes do recebimento da denúncia, for celebrado e estiver sendo cumprido acordo de parcelamento. Em caso de seu cumprimento integral, a punibilidade é extinta, de acordo com a proposta.

A comissão incorporou algumas práticas fruto da jurisprudência sobre o tema. O pagamento dos valores dos tributos, contribuições sociais e previdenciárias, inclusive acessórios, extingue a punibilidade se efetuado até o recebimento da denúncia, assim considerado o momento posterior à resposta preliminar do acusado. Se posterior, reduz a pena de um sexto a metade.

A proposta aprovada encampa a jurisprudência também quanto ao momento da consumação. De acordo com o texto, “os crimes de fraude fiscal ou previdenciária não se tipificam antes do lançamento definitivo do tributo ou contribuição social, data da qual começará a correr o prazo de prescrição”.

A proposta aprovada ainda estabelece que o uso de documento falso (crime de falso) será absorvido pela fraude fiscal ou previdenciária, quando este se exaure sem mais potencialidade lesiva. Além disso, determina que não haja crime se o valor correspondente à lesão for inferior àquele usado pela Fazenda Pública para a execução fiscal. Atualmente, no entender da administração, débitos de até R$ 20 mil não justificam o processamento da cobrança.

Por maioria

Dos 15 juristas que compõem a comissão, nove estavam presentes no momento da votação – cinco votaram pela criação dos benefícios aos devedores; quatro votaram contra. O relator do anteprojeto, procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves, lamentou a proposta aprovada. Para ele, significa o fim dos crimes tributários no Brasil. “Criamos o mais fantástico acervo de benefícios que um réu pode receber. Aceitamos um direito penal cobrador de tributos. Estendemos à fraude um tapete vermelho, como se a condição de devedor fosse algo vantajoso”, protestou.

O relator explicou que, caso a proposta seja aceita pelo Congresso Nacional quando os parlamentares apreciarem o texto do novo Código Penal, cria-se o paradoxo de tratar diferentemente quem comete o mesmo crime. “Aquele que tem dinheiro para prestar a caução, tem o processo suspenso; aquele que não tem, pode ser condenado”.

O texto aprovado afirma que a configuração do crime também dependerá da ocorrência de fraude. Para o crime de fraude fiscal ou previdenciária, a pena aprovada foi de dois a cinco anos. A conduta caracteriza-se por “obter para si ou para terceiro, vantagem ilícita consistente na redução ou supressão de valor de tributo, contribuição social ou previdenciária, inclusive acessórios”. A comissão considera fraude, por exemplo, deixar de repassar, no prazo devido, valores de tributo, contribuição social ou previdenciária, que devam ser recolhidos aos cofres públicos por disposição legal ou convencional.

Descaminho

Durante a tarde, os juristas também aprovaram a redação do crime de descaminho (introduzir mercadoria no país, ou sua saída, sem o pagamento dos tributos ou contribuições devidos), com pena de um a três anos. Aproveitar-se, de qualquer modo, destas mercadorias descaminhadas no exercício de atividade comercial ou industrial, ainda que irregular ou informal, terá pena de dois a quatro anos.

Na mesma linha do que foi aprovado sobre as fraudes ao fisco e à previdência, a proposta aplica ao descaminho toda a disciplina de extinção de punibilidade, de tipicidade e de insignificância referente aos crimes tributários.

Crimes econômicos

A comissão trouxe para o texto do novo código algumas condutas previstas na Lei 8.137 (revogando seus artigos 5º e 6º) e incorporando Lei 12.529, que recém entrou em vigor. “Depois de todo o debate que houve, não teria sentido criminalizar condutas que já foram retiradas pela lei”, explicou o advogado Marcelo Leal, autor da proposta.

A formação de cartel ficou definida como “abusar do poder econômico, dominando o mercado, eliminando total ou parcialmente a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresa”. A pena será de dois a cinco anos e multa. A comissão aprovou a incorporação ao novo código de alguns dispositivos que tratam de concorrência desleal.

Telecomunicações 
Ainda houve a aprovação da redação sobre os crimes de telecomunicações. Entre eles, “exercer, desenvolver, ou utilizar clandestinamente atividade de telecomunicação ou instalar qualquer aparelho para tanto”. A pena será de um a três anos. O texto ainda favorece a situação de rádios comunitárias e prevê o agravamento da pena quando o sinal clandestino interfere na operação de aeroportos.

A comissão, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, volta a se reunir na sexta-feira (25), a partir das 9h, para apreciar propostas de alteração relativas aos crimes ambientais, patrimoniais, hediondos, militares. Ainda estão na pauta crime de intolerância, de responsabilidade e da Lei 7.805/89 (lavra de minerais), além do tema prescrição. 

