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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

INFORMATIVO 524 DO STJ - IMPORTANTE

Primeira Seção
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA, POR DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DA MATRIZ, DE VALORES DEPOSITADOS EM NOME DE FILIAIS. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
Os valores depositados em nome das filiais estão sujeitos à penhora por dívidas tributárias da matriz. De início, cabe ressaltar que, no âmbito do direito privado, cujos princípios gerais, à luz do art. 109 do CTN, são informadores para a definição dos institutos de direito tributário, a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando os mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina majoritária, em uma universalidade de fato, não ostenta personalidade jurídica própria, nem é sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento para o exercício da atividade empresarial. Nesse contexto, a discriminação do patrimônio da sociedade empresária mediante a criação de filiais não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder, com todo o ativo do patrimônio social, por suas dívidas à luz da regra de direito processual prevista no art. 591 do CPC, segundo a qual "o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei". Cumpre esclarecer, por oportuno, que o princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo conteúdo normativo preceitua que estes devem ser considerados, na forma da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e independentes nas relações jurídico-tributárias travadas com a administração fiscal, é um instituto de direito material ligado ao nascimento da obrigação tributária de cada imposto especificamente considerado e não tem relação com a responsabilidade patrimonial dos devedores, prevista em um regramento de direito processual, ou com os limites da responsabilidade dos bens da empresa e dos sócios definidos no direito empresarial. Além disso, a obrigação de que cada estabelecimento se inscreva com número próprio no CNPJ tem especial relevância para a atividade fiscalizatória da administração tributária, não afastando a unidade patrimonial da empresa, cabendo ressaltar que a inscrição da filial no CNPJ é derivada da inscrição do CNPJ da matriz. Diante do exposto, limitar a satisfação do crédito público, notadamente do crédito tributário, a somente o patrimônio do estabelecimento que participou da situação caracterizada como fato gerador é adotar interpretação absurda e odiosa. Absurda porque não se concilia, por exemplo, com a cobrança dos créditos em uma situação de falência, em que todos os bens da pessoa jurídica (todos os estabelecimentos) são arrecadados para pagamento dos credores; com a possibilidade de responsabilidade contratual subsidiária dos sócios pelas obrigações da sociedade como um todo (arts. 1.023, 1.024, 1.039, 1.045, 1.052 e 1.088 do CC); ou com a administração de todos os estabelecimentos da sociedade pelos mesmos órgãos de deliberação, direção, gerência e fiscalização. Odiosa porque, por princípio, o credor privado não pode ter mais privilégios que o credor público, salvo exceções legalmente expressas e justificáveis. REsp 1.355.812-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/5/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO EM RAZÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA.
O segurado da Previdência Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC) a qual tenha sido posteriormente revogada. Historicamente, a jurisprudência do STJ, com fundamento no princípio da irrepetibilidade dos alimentos, tem isentado os segurados do RGPS da obrigação de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente tenha sido revogada. Já os julgados que cuidam da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluíram para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida na situação. Nestes casos, o elemento que evidencia a boa-fé objetiva consiste na legítima confiança ou justificada expectativa de que os valores recebidos sejam legais e de que passem a integrar definitivamente o seu patrimônio. Nas hipóteses de benefícios previdenciários oriundos de antecipação de tutela, não há dúvida de que existe boa-fé subjetiva, pois, enquanto o segurado recebe os benefícios, há legitimidade jurídica, apesar de precária. Do ponto de vista objetivo, todavia, não há expectativa de definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não podendo o titular do direito precário pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. Efetivamente, não há legitimidade jurídica para o segurado presumir que não terá de devolver os valores recebidos, até porque, invariavelmente, está o jurisdicionado assistido por advogado e, conforme o disposto no art. 3º da LINDB — segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece —, deve estar ciente da precariedade do provimento judicial que lhe é favorável e da contraposição da autarquia previdenciária quanto ao mérito. Ademais, em uma escala axiológica, evidencia-se a desproporcionalidade da hipótese analisada em relação aos casos em que o próprio segurado pode tomar empréstimos de instituição financeira e consignar descontos em folha, isto é, o erário "empresta" — via antecipação de tutela posteriormente cassada — ao segurado e não pode cobrar sequer o principal. Já as instituições financeiras emprestam e recebem, mediante desconto em folha, não somente o principal como também os juros remuneratórios. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.



DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. FORMA DE DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO EM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA.
Na devolução de benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC) a qual tenha sido posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; e b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito. Isso porque o caráter alimentar dos benefícios previdenciários está ligado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de forma que as imposições obrigacionais sobre os respectivos proventos não podem comprometer o sustento do segurado. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.
 
Primeira Turma
DIREITO ADMINISTRATIVO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O INTERESSE PÚBLICO.
É ilegal o ato administrativo que determine a exclusão de candidato já emancipado e a menos de dez dias de completar a idade mínima de 18 anos exigida em edital de concurso público para oficial da Polícia Militar, por este não haver atingido a referida idade na data da matrícula do curso de formação, ainda que lei complementar estadual estabeleça essa mesma idade como sendo a mínima necessária para o ingresso na carreira. Nessa situação, ocorre ofensa aos princípios da razoabilidade e da interpretação conforme o interesse público. De fato, estabelece o art. 2º, parágrafo único, da Lei 9.784/1999 que nos processos administrativos devem ser observados, entre outros, os critérios da “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (VI) e da “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação” (XIII). Nesse contexto, com a interpretação então conferida, o administrador, a pretexto de cumprir a lei, terminou por violá-la, pois, com o ato praticado, desconsiderou a adequação entre meios e fins, impôs restrição em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse e, além disso, deixou de interpretar a lei da maneira que garantisse mais efetivamente o atendimento do fim público a que se dirige. RMS 36.422-MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 28/5/2013.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NO CADIN POR DÉBITOS DE OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE RELATIVOS AO NÃO RESSARCIMENTO DE VALORES AO SUS.
As operadoras de plano de saúde que estejam em débito quanto ao ressarcimento de valores devidos ao SUS podem, em razão da inadimplência, ser inscritas no Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (Cadin). Isso porque as referidas quantias não se enquadram na ressalva contida no § 8º do art. 2º da Lei 10.522/2002, de acordo com a qual os débitos referentes a “preços de serviços públicos” ou “operações financeiras que não envolvam recursos orçamentários" não podem ser inscritos no cadastro. Precedente citado: AgRg no REsp 841.509-RJ, Segunda Turma, DJ 21/8/2009. AgRg no AREsp 307.233-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 6/6/2013.

 

Segunda Turma
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONVALIDAÇÃO DE VÍCIO DE COMPETÊNCIA EM PROCESSO LICITATÓRIO.
Não deve ser reconhecida a nulidade em processo licitatório na hipótese em que, a despeito de recurso administrativo ter sido julgado por autoridade incompetente, tenha havido a posterior homologação de todo o certame pela autoridade competente. Isso porque o julgamento de recurso por autoridade incompetente não é, por si só, bastante para acarretar a nulidade do ato e dos demais subsequentes, tendo em vista o saneamento da irregularidade por meio da homologação do procedimento licitatório pela autoridade competente. Com efeito, o ato de homologação supõe prévia e detalhada análise de todo o procedimento, atestando a legalidade dos atos praticados, bem como a conveniência de ser mantida a licitação. Ademais, o vício relativo ao sujeito — competência — pode ser convalidado pela autoridade superior quando não se tratar de competência exclusiva. REsp 1.348.472-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 21/5/2013.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO NAS FORÇAS ARMADAS PARA O FIM DE APOSENTADORIA ESPECIAL.
Não é possível computar, para a concessão da aposentadoria especial prevista no art. 1º da LC 51⁄1985, o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas. Observe-se, inicialmente, que a Administração está adstrita ao princípio da legalidade, razão pela qual todos os seus atos devem estar de acordo com a lei, não sendo possível contrariá-la ou tratar de tema que nela não esteja previsto. No caso, dispõe o art. 1º da LC 51⁄1985 que o “funcionário policial” será aposentado, voluntariamente, com proventos integrais, após trinta anos de serviço, desde que conte pelo menos vinte anos de exercício em cargo de “natureza estritamente policial”. Nesse contexto, não há, efetivamente, como proceder à extensão da aposentadoria especial, diante da existência de restrição legal. Ressalte-se que, de acordo com a jurisprudência do STF, a aposentadoria especial será concedida àqueles que tenham exposto sua vida a riscos e prejuízos à saúde e à integridade física, sendo necessária, ainda, expressa previsão em lei complementar. Ademais, é certo que as atividades das Forças Armadas e das carreiras responsáveis pela segurança pública até podem, por vezes, apresentar semelhanças, devido ao uso de armas, hierarquia e coerção para a ordem. Todavia, distinguem-se quanto às finalidades e quanto às atribuições das respectivas carreiras. De fato, deve-se observar que as finalidades e atribuições dos militares das Forças Armadas não são idênticas às dos policiais civis, militares, federais, rodoviários ou ferroviários. Com efeito, enquanto as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, as atribuições dos policiais estão relacionadas com a segurança pública, visando à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. REsp 1.357.121-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 28/5/2013.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. ABSORÇÃO DA VPNI PELO ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO DECORRENTE DA PROGRESSÃO NA CARREIRA.
A simples absorção do valor referente à VPNI pelo acréscimo remuneratório decorrente da progressão na carreira independe de processo administrativo anterior. A jurisprudência desta Corte Superior sedimentou-se no sentido de que a absorção da vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI) pelos acréscimos remuneratórios decorrentes da progressão na carreira não importa redução nominal de vencimentos, não havendo ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. Nessa esteira de entendimento, por não se tratar de redução de vencimentos, é desnecessária a prévia abertura de processo administrativo para proceder à absorção da VPNI nos moldes da lei. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.162.982-RS, Quinta Turma, DJe 2/10/2012; e REsp 935.358-RS, Quinta Turma, DJe 31/5/2010. AgRg no REsp 1.370.740-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/6/2013.

