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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Penal e Tributário - Eficácia do pagamento


Eficácia penal de pagamento de tributo é controversa

Retomando o critério do revogado artigo 14 da Lei 8.137/1990, o artigo 34 da Lei 9.249/1995 determinou a extinção da punibilidade do contribuinte em caso de pagamento antes do recebimento da denúncia. Embora a lei se referisse apenas a pagamento, a jurisprudência estendeu a regra também para o parcelamento (RHC 18.476, STJ, 5ª T.).
Um ano depois, o artigo 83 da Lei 9.430/1996 disciplinou a relação entre os processos penal e administrativo fiscal, dispondo que aquele só pode iniciar após o encerramento deste.
O parágrafo único do artigo trouxe, ainda, regra de direito intertemporal, determinando que a eficácia penal do pagamento, prevista na Lei  9.249/1995, aplicava-se aos processos administrativos em curso, desde que não ainda recebida a denúncia pelo juiz criminal.
As Leis 9.249/1995 e 9.430/1996 se conciliavam bem e, juntas, propiciavam uma situação de grande segurança jurídica: como a ação penal devia aguardar o lançamento definitivo (Lei 9.430) e como o pagamento era eficaz até o início da ação penal (Lei 9.249),  o contribuinte tinha a tranquilidade de poder aguardar o desfecho de sua impugnação administrativa, sem correr o risco de perder a eficácia penal do pagamento.
Com razão, Hugo de Brito Machado afirma que essa era a melhor opção de política legislativa, pois respeitava o processo administrativo e mantinha a ação penal como  meio  de estímulo ao pagamento, sem, porém, desmoralizá-la (“A extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes tributários e a Lei 12.382/2011”, RDDT nº 202/70).
Pois a Lei 10.684/2003 veio precisamente desmoralizar a ação penal, prevendo, no artigo 9º, que o parcelamento a qualquer tempo suspendia a punibilidade, e o seu adimplemento integral a extinguia. Embora a lei referisse apenas ao parcelamento, a jurisprudência estendeu igual eficácia ao pagamento (TRF 2ª Região, 2ª T., HC 2008.02.01.017416-9), pois obviamente não faria sentido o pagamento parcial a qualquer tempo extinguir a punibilidade e, o pagamento integral, não.
Assim, a Lei 10.684/2003 trouxe a um só tempo duas novidades muito vantajosas ao contribuinte: (i) estender a eficácia penal ao parcelamento, e não apenas ao pagamento (confirmando a jurisprudência já prevalecente) e (ii) acabar com qualquer limitação temporal para a eficácia penal do pagamento/parcelamento.
Curiosamente, em um aspecto a Lei 10.684/2003 piorou a situação do contribuinte. Como já dito, a jurisprudência estendia ao parcelamento a eficácia extintiva da punibilidade prevista pela Lei 9.249/1995 ao pagamento. Com a Lei 10.684/2003, os tribunais passaram a entender que o parcelamento não mais extingue a punibilidade, mas tão somente a suspende, devendo a ação penal ser sobrestada até a notícia do seu integral cumprimento (TRF 4ª Região, 8ª T., RSE 2007.70.01.000258-0).
O fato é que, ao suprimir freios temporais à eficácia penal do pagamento, o artigo 9º da Lei 10.684/2003 induvidosamente revogou tacitamente o artigo 34 da Lei nº 9.249/1995 e, por tabela, o parágrafo único do artigo 83 Lei 9.430/1996, que a ele fazia referência.
Em dezembro de 2009, o STF editou a Súmula Vinculante 24, que consolidou a regra do artigo 83, caput da Lei nº 9.430/1996: só se pode cogitar ação penal após o encerramento do processo administrativo fiscal.
A situação estava assim estabilizada quando o artigo 6º da Lei 12.382/2011 introduziu cinco novos parágrafos ao artigo 83 da Lei 9.430/1996, e renumerou parágrafo único então vigente.
Alterando a norma do artigo 9º da Lei 10.684, o novo parágrafo 2º do artigo 83 da Lei 9.430/1996 limitou a eficácia penal do parcelamento ao momento do recebimento da denúncia.
Já em relação à eficácia penal do pagamento, há controvérsia. É que o parágrafo único do artigo 83 da Lei 9.430/1996 foi “ressuscitado” pela Lei 12.382/2011, que renumerou-o como parágrafo 6º. Sucede que esse dispositivo já estava tacitamente revogado pela Lei 10.684/2003, que liberara a eficácia penal do pagamento de qualquer limitação temporal.
Fica então a dúvida: o novo parágrafo 6º do artigo 83 da Lei 9.430/1996 é mera remuneração inútil de dispositivo revogado, fruto de formalismo desatento do legislador, e sem nenhuma inovação no ordenamento, ou é regra nova que repristina os efeitos do artigo 34 da Lei 9.249/1996 e reintroduz limites temporais à eficácia penal do pagamento?
O dilema é bem percebido por Hugo de Brito Machado:
“Quem pretender sustentar que ocorreu nova alteração da disciplina do pagamento como causa de extinção da punibilidade, dirá que o parágrafo 6º do artigo 83 da Lei nº 9.430/96 é uma regra nova, que revoga a regra que consagrara a extinção da punibilidade pelo pagamento feito a qualquer tempo. Em sentido oposto, quem pretender sustentar que não ocorreu tal revogação, dirá que a Lei nº 12.382, ao se reportar ao parágrafo 6º do artigo 83 da Lei nº 9.430/96, não alterou a regra do parágrafo 2º do artigo 9º da Lei nº 10.684/03 porque a ela não fez nenhuma referência, nem explícita nem implícita” (op. cit., p. 72).
O ilustre tributarista defende que o ponto deve-se resolver favoravelmente ao contribuinte em razão do in dubio pro reo, isto é, ante a dificuldade hermenêutica causada pelo legislador, deve prevalecer a interpretação (mais favorável) de que o parágrafo 6º não revogou o artigo 9º da Lei 10.684, persistindo, pois, a eficácia penal do pagamento a qualquer tempo.
Ousamos divergir. A nosso ver, a chave interpretativa reside no novo parágrafo 2º do artigo 83 da Lei 9.430/1996, que limita a eficácia penal do parcelamento. Lembremos que a Lei 10.684 não se referiu ao pagamento, mas apenas ao parcelamento. O “pagamento” referido no parágrafo 2º do artigo 9º dessa lei nitidamente refere-se ao cumprimento do parcelamento tratado no caput, afinal o objeto normativo do parágrafo deve relacionar-se ao objeto normativo do caput. A sintonia entre caput e parágrafo é inequívoca: aquele fala em “suspensão” e “adesão ao parcelamento”, enquanto este fala em “extinção” e “pagamento” (leia-se, cumprimento do parcelamento).
A extensão da disciplina do artigo 9º ao pagamento (leia-se, pagamento sem prévia adesão a parcelamento) foi uma iniciativa —de todo razoável— da jurisprudência, com fundamento na máxima “quem pode o mais, pode o menos”.
Ora, se o artigo 9º da Lei 10.684/2003 só se aplicava ao pagamento porque se referia ao parcelamento, e se, agora, por força do parágrafo 2º do artigo 83 da Lei 9.430/1996, ele não se aplica mais ao parcelamento —é dizer, está revogado para o parcelamento—, não faz sentido que continue valendo para o pagamento, que sequer era o seu objeto regulatório original.
Não há, até aqui, jurisprudência firme acerca do alcance da ainda recente Lei 12.382/2011.
Por ocasião do julgamento do HC 108.037, o STF mitigou —para não dizer sepultou— o alcance da Súmula Vinculante 24, decidindo que a necessidade de aguardar o encerramento do processo administrativo para iniciar a Ação Penal deve ser analisada “caso a caso”. Na hipótese daqueles autos, o STF entendeu desnecessário o término do processo administrativo em razão de já haver dados e fatos suficientes ao recebimento da denúncia (movimentação de valores em c/c muito superiores aos declarados em DIRPF).
Em resumo:
(a) a Súmula Vinculante 24 consolida o encerramento do processo administrativo fiscal como condição de propositura da ação penal, mas o STF recentemente fez o favor de afastar essa condição segundo o perigoso critério do “caso a caso”, por ocasião do HC 108.037;
(b) o parcelamento do débito suspende a punibilidade desde que requerido antes do recebimento da denúncia, conforme o novo parágrafo 2º do artigo 83 da Lei 9.430/1996, introduzido pela Lei 12.382/2011;
(c) há controvérsia sobre a eficácia penal do pagamento efetuado após o recebimento da denúncia, a depender da interpretação que se dê ao parágrafo 6º do artigo 83 da Lei 9.430/1996, renumerado pela Lei 12.382/2011.
Enfim, após mais de duas décadas de intensa produção legislativa e jurisprudencial acerca do tema, é lamentável constatar que remanescem mais dúvidas que certezas...

Paulo Roberto Andrade é advogado, mestre em direito tributário pela USP e sócio do escritório Tranchesi Ortiz, Andrade e Zamariola Advocacia.
Revista Consultor Jurídico, 5 de novembro de 2012