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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Atos secretos tiram a legitimidade do poder público



Calígula, segundo Manoel Antônio de Almeida, “um dos tiranos mais insensatos e engenhosos da antiga Roma, para evitar que os cidadãos conhecessem as Leis, ordenava que as respectivas taboas fossem penduradas no ponto o mais alto”[1].
Muitos séculos já se passaram do período cujos atos do poder público não eram proclamados, difundidos ou publicados a fim de que ninguém tomasse conhecimento.
O princípio da publicidade das atividades públicas, interligado ao direito à informação exige como regra que os atos estatais, administrativos, legislativos ou judiciais tenham exposição clara tanto aos interessados quanto ao público em geral.
O direito à informação e à publicidade dos atos, conquistas cidadãs na luta em prol da liberdade individual e das garantias civis e políticas, receberam da Constituição e das leis o aval necessário para fortalecimento do Estado democrático de Direito, como se pode exemplificar com a recente lei do acesso à informação (Lei 12.527/2011, que inclusive possibilitou a medida de divulgação dos salários dos funcionários).
É dever do agente público — administrador, legislador ou juiz — ser transparente no exercício de suas condutas, cujos atos interessam à comunidade. Todo cidadão tem o direito de saber o que se passa no Congresso Nacional e nas demais Casas legislativas, nos tribunais e na Administração, e nada que seja produzido pelo Poder Público, salvo exceções legítimas e justificadas, pode deixar de passar pelo olhar crítico do povo, que paga os impostos e que tem o direito de conhecer a atuação do Estado.
Quanto aos atos judiciais, é conhecida a afirmação do revolucionário francês Mirabeau, que dizia não temer ser julgado por um juiz venal e parcial, desde que fosse perante o público. Segundo a nossa Constituição, todos os julgamentos devem ser levados a conhecimento das partes e de terceiros, com exceção daqueles necessários para preservar a intimidade das pessoas, nos processos de Direito de Família, por exemplo, ou daqueles em que outro interesse maior requeira o sigilo.
A atividade legislativa também precisa ser transparente, sendo vedados atos secretos do parlamentar e administrativos da Direção das Casas Legislativas, desde os do Congresso Nacional até os das Câmaras de Vereadores.
O Poder Executivo deve seguir o princípio da publicidade em procedimentos licitatórios, disciplinares e em geral, dando a devida informação e prestando contas aos órgãos de controle e à sociedade.
Nenhum ato estatal pode ser secreto, salvo exceções fundadas na Constituição. A publicidade constitui útil requisito para um processo administrativo ou judicial escorreito e claro, mesmo porque atitudes obscuras podem camuflar arbítrios, desvio de finalidade ou abusos dos agentes estatais.
Publicidade rima e se afina com moralidade, salvaguarda a ética, recusa condutas governamentais ardilosas e faz com que os administrados, o jurisdicionado e povo possam conhecer e se utilizar dos benefícios e das restrições das atividades públicas, e realizar e exigir os seus direitos constitucionais e legais, alta expressão da democracia. Trata-se de garantia fundamental para o controle judicial e para a afirmação do Poder legítimo e democrático, por isso é imperioso que o ato seja adequadamente motivado e conhecido não apenas pelos seus destinatários, mas por toda a sociedade, que controla o Poder.
O dever de dar a adequada publicidade e de dar a devida informação das atividades estatais contribui para a cidadania, e a transgressão à regra a esse postulado configura manifesto risco ao Estado de Direito.
Para o mesmo Manoel Antônio de Almeida antes citado, “leis confusas e numerosas por colecionar, ou imprimir, e ainda em Coleções difíceis de possuir e de consultar, satisfazem com mais eficácia o ideal daquele monstro” [Calígula]. E não apenas leis confusas, mas atos secretos, administrativos, legislativos ou judiciais, se não amparados nas exceções constitucionais e legais, violam escandalosamente o princípio constitucional da publicidade dos atos estatais e do direito constitucional à informação.

[1] Prólogo às Ordenações Filipinas, Livro III. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d. Reprodução fac simile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, em 1870, p. 6.
Vallisney de Souza Oliveira é juiz federal em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2012