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL . PROIBIÇÃO DE RETIRADA DOS AUTOS POR QUALQUER DAS PARTES NOS CINCO DIAS ANTERIORES AO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI.
Não configura ilegalidade a determinação do Juiz-Presidente do Tribunal do Júri que estabeleça a proibição de retirada dos autos por qualquer das partes, inclusive no caso de réu assistido pela Defensoria Pública, nos cinco dias que antecedam a realização da sessão de julgamento. Com efeito, deve-se considerar lícita a referida limitação, já que tem por objetivo garantir a concretização de princípios materiais do processo, equilibrando a prerrogativa legal da Defensoria Pública com o direito das demais partes. É certo que o art. 128, VII, da LC 80/1994 confere à Defensoria Pública a prerrogativa de ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações legais. Por sua vez, dispõe o art. 803 do CPP que, salvo nos casos expressos em lei, é proibida a retirada de autos do cartório, ainda que em confiança, sob pena de responsabilidade do escrivão. Ocorre que, na hipótese, a solução da controvérsia exige a ponderação entre os dispositivos legais, à luz do princípio da igualdade e da necessidade de garantir a amplitude da defesa e do contraditório, nos termos do art. 5º, LV, da CF. Nesse contexto, afigura-se razoável e proporcional equacionar a prerrogativa de retirada dos autos de uma das partes com o direito da outra de realizar vista em cartório. RMS 41.624-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/5/2013.

 
 
 
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO SALÁRIO-MATERNIDADE.
É do INSS — e não do empregador — a responsabilidade pelo pagamento do salário-maternidade à segurada demitida sem justa causa durante a gestação. Isso porque, ainda que o pagamento de salário-maternidade, no caso de segurada empregada, constitua atribuição do empregador, essa circunstância não afasta a natureza de benefício previdenciário da referida prestação. Com efeito, embora seja do empregador a responsabilidade, de forma direta, pelo pagamento dos valores correspondentes ao benefício, deve-se considerar que, nessa hipótese, o empregador tem direito a efetuar a compensação dos referidos valores com aqueles correspondentes às contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos. REsp 1.309.251-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21/5/2013.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DO PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA PARA EFEITO DA CARÊNCIA NECESSÁRIA À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE.
O período de recebimento de auxílio-doença deve ser considerado no cômputo do prazo de carência necessário à concessão de aposentadoria por idade, desde que intercalado com períodos contributivos. Isso porque, se o período de recebimento de auxílio-doença é contado como tempo de contribuição (art. 29, § 5º, da Lei 8.213/1991), consequentemente, também deverá ser computado para fins de carência, se recebido entre períodos de atividade (art. 55, II, da Lei 8.213/1991). Da mesma forma, o art. 60, III, do Dec. 3.048/1999 estabelece que, enquanto não houver lei específica que discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição o período em que o segurado tenha recebido auxílio-doença entre períodos de atividade. Precedentes citados: REsp 1.243.760-PR, Quinta Turma, DJe 9/4/2013; e AgRg no REsp 1.101.237-RS, Quinta Turma, DJe 1º/2/2013. REsp 1.334.467-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 28/5/2013.
 