Segunda Turma assegura a construtoras direito de negociar com o poder público



As construtoras OAS Ltda., Enterpa Engenharia Ltda. e Qualix Serviços Ambientais conseguiram reformar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) uma decisão que as impedia de receber benefícios creditícios ou fiscais e de contratar com o poder público pelo prazo de cinco anos.

As empresas alegaram que não cometeram ato de improbidade em aditamentos de contrato de limpeza urbana em 1995 e pediram ao STJ para afastar as sanções impostas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A questão foi julgada pela Segunda Turma.

A ação foi proposta pelo município de São Paulo e pelo Ministério Público estadual, que apontavam irregularidade nos aditamentos feitos ao Contrato 12/Limpurb/95. O MP pedia anulação dos aditamentos por má-fé, violação ao procedimento de licitação e desatenção às regras do edital, dentre outros.

A ação do Ministério Público foi movida também contra Carlos Alberto Venturelli, Paulo Gomes Machado e Alfredo Mario Savelli, diretores da Limpurb. Segundo denúncia do MP, os contratantes teriam frustrado o procedimento licitatório, incluído novos serviços e elevado o preço em 98,41% do valor original previsto na concorrência, uma diferença de mais de R$ 280 milhões.

Anulação

O pedido do Ministério Público era para que fosse anulado o segundo termo de aditamento ao contrato e, em consequência, todos os subsequentes, e para que as empresas Enterpa Engenharia, Enterpa Ambiental, atual Qualix, e Construtora OAS fossem condenadas a devolver solidariamente tudo o que receberam dos cofres municipais a partir do segundo aditamento. O pedido incluía a condenação de Paulo Gomes Machado, Carlos Alberto Venturelli e Alfredo Mário Savelli a ressarcir solidariamente os valores pagos pelo município às empresas contratadas, também a partir do segundo aditamento, respectivamente aos aditamentos que subscreveram.

Caso não fossem anulados os aditamentos a partir do segundo termo, o órgão ministerial pedia que fosse declarada a nulidade a partir do quarto aditamento, com as mesmas condenações às empresas e aos agentes públicos a partir daí.

Como alternativa à anulação dos termos aditivos, o MP solicitou que as três empresas fossem condenadas a devolver, solidariamente, tudo o que receberam dos cofres municipais acima do limite de 25% sobre o valor do primeiro aditamento, e que a Enterpa Engenharia restituísse o valor correspondente aos serviços não executados. Quanto aos diretores da Limpurb envolvidos, o pedido era para que também ressarcissem ao município, solidariamente, os valores pagos além do limite legal de 25% sobre o primeiro aditamento.

O MP requeria ainda que os três agentes públicos fossem condenados à perda da função pública e suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, além do pagamento de multa civil até duas vezes o valor do dano. Em relação às empresas, requeria que fosse declarada a perda dos bens ou valores eventualmente acrescidos de forma ilícita ao patrimônio, e que fossem multadas em até duas vezes o valor do dano e proibidas de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de cinco anos, de forma direta ou indireta.

A Segunda Turma do STJ confirmou o entendimento do TJSP de que, como não ocorreu prejuízo ao erário, não poderia ter havido a capitulação no artigo 10 da Lei de Improbidade (Lei 8.429/92). Para caracterizar o ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário (artigo 10), é necessária a efetiva lesão ao patrimônio público, o que não ficou comprovado na decisão do TJSP, embora tenha reafirmado a ilegalidade dos termos aditivos.

Improbidade

As construtoras foram condenadas em primeira instância por violar a Lei de Licitação (Lei 8.666/93) e a Lei de Improbidade Administrativa. A sentença determinou a nulidade de todos os aditamentos feitos ao contrato inicial, condenando os réus à devolução dos valores que excederam o limite legal de 25% sobre o primeiro termo de aditamento ao contrato, conforme prevê a Lei 8.666, e ao pagamento de multa. Impôs ainda a proibição de contratar com o poder público pelo prazo de cinco anos e a vedação de benefícios.

O Ministério Público, mesmo vencido em parte na origem, não interpôs apelação e o TJSP confirmou a ilegalidade dos aditivos e a má-fé na conduta dos réus, mas afastou a exigência de ressarcimento por ausência de dano ao erário e pelo fato de as construtoras terem prestado os serviços ao município. No entanto, o órgão manteve a proibição de as empresas contratarem com o poder público ou receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de cinco anos.

O ministro Mauro Campbell, autor do voto vencedor no julgamento da Segunda Turma, observou que o artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa traz o prejuízo ao erário como elemento do tipo. “A mudança da capitulação jurídica não pode se dar em sede recursal, especialmente quando o Ministério Público se conformou com o enquadramento das condutas dos réus no artigo 10 da Lei 8.429, porém é de ser mantida a decisão do TJSP que declarou ilegal todos os aditivos”, ressaltou o ministro.

Interferência política no crédito municipal é maléfica


COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS


Existe na grande maioria dos municípios brasileiros uma dura realidade: a interferência do Gestor Público Municipal na constituição no crédito tributário como se essa função lhe pertencesse. Como se fosse ele o dono todo poderoso da receita tributária, acreditando que pode determinar – ao arrepio da legislação e da Constituição Federal – quem pode e quem não pode ser tributado.
A vontade de não tributar seus eleitores com o intuito de beneficiar-se politicamente, somada ao não conhecimento do sistema tributário nacional e à carência de recursos financeiros, leva muitos Gestores Públicos a não estruturar, ainda que de forma mínima, as administrações tributárias dos municípios. Isso, muitas vezes, gera a nulidade do crédito tributário, porquanto constituído por autoridade incompetente para tanto, como se verá a seguir.
A Constituição Federal é muito rica no campo tributário. Tanto isso é verdade que, diferentemente de outros ramos do Direito, dedica-se a essa ciência de forma diferenciada, tratando da matéria com profundidade, a qual, aliás, deveria ser de conhecimento obrigatório, por qualquer pessoa que tenha algum interesse em se candidatar a um cargo eletivo. Afinal, a receita tributária é a principal fonte de sustento das Administrações Públicas e, consequentemente, a fonte maior para o suprimento das necessidades de uma população.
Ou seja, a Carta Magna deu toda essa importância à ciência do Direito Tributário porque quer que, efetivamente, o Estado faça a sua parte, aprimorando as Administrações Tributárias, a fim de que estas façam o seu melhor para a arrecadação, sempre no intuito de prover a contento o bem comum. Afinal, todos devem contribuir para o sustento de uma nação.
Neste tocante, importante citar a Emenda Constitucional 42/2003, que introduziu grandes modificações em relação às Administrações Tributárias, mormente em relação aos Auditores Tributários ou qualquer outra denominação que se queira atribuir à Autoridade Fiscal Municipal, no que se refere às questões exclusivas de lançamento tributário.
A primeira modificação importante e advinda com a minirreforma tributária comentada, é que as Autoridades Lançadoras de tributo das três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal) foram inseridas na Constituição Federal como Carreira típica de Estado e essencial ao seu funcionamento, conforme se observa do artigo 37, inciso XXII, da Constituição Federal.
E o que é efetivamente Carreira Típica de Estado? Uma verdade primeira há que ser dita: essas carreiras são diferenciadas das demais. Em primeiro lugar, deve-se entendê-las como privativas do próprio Estado, não podendo ser delegadas em hipótese alguma. Não há uma definição específica, apenas que são as atividades estatais mais importantes do Brasil, como são a dos Juízes, Promotores de Justiça, Delegados, etc, lembrando que o Auditor Fiscal Municipal está, como vimos, dentre elas.
E o que a Carreira Típica de Estado pressupõe então? Primeira e indiscutivelmente que os seus integrantes tenham se submetido a concurso público e, também, diante do alto grau de responsabilidade que esses servidores têm para o Estado, alto grau de intelectualidade. E que estejam devidamente preparados tecnicamente para assumir tal encargo, o que pressupõe, em nosso entendimento, respeitados os entendimentos contrários, graduação em nível superior.
Ora, entendemos que se trata de uma questão de lógica. Ou seja, para constituir o crédito tributário, o servidor municipal, obrigatoriamente, realiza os atos preparatórios de lançamento, os quais exigem, obviamente, conhecimentos de auditoria, contabilidade e legislação tributária, no mínimo. O que significa que a Autoridade Lançadora deve ter conhecimentos específicos para tanto, não se podendo aceitar ou ter como válido um lançamento feito por agente que tenha apenas o nível fundamental ou médio de escolaridade.
E não se diga que o município, através de lei municipal, tem total competência e autonomia para decidir acerca do grau de escolaridade do candidato ao cargo de Auditor Tributário Municipal, posto que a lei municipal é insuficiente para dar guarida a respectiva pretensão, considerando que esta legislação estaria eivada de inconstitucionalidade, porque em desconformidade com a Lei Maior e com o próprio Código Tributário Nacional.
Ainda em relação à EC 42/2003, faz-se mister salientar que os entes federados brasileiros passaram a ter, também, independência financeira em relação a investimentos na modernização das Administrações Tributárias. Assim sendo, a melhora na qualidade da Administração Tributária local não é questão de vontade do Gestor Público, mas sim de uma obrigação que lhe compete, considerando o verdadeiro sentido da destinação da receita tributária, que é o atendimento às necessidades públicas.
Tanto isso é verdade que o artigo 167, inciso IV, da Constituição Federal, também trazido ao mundo jurídico pela EC 42/2003, muito embora proíba expressamente a vinculação da receita de impostos a órgão público, fundo ou despesa, excetua, dentre outras hipóteses, especial destinação da receita de impostos às Administrações Tributárias, de forma a torná-las mais eficientes.
Muito importante frisar, igualmente, que o artigo 52, inciso XV, da Constituição Federal, também trazido ao mundo jurídico através da EC 42/2003, determina que cabe ao Senado da República, ressalte-se, como competência privativa, avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das Administrações Tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.
Transcreve-se o dispositivo em comento:
Artigo 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
(...)
XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Quanto a esse tema em particular, mister salientar, que quando o Código Magno inseriu em tópico específico esta competência privativa, é óbvio que o fez com um intuito: de o Senado verificar se, efetivamente, as Administrações Tributárias estariam funcionando de forma a arrecadar os tributos de sua competência de maneira efetiva, a fim de realizar o objetivo maior, que é o sustento de uma Nação.
Essa competência da Casa dos Estados foi inserida na Constituição Federal, ainda no ano de 2003, mas somente em 2011, mais precisamente, no dia 26 de abril de 2011, é que o Senado Federal, através da iniciativa do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), instituiu a Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional (CAESTN).
A Subcomissão acima referenciada, criada a partir do Requerimento 01/2011 de origem do gabinete do senador Aloysio Nunes, está assim composta: Presidente: Senador Aloysio Nunes Ferreira; Vice-Presidente: Senador José Pimentel (PT-CE). Membros: Marta Suplicy (PT-SP), Eduardo Braga (PMDB-AM), Luiz Henrique (PMDB-SC), Acir Gurgacz (PDT-RO), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Romero Jucá (PMDB-RR), Flexa Ribeiro (PSDB-PA).
Ocorre, entretanto, e pelo que se tem notícia, que, até o momento, nenhuma providência concreta foi determinada para garantia do cumprimento do referenciado preceito constitucional comentado. O qual exige, repita-se, que o Senado avalie periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e, bem assim, o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.
Não se pode admitir esse tipo de lacuna deixada pelo Senado. Até porque estamos falando de uma competência privativa da Casa dos Estados. Ou seja, não existe, neste caso, margem de discricionariedade, mas sim o urgente dever de agir, sob pena dessa importante Instituição estar negligenciando em sua missão maior, que, em sentido amplo, é a estabilização institucional e proteção do interesse e da coisa pública de uma Nação. Essa omissão pode dar ensejo à proposição de uma ação judicial de obrigação de fazer contra o Senado Federal, pela parte legitimada, em face do descumprimento de preceito constitucional.
Mister salientar que, em 20 de junho de 2011, após consulta por nós formulada ao Senado Federal a respeito do andamento dos trabalhos da Comissão de Avaliação do Sistema Tributário Nacional, foi-nos encaminhada resposta através da Nota Informativa 1.765, de 2011 e subscrita pelo Consultor Legislativo Roberto Barbosa de Castro, o qual se pronunciou, em síntese, dizendo que o dispositivo constitucional que trata da competência privativa do Senado Federal para avaliar o Sistema Tributário Nacional e o desempenho das Administrações Tributárias, é, PASMÉM, inócuo e decorativo.
Transcreve-se a fala do técnico da Casa dos Estados:
(...) Lamentavelmente, deve-se dizer, sim, salvo melhor juízo, que artigo 52, XV, da Constituição, introduzido pela EC42-2003, deu ao Senado apenas a competência (algo inócua e decorativa, é verdade) (...).
Data máxima vênia, não nos parece ter andado bem a Nota Informativa 1.765, de 20 de junho de 2011, quando afirma que o dispositivo constitucional insculpido no artigo 52, inciso XV, da Constituição é inócuo e decorativo. Ainda mais quando se trata de uma competência privativa, em que não se está a discutir sobre vontade de exercê-la, mas sim na obrigatoriedade de exercê-la.
No que concerne à obrigatoriedade dos municípios em estruturar as Administrações Tributárias, Roberto Barbosa de Castro enfatiza que tal providência não é possível por apresentarem os municípios brasileiros realidades diversas e, ainda, em face das dificuldades financeiras que muitos deles hoje apresentam.
Não se pode concordar com tal pensamento. O fato de os municípios terem dificuldades financeiras e apresentarem realidades diversas é irrelevante para o Sistema Tributário Nacional e seu compêndio legislativo. O lançamento tributário e suas regras rígidas não escolhem Município pobre ou Município rico. Essas regras são únicas para as três esferas de governo.  Então, se o mesmo não pode ser cumprido à risca pelos três entes tributantes, então, que se modifique o Sistema, que se modifique a Legislação, que se modifique a Constituição Federal e, se isso não for suficiente, que se rasgue esta última.
Ademais disso, importante salientar que um município não vive somente de receita própria. Aliás, em virtude dos problemas por nós apontados, muitos desses entes federados vivem praticamente das transferências constitucionais e, para isso, necessitam ao menos de uma Autoridade Fiscal. É a única que tem o conhecimento técnico necessário para dizer se esses repasses estão sendo feitos de forma correta ou ainda, se esses repasses estão sendo devidamente destinados, evitando assim, a saga da corrupção, que está assolando o país.
A Nota Informativa 1.765, de 20 de junho de 2011, num determinado momento, enfatiza, igualmente, que é no mínimo precipitada a tese de que somente o Auditor Fiscal é que pode lançar tributo.
Veja:
(...) Por outro lado, é, no mínimo, precipitada a tese de que somente o Auditor Fiscal pode lançar tributo (...)
É grave a afirmativa subscrita por tão importante Servidor do Senado Federal, quando é por demais sabido, que a única autoridade administrativa que pode constituir crédito tributário é o Auditor Fiscal, ou qualquer outra denominação que se queira atribuir a função do servidor responsável pela feitura dos lançamentos tributários, nos termos do artigo 142, do Código Tributário Nacional, sob pena, inclusive, de nulidade do lançamento, caso este seja efetuado por agente que não esteja investido nessa função específica, como comumente ocorre com o IPTU, por exemplo, em que em grande parte dos Municípios brasileiros, ainda é o Secretário da Fazenda (cargo comissionado) ou o Prefeito (agente político), que assinam o edital de lançamento, em total descompasso com a Carta Mãe e com a Legislação Tributária.
Como se pode observar, está-se diante de uma situação séria e delicada, porque várias competências constitucionais não estão sendo devidamente exercidas, o que pode dar margem para alguns Gestores Públicos transacionarem o crédito tributário da forma como melhor lhes aprouver. E é justamente nesta área que o Senado tem poder para agir, recomendando aos prefeitos que cumpram a Constituição Federal no sentido de que estes últimos estruturem as suas Administrações Tributárias.
Porque é daquela instituição a competência para avaliar o desempenho das atividades de fiscalização das Autoridades Lançadoras. Seja da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, conforme se depreende do artigo 52, inciso XV, da Constituição Federal.
Por fim, e não menos importante, existe outra forma de se fazer cumprir a Constituição Federal, mantendo-se viva, desta forma, a receita tributária municipal. Através das funções institucionais do Ministério Público Estadual. Uma das prerrogativas do parquet é justamente a defesa do patrimônio público, conforme se infere do Artigo 129, inciso III, do Código Magno.
Com efeito, esta importante instituição tem o dever de zelar pela eficiente arrecadação tributária, fiscalizando as atividades exercidas pelo Fisco municipal e averiguando se o ente federado está a arrecadar os seus tributos, nos termos exigidos pela Constituição Federal (artigo 30, inciso III) e Lei de Responsabilidade Fiscal e, finalmente, se esta arrecadação está sendo feita de forma vinculada e não discricionária.
Finalmente, vale ressaltar que é obrigação da administração pública municipal manter viva a existência mínima de uma estrutura Fazendária, a qual deve contar ao menos com uma Autoridade Fiscal, admitida nos termos das exigências pedidas pela Constituição Federal e pela Legislação Tributária. Isso considerando que essa pequena estruturação, representa a grande garantia da receita tributária municipal e, como consequência, o sucesso na prestação serviços públicos essenciais como os de educação, saúde, segurança, infraestrutura etc.
Concluindo, se o Brasil vive um momento novo, é hora de vencermos mais um ciclo, impedindo de forma veemente que haja continuidade na interferência política na constituição do crédito tributário municipal. Porque esta é uma medida que vem em prejuízo direto da própria população. E, para tanto, temos soluções jurídicas para combater essas práticas maléficas, as quais estão inseridas na Constituição Federal. É simplesmente uma questão de mudança de paradigma, que deve ser enfrentada com o conhecimento e com a coragem.
Cleide Regina Furlani Pompermaier é procuradora do município de Blumenau (SC), membro do Conselho Municipal de Contribuintes, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora universitária de Direito Tributário.

APET - Emenda reduz em 75% as multas às pequenas empresas

APET - Emenda reduz em 75% as multas às pequenas empresas

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ministro arquiva ação contra norma de Barueri



Foi arquivado pedido feito pelo governador do Distrito Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, em que argumentava ser incompatível com a Constituição Federal de 1988 uma norma do município de Barueri (SP) que fixa alíquotas muito baixas de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Para o governador, ao considerar as alíquotas das demais unidades da federação, a da cidade paulista poderia gerar a denominada “guerra fiscal”. A decisão de arquivar o pedido é do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal.
“O pano de fundo desta arguição de descumprimento de preceito fundamental é lei do município de Barueri que, na dicção do arguente, estaria a implicar a guerra fiscal”, afirmou o ministro Marco Aurélio, relator do processo. “A toda evidência, esta ação não se enquadra nos permissivos constitucional e legal”, completou.
Ele frisou que no caso não se pode sequer cogitar existência de conflito federativo, tendo em vista que a alínea “f” do inciso I do artigo 102 da Carta da República pressupõe controvérsia instaurada entre a União e os estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.
O governador sustentava que o artigo 41, da Lei Complementar 118/2002, do município de Barueri (SP) – com a redação dada pela Lei Complementar municipal 185/2007 – estaria em desacordo com o princípio federativo contido no artigo 1º, caput, da Constituição Federal 1988, e no artigo 88, inciso I do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Consta dos autos que a norma questionada, apesar de estabelecer em tese a menor alíquota constitucionalmente determinada, fixa abatimentos na base de cálculo do ISSQN, excluindo toda a despesa decorrente de impostos, além de configurar espécie de redução do valor mínimo do imposto devido.
Para o governador, a lei complementar afeta, de maneira direta e inequívoca, os interesses do Distrito Federal, porquanto, ao conferir tratamento privilegiado, representa um desfalque na arrecadação do ISSQN. Ele apontava a ocorrência de lesão ao princípio federativo, pois tal conduta resulta em enorme prejuízo ao Distrito Federal e aos demais municípios, os quais devem resguardar, ao menos, o percentual efetivo de 2%, conforme prescreve o artigo 88, inciso I do ADCT.
Assim, os procuradores do Distrito Federal pediram a concessão de liminar para suspender a eficácia do dispositivo da norma de Barueri. Argumentavam que diversos prestadores de serviço de todo o Distrito Federal estão se mudando para municípios que não obedecem ao ordenamento constitucional, trazendo inúmeros prejuízos para a economia do DF. Alegava haver os requisitos autorizadores da liminar [fumaça do bom direito e do perigo da demora], pois a ofensa ao princípio federativo seria ostensiva, devendo o Poder Judiciário afastá-la de forma imediata.
ADPF 189
Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2011

Aumento de ICMS de bebida e cigarro é inconstitucional



Em matéria tributária, a Constituição de 1988 assinala para a lei complementar os seguintes papéis (artigo 146[1]):
a) emitir normas gerais de Direito Tributário;
b) resolver conflitos de competência;
c) regular limitação ao poder de tributar;
d) fazer atuar certos ditos constitucionais.
Os três primeiros são genéricos, o quarto é tópico. Caso a caso, a Constituição determina a utilização da lei complementar. Podemos dizer, em outras palavras, que a utilização da lei complementar não é decidida pelo Poder Legislativo. Ao contrário, a sua utilização é predeterminada pela Constituição. As matérias sob reserva de lei complementar são aquelas expressamente previstas pelo constituinte (âmbito de validade material, predeterminado constitucionalmente).
O assunto convoca necessariamente alguma explicação sobre a ordem jurídica dos Estados federativos. Em que pesem as particularidades dos vários Estados Federais existentes, um fundamento é intrinsecamente comum a todos eles, a existência, ou melhor, a coexistência de ordens jurídicas parciais sob a proteção da Constituição.
No Brasil existem três ordens jurídicas parciais, que subordinadas pela ordem jurídica constitucional formam a ordem jurídica nacional. As ordens jurídicas parciais são a federal, a estadual e a municipal, pois tanto a União, como os Estados e os Municípios possuem autogoverno e produzem normas jurídicas. Juntas, estas ordens jurídicas formam a ordem jurídica total sob o império da Constituição, fundamento do Estado e do Direito. A lei complementar é nacional e, pois, subordina as ordens jurídicas parciais.
A lei complementar na forma e no conteúdo só é contrastável com a Constituição (o teste de constitucionalidade se faz em relação à Superlei) e, por isso, pode apenas adentrar área material que lhe esteja expressamente reservada. Se porventura cuidar de matéria reservada às pessoas políticas periféricas (Estado e Município), não terá valência. Se penetrar, noutro giro, competência estadual ou municipal, provocará inconstitucionalidade, por invasão de competência. Se regular matéria da competência da União reservada à lei ordinária, ao invés de inconstitucionalidade incorre em queda de status, pois terá valência de simples lei ordinária federal. Abrem-se ensanchas ao brocardo processual ‘nenhuma nulidade, sem prejuízo’, por causa do princípio da economia processual, tendo em vista a identidade do órgão legislativo emitente da lei.
Fácil perceber a impropriedade de se falar em lei complementar tributária estadual. Isto porque, no âmbito da competência do Estado membro não há que se falar em conflito de competência do Estado com ele próprio; também não há que se admitir lei complementar estadual regular limitações ao poder de tributar (princípios e imunidades); e, por fim, haveria total inconsistência lógica imaginar que uma lei complementar estadual pudesse emitir normas gerais dirigida para o próprio legislador estadual cumprir. Em suma, em matéria tributária, toda lei complementar estadual é materialmente uma lei ordinária.
Da repartição de competência constitucional em relação aos impostos sobre o consumo.
A tributação do consumo no Brasil é repartida entre a União que tributa o comércio de produtos industrializados por meio do IPI, os Estados que tributam o comércio das mercadorias em geral pelo ICMS e os municípios que tributam a prestação de serviços pelo ISSQN.
Esta tripla competência para se tributar o consumo no Brasil sempre foi fator de problemas no sistema tributário. Nos moldes do IVA europeu o ideal é que se concentrasse na União e em um único imposto a tributação do consumo, mas o fato é que aqui não é assim e sabe-se das dificuldades de ordem política de se fazer uma reforma tributária que mexa, de fato, na estrutura do nosso sistema.
Desde a Emenda 18/65, juristas e economistas tentam tomar como modelo para o ICM, hoje ICMS, o modelo dos impostos europeus sobre valores agregados ou acrescidos. Duas aporias se apresentaram naquela época. A primeira, a realidade de que tais impostos, nos países europeus, davam-se em nações de organização unitária, onde inexistiam Estados-Membros, e, quando assim não fosse, a competência para operá-los ficava sempre em mãos do Poder Central. A segunda, a constatação de que no Brasil, Estado Federativo, os Estados-Membros estavam acostumados a tributar o comércio de mercadorias (IVC), a União, a produção de mercadorias industrializadas (imposto de consumo), e os Municípios, os serviços (indústrias e profissões).
Ora, estas duas dificuldades atrapalharam as idéias reformistas e modernizantes. Temeu-se que as pessoas políticas, traumatizadas pela reforma tributária em gestação, demorassem a se adaptar à nova estrutura e, em consequência, sofressem dramáticas perdas de receitas. A solução ficou no meio-termo, com um imposto não cumulativo convivendo com outros dois impostos sobre o consumo de competência da União e dos Municípios. E estas anomalias foram mantidas pela Constituição de 1988. Mais uma vez as proposições dos juristas nacionais, amparadas pela vivência de 23 anos de existência do ICM não foram aceitas. Ao invés de se englobar em um mesmo imposto o ICM, o IPI e o ISS, criaram o ICMS que passou a tributar alguns serviços, além das operações com energia elétrica, combustíveis e minerais.
O mais grave desta realidade nem está na tributação tripartida entre União, Estados e Municípios, mas no fato de 26 Estados mais o Distrito Federal terem competência para instituir o mesmo imposto, ICMS, cuja incidência sobre as operações com mercadoria repercute além dos territórios estaduais, tendo incontestável perfil nacional.
A Constituição de 1988 não se ocupou de nenhum imposto como o fez em relação ao ICMS. São dezenas de dispositivos arrolados dentro do extenso artigo 155, dentre os quais, daremos destaque àqueles que se preocupam em dar tratamento harmônico ao imposto.
Primeiramente, atribui-se importante papel ao Senado Federal, que em um sistema bicameral representa os Estados, para fixar as alíquotas do imposto nas operações interestaduais por meio de Resolução (artigo 155, §2º, IV), conferindo-lhe ainda a faculdade de fixar as alíquotas mínimas e máximas das operações internas. (artigo 155, §2º, V). Na ausência de Resolução que fixe as alíquotas mínimas, estas não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais. (artigo 155, §2º, VI[2]).
Em suma, em relação às alíquotas das operações interestaduais, cabe ao Senado e não aos Estados defini-las. Em relação à fixação das alíquotas para as operações internas (que também se aplicam às operações interestaduais cujo destinatário seja não-contribuinte), os Estados devem observar obrigatoriamente o parâmetro estabelecido pelo Senado por meio de uma resolução específica, ou na sua falta, deverão tomar como alíquota interna mínima aquela fixada pelo Senado para as operações interestaduais. Atualmente, a Resolução 22/89 fixa em 12% (doze por cento) para as operações interestaduais em geral, e em 7% para as operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo.
Se o desrespeito às alíquotas mínimas é a principal ferramenta da guerra fiscal, uma alíquota interna extremamente elevada causa também distorções no sistema, como se pode verificar com a recente Lei Complementar 460/2011, do Estado do Mato Grosso que elevou a sua alíquota máxima do ICMS para 35%, acrescido de mais 2% para o fundo estadual de combate a pobreza.
Fragilidades da lei complementar 460/2011.
Em 26 de dezembro de 2011 foi publicada a Lei Complementar 460/2011, do Estado do Mato Grosso que aumentou a alíquota do ICMS para 35% de vários setores como embarcações, bebidas, cigarros e fumos, jóias, cosméticos e perfumes. A mesma lei complementar criou ainda o FECOP — Fundo estadual de combate à pobreza — instituindo um adicional de 2% na alíquota do ICMS e vinculou parte da receita do ICMS (o percentual da alíquota aumentada que ultrapassar 25%) ao referido Fundo[3].
A Lei Complementar 460/2011 incorreu em vários equívocos, a começar pelo seu aspecto formal, que deveria ser lei ordinária, por tratar de matéria de lei ordinária. Parece-nos que a razão de ser lei complementar é apenas para destacar a importância que o legislador quis dar à matéria por ela tratada, mas como vimos anteriormente, esta gradação não é de competência do legislador, mas da Constituição.
Outro problema é o da vinculação de parte substancial da receita do ICMS a um fundo específico, FECOP (Fundo Especial de Combate à Pobreza), contrariando a Constituição que veda expressamente (artigo 167, IV[4]) a vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa. A exceção é o percentual de 2% a fundo de pobreza[5]. Na comentada lei complementar, a vinculação é de 12%.
Inclusive, essa vinculação nos dá a impressão de que o legislador estadual pretendeu afastar das novas receitas a regra contida no artigo 158, IV[6], da Constituição, que destina 25% da arrecadação do ICMS aos entes municipais. Isso porque o artigo 82, §1º, do ADCT, ao permitir que os Estados criem adicional de até 2% na alíquota do ICMS para instituição de fundos de pobreza, é expresso no sentido de que o comando do artigo 158, IV não será aplicado sobre esse percentual.
Caso esse tenha sido o objetivo do legislador, e, admitindo-se que não houvesse restrição à vinculação de receitas de impostos, ainda assim tal dispositivo da Lei Complementar 460/2011 não produziria o efeito esperado, já que o ADCT deixou mais do que claro que a inaplicabilidade da regra do artigo 158, IV é específica para o adicional de até 2% destinado aos fundos de pobreza.
Além do mais, note-se que a elevadíssima alíquota de 35% acrescida de 2%, apesar de ser justificada por pseudo política extra fiscal, fere a neutralidade fiscal por estar em descompasso com as alíquotas sobre as mesmas mercadorias de outros Estados Membros, podendo ainda incrementar o mercado ilegal dos produtos cuja tributação foi majorada de modo desarrazoado e desproporcional.
Em síntese, o equilíbrio fiscal que se deve buscar pela uniformização das alíquotas sofre um duro golpe seja pelas políticas incentivatórias que promovem desonerações e reduções de alíquotas, bem como seletividade e extrafiscalidade que leva a aumentos descabidos do imposto.

[1] “Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.”
[2] “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
(...)
§2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação.
V - é facultado ao Senado Federal:
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais.”
[3] “Art. 1º Acresce o inciso IV ao Art. 5º Lei Complementar nº 144, de 22 de dezembro de 2003:
‘Artigo 5º (...)
(...)
IV - do adicional de 2% (dois por cento) às alíquotas previstas nos incisos V e IX, Art. 14 da Lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 2008.’
Art. 2º Acresce o inciso IX e X ao Art. 14 da Lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 1998 com a seguinte redação:
‘Artigo 14. (...)
(...)
IX - 35% (trinta e cinco por cento) nas operações internas e de importação, realizadas com as mercadorias segundo a Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado (NBM/SH), a seguir indicadas:
a) armas e munições, suas partes e acessórios, classificados no capítulo 93;
b) embarcações de esporte e de recreação, classificadas no código 8903;
c) bebidas classificadas nos códigos 2203, 2204, 2205, 2206, 2207 e 2208;
d) cigarro, fumo e seus derivados, classificados no capítulo 24;
e) jóias classificadas nos códigos 7113 a 7116;
f) cosméticos e perfumes classificados nos códigos 3303, 3304, 3305 e 3307.
X - O percentual da alíquota prevista no inciso IX que ultrapassar 25% (vinte e cinco por cento), serão destinados ao Fundo Estadual de Combate a Pobreza’."
[4] “Art. 167. São vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”.
[5] Confira-se a redação do art. 82, §1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
“Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil.
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.”
[6] “Art. 158. Pertencem aos Municípios:
(...)
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.”
Sacha Calmon é advogado tributarista, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.
Eduardo Maneira é advogado, doutor em Direito Tributário, mestre em Direito Constitucional, professor adjunto de Direito Financeiro e Tributário da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, membro-fundador e secretário-geral da Associação Brasileira de Direito Tributário e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, responsável pela sede no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2012