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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Reforma tributária não se faz com conversa mole



Caricatura: Raul Haidar - Colunista [Spacca]Faz quase um ano que a ministra Ideli Salvatti (Secretaria de Relações Institucionais) anunciou que seria encaminhada ao Congresso uma proposta de reforma tributária “fatiada”, ou seja, onde o sistema tributário seria revisto em diversas etapas.
Essa afirmação deu alguma esperança aos contribuintes que se sentem vítimas de um sistema injusto e falho, pois a ministra falava em nome do governo no primeiro ano do mandato, quando todos podíamos confiar que o compromisso seria levado a sério.
Infelizmente, mais uma vez acreditamos em conversa mole. Ainda que as questões sejam mencionadas de vez em quando, tudo não passa de ilusão.
Até as girafas do zoológico já sabem que temos urgente necessidade de mudar nosso sistema tributário, para resolvermos três grandes problemas:
a) carga tributária que inibe investimentos, onerando de forma mais intensa os contribuintes de menor capacidade econômica e incentivando a sonegação;
b) burocracia fiscal complexa, gerando custos elevados e possibilitando erros que prejudicam o cumprimento das obrigações acessórias, sujeitando-as a multas; e
c) insegurança jurídica que gera contenciosos de grande vulto, colocando em risco as empresas e onerando-as com elevados custos indiretos.
A possibilidade de uma reforma “fatiada” talvez seja a melhor solução. Mas já se passaram dezoito meses do mandato presidencial e nada vimos nesse sentido.
As eventuais reduções do IPI, por exemplo, ainda que estimulem periodicamente o consumo de alguns produtos e gerem resultados positivos em certos setores do comércio, não promovem uma melhoria sólida e expressiva na economia do país. Parece pouco provável que quem comprou o carro novo neste ano venha a trocá-lo no próximo. A família que hoje comprou uma geladeira ficará com ela durante um bom tempo.
Enfim, essas reduções de imposto resolvem um problema localizado, mas não reformam nada. O sistema tributário continua uma porcaria.
Se existe um interesse em reformar mesmo, enfrentando os três grandes problemas (carga elevada, burocracia complexa e insegurança) temos que ser um pouco mais criativos e sobretudo tomar atitudes, fazer o que tem de ser feito. Agir, não apenas falar!
Já mencionamos, no primeiro artigo desta série em 27 de junho de 2011, que a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) discutiu em um de seus congressos a proposta de extinção de dois impostos: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ISS (Imposto Municipal sobre Serviços).
Com essa proposta, a tributação indireta sobre consumo ficaria sujeita tão somente ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), os municípios mantendo sua participação na arrecadação daquele imposto.
Além disso, há mais de trinta anos se discute a fusão do IPI com o ICMS, acabando com essa monstruosidade que é a existência de dois impostos sobre o consumo com duas competências diferentes.
Claro que isso tudo é um pouco complicado, pois depende de emendas constitucionais. Mas nossa Constituição já tem muitas emendas, provando-se que isso não é impossível.
Hoje, ainda se discute a questão da chamada guerra fiscal, pretendendo que os incentivos só possam ser criados de forma unânime pelos membros do Confaz.
Mas enquanto não se faz a reforma e enquanto não se regula a decisão do STF sobre a questão da guerra fiscal, surgem novos incentivos, que poderão gerar novos conflitos. O mais recente cuida de R$ 10,7 bilhões que o governo do estado do Rio está concedendo à Nissan e à PSA (Citroen/Peugeot) para instalação de fábricas. Tal valor refere-se a financiamento de 80% do ICMS, que poderá ser pago em até 50 anos. Não nos parece que tal incentivo possa ser vedado.
Embora a Receita Federal tenha criado o CNPJ como sendo um cadastro único para substituir as inscrições estaduais e municipais, essa conversa mole ficou só no papel, pois as empresas ainda continuam perdendo tempo e dinheiro nas filas das repartições ou mesmo com medidas arbitrárias que os fiscais adotam em relação à regularidade desses cadastros. Ou seja: no quesito da burocracia, nada mudou a não ser para bem pior.
No que respeita à segurança jurídica, a coisa está piorando. Qualquer cidadão ou contribuinte precisa ter uma ideia de como decidirá o órgão de julgamento, seja administrativo ou judicial, quando tiver algum contencioso.
Já vimos que nem mesmo o STJ e o STF adotam decisões seguras, que se perpetuam no tempo. Hoje, súmulas já não representam uma segurança que nos dê tranquilidade numa causa qualquer. Mas ficou pior, pois até o órgão de julgamento administrativo do município acha-se no direito de adotar súmulas. Talvez em breve esses julgadores resolvam adotar togas de seda e exijam ser tratados de excelência!
Como cidadãos, temos o dever cívico de acreditar na presidente. Ela também já disse que a reforma tributária é necessária. Diante disso, vamos esperar que isso saia do campo da conversa e se transporte para o terreno do Congresso Nacional. A reforma tributária precisa ser feita com urgência. Isso não se faz só com conversa.
Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 18 de junho de 2012