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA DE URGÊNCIA DECRETADA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE.
Ainda que proferida por juízo absolutamente incompetente, é válida a decisão que, em ação civil pública proposta para a apuração de ato de improbidade administrativa, tenha determinado — até que haja pronunciamento do juízo competente — a indisponibilidade dos bens do réu a fim de assegurar o ressarcimento de suposto dano ao patrimônio público. De fato, conforme o art. 113, § 2º, do CPC, o reconhecimento da incompetência absoluta de determinado juízo implica, em regra, nulidade dos atos decisórios por ele praticados. Todavia, referida regra não impede que o juiz, em face do poder de cautela previsto nos arts. 798 e 799 do CPC, determine, em caráter precário, medida de urgência para prevenir perecimento de direito ou lesão grave ou de difícil reparação. REsp 1.038.199-ES, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 7/5/2013.


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DO ART. 8º DA LEI 12.514/2011 AOS PROCESSOS EM CURSO.
As execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos profissionais em data anterior ao início de vigência do art. 8º, caput, da Lei 12.514/2011 devem ser extintas na hipótese em que objetivarem a cobrança de anuidades cujos valores sejam inferiores a quatro vezes o montante cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente. Isso porque, nesses casos, há falta superveniente de interesse de agir. Cabe esclarecer que esse artigo trouxe nova condição de procedimento para as execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos profissionais, qual seja, o limite de quatro vezes o montante das anuidades como valor mínimo que poderá ser executado judicialmente. Dessa forma, cuidando-se de norma de caráter processual, deve ter aplicação imediata aos processos em curso. REsp 1.374.202-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/5/2013.
 
DIREITO TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR POR REGISTRO DE PRODUTO.
É ilegal a cobrança da Taxa de Saúde Suplementar por Registro de Produto, prevista no art. 20, II, da Lei 9.961/2000, em relação a requerimentos de registro efetuados antes de 1º de janeiro de 2000, data do início da vigência dessa lei. Precedente citado: REsp 1.064.236-RJ, Segunda Turma, DJe 13/2/2009. REsp 1.192.225-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 21/5/2013.

DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO DE TERRENO QUE A UNIÃO ALEGA SER INTEGRANTE DE FAIXA DE MARINHA.
A alegação da União de que determinada área constitui terreno de marinha, sem que tenha sido realizado processo demarcatório específico e conclusivo pela Delegacia de Patrimônio da União, não obsta o reconhecimento de usucapião. A demarcação da faixa de marinha depende de complexo procedimento administrativo prévio de atribuição do Poder Executivo, com notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados pela União e de domicílio certo, com observância à garantia do contraditório e da ampla defesa. Tendo-se em conta a complexidade e onerosidade do procedimento demarcatório, sua realização submete-se a um juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração Pública. Ocorre que não é razoável que o jurisdicionado tenha sua pretensão de reconhecimento da usucapião de terreno que já ocupa com ânimo de dono condicionada à prévia demarcação da faixa de marinha, fato futuro e sem qualquer previsibilidade de materialização. Assim, é possível o reconhecimento da usucapião, desde que resguardados expressamente os interesses da União, admitindo que, caso se apure, no procedimento próprio, que a área usucapienda se caracteriza como bem público, não haverá prejuízo ao ente público. Com efeito, a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança apenas as questões passíveis de alegação e efetivamente decididas pelo juízo constantes do mérito da causa, não podendo, no caso, ser considerada deduzível a matéria, pois inexistente estudo conclusivo sobre o assunto. REsp 1.090.847-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/4/2013.

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS POR EXTRAVIO DE CARTA REGISTRADA.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) deve reparar os danos morais decorrentes de extravio de correspondência registrada. Com efeito, o consumidor que opta por enviar carta registrada tem provável interesse no rastreamento e na efetiva comprovação da entrega da correspondência, por isso paga mais caro pelo serviço. Desse modo, se o consumidor escolhe enviar carta registrada, é dever dos Correios comprovar a entrega da correspondência ou a impossibilidade de fazê-lo, por meio da apresentação ao remetente do aviso de recebimento, de maneira que o simples fato da perda da correspondência, nessa hipótese, acarreta dano moral in re ipsa. REsp 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 2/5/2013.







terça-feira, 27 de agosto de 2013

Desmatamento em área de preservação permanente deve seguir hipóteses autorizativas previstas em lei



Em se tratando de área de preservação permanente (APP), a sua supressão (desmatamento) deve respeitar as hipóteses autorizativas taxativamente previstas em lei, tendo em vista a magnitude dos interesses de proteção do meio ambiente envolvidos no caso. A conclusão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu recurso do Ministério Público (MP) de Mato Grosso do Sul contra um empreendedor que construiu na margem do rio Ivinhema.

Para a Turma, de acordo com o Código Florestal (Lei 12.651/12) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária).

Decisão reformada

O MP recorreu ao STJ contra decisão do tribunal de origem que reformou sentença de primeiro grau. Sustentou, em síntese, que a construção de um imóvel em APP (acarretando na sua supressão), a menos de cem metros da margem do rio, não encontra ressalva nos artigos 1° e 4° do Código Florestal.

Para o MP, permitindo a edificação numa área de preservação, o ente público estaria renunciando ao seu dever de zelar pelo meio ambiente. Além disso, aliena o direito imprescritível ao meio ambiente.

Por fim, alegou que a licença ambiental concedida não foi prévia à supressão da APP, mas superveniente à degradação ocorrida. Por essa razão, segundo o MP, a licença de operação é inválida e os danos causados à área degradada devem ser recompostos.

Falta de previsão legal
Ao analisar a questão, o relator, ministro Mauro Campbell Marques, concluiu que não há como legitimar a conduta do empreendedor, tendo em vista a ausência de previsão legal autorizativa para tanto.

Segundo ele, a justificativa do tribunal de origem para determinar a manutenção da construção – inviabilidade de prejudicar aquele que, apoiado na sua validade ou legalidade, realizou benfeitorias ou edificações no local – também não encontra respaldo na ordem jurídica vigente.

“Sendo a licença espécie de ato administrativo autorizativo submetido ao regime jurídico administrativo, a sua nulidade implica que dela não podem advir efeitos válidos e tampouco a consolidação de qualquer direito adquirido (desde que não ultrapassado o prazo previsto no artigo 54 da Lei 9.784/99, caso o beneficiário esteja de boa-fé)”, completou o ministro.

Segundo Mauro Campbell Marques, declarada a sua nulidade, a situação fática deve retornar ao estado anterior, sem prejuízo de eventual reparação civil do lesado se presentes os pressupostos necessários para tal.

“Essa circunstância se torna ainda mais acentuada tendo em vista o bem jurídico tutelado no caso em tela, que é o meio ambiente, e a obrigação assumida pelo estado brasileiro em diversos compromissos internacionais de garantir o uso sustentável dos recursos naturais em favor das presentes e futuras gerações”, disse o ministro.

Limitações administrativas
O relator também destacou que as restrições impostas ao exercício de atividades econômicas, bem como de ocupação em áreas de preservação permanente, seguem o regime jurídico das limitações administrativas, espécie de intervenção estatal na propriedade que promove restrições nos poderes advindos do domínio exercido sobre a coisa, e não a sua supressão.

“Assim, em tese, fica afastada a justificativa utilizada pelo tribunal de origem, de que tal medida acarretaria na perda da propriedade por meio de desapropriação, sendo que, caso tal fato jurídico de fato ocorra, o ordenamento dispõe de meios hábeis a tutelar eventuais interesses legítimos por parte do titular do direito de propriedade”, acrescentou ele.

Pedido de indenização
Quanto ao pedido de indenização, Mauro Campbell Marques ressaltou que foi reconhecida a prática de ato ilícito por parte do empreendedor contra o meio ambiente.

“É de se observar que os elementos da responsabilidade civil por dano ambiental, bem como as medidas de reparação dos danos ambientais causados pela parte ora recorrida, foram estabelecidos na sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, devendo a mesma ser restaurada em sua integralidade, nos termos requeridos pela parte ora recorrente”.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Espécies tributárias. Conceito de Tributo. Regime jurídico.

Texto sobre as teorias que explicam as espécies tributárias do ordenamento jurídico brasileiro

Há três anos, funcionalismo público pauta o Supremo


Um em cada cinco processos que ingressaram no Supremo Tribunal Federal em 2012 tratava de temas do funcionalismo público. Equivale a dizer não somente que chegaram ao tribunal mais processos sobre servidores públicos do que sobre qualquer outro assunto, seja de Direito material ou processual, mas também afirmar que, nos últimos três anos, o servidor público estatutário teve 26 vezes mais chances de ver um processo que lhe diz respeito julgado pelo Supremo do que um trabalhador da iniciativa privada.
Os dados que embasam a conclusão constam no II Relatório Supremo em Números – O Supremo e a Federação, levantamento estatístico subsidiado pela FGV Direito Rio e divulgado esta semana. Além de mostrar que o tema mais frequente das novas ações que têm chegado ao STF nos últimos anos são questões referentes ao servidor público civil, os dados do relatório mostram que essa tendência vem crescendo. Na década passada, a chance de um funcionário público ter um processo de seu interesse julgado no STF era 13 vezes maior do que um trabalhador da iniciativa privada. Com o declínio dos processos de Direito do Trabalho na corte suprema, tornou-se ainda maior a discrepância entre o número de processos de trabalhadores de carteira assinada e as ações sobre funcionalismo público.
O levantamento de dados foi organizado pelos professores da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas Joaquim Falcão, Pedro Abramovay, Fernando Leal — que é também coordenador adjunto do Centro de Justiça e Sociedade da entidade — e Ivan A. Hartman, este último o coordenador do projeto. O relatório compara dados dos últimos anos com os da década passada, 2000-2009, período que corresponde justamente ao da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, que ampliou a competência do Tribunal Superior do Trabalho para julgamentos sobre danos morais, por exemplo.
Além de o STF receber mais processos sobre Direito Administrativo do que de outros temas, foi verificada uma concentração maior de processos de servidores públicos de pequenos estados. Embora o fenômeno se repita em todos os estados, são os de estrutura econômica menor a maior origem de processos sobre servidores que chegam ao Supremo. Tomando o Amapá como exemplo, 60% dos processos do estado que chegam ao STF tratam de servidores. No caso da Paraíba, são 57% do total encaminhado. Nos estados com economias mais robustas, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, a média de processos sobre funcionalismo público é inferior a 20% do total de casos que sobem ao Supremo. Mato Grosso é o que tem a menor concentração neste tema, com 7% do total de processos.
Pulverização de litigantes
Ao mesmo tempo em que o número de processos sobre temas do funcionalismo público crescem, as ações que têm a União como parte não mais predominam. Em 2006, a União e o INSS concentravam número de processos no STF muito maior do que o terceiro colocado, o estado de São Paulo. Naquele cenário, a União era parte em 30 mil processos em trâmite no tribunal.
Já em 2012, a União teve um decréscimo de 71% no número de ações que chegaram ao STF em comparação com 2006 — isto é, foram apenas 7 mil processos em que foi citada como parte autora ou demandada. A Caixa Econômica Federal teve redução maior, com queda de 78% na concentração de processos em que era parte. O INSS esteve envolvido em 64% menos casos.
O dado indica a tendência de desconcentração ou pulverização de litigantes. Em 2006, aponta o relatório, os processos dos 100 maiores litigantes no STF ocupavam 94% da pauta do Supremo Tribunal Federal. O que é o mesmo que dizer que o pequeno grupo de 100 litigantes praticamente monopolizava o acesso ao tribunal. Além disso, há seis anos, dois terços dos processos em trâmite no Supremo tinham como parte os 10 maiores litigantes da corte.
Em 2012, o quadro mudou. Cerca de dois terços das ações que chegaram ao Supremo correspondem aos 100 maiores litigantes do tribunal, e aqueles 10 litigantes que ocupavam dois terços da pauta da corte ocupam hoje 42%.
Mas a taxa de pulverização de litigantes é menor do que a média quando considerados bancos, empresas de telefonia e o Ministério Público, o que indica que esses agentes têm conquistado maior espaço na pauta do tribunal.
Sobrerrepresentado
Outro “achado” do relatório, nas palavras de seus organizadores, é a informação de que o Rio Grande do Sul, nos últimos seis anos, foi um dos poucos estados de grande porte, do ponto de vista de volume de processos no Supremo, que aumentou sua fatia de ações na corte. Em 2012, o número de processos que têm o estado como parte no tribunal aumentou em 20%. A taxa é preocupante, segundo os responsáveis pelo levantamento, porque desses estados, o Rio Grande do Sul é o único que não estabilizou ou diminuiu seu número. Pelo contrário, aumentou seu índice.
Com exceção dos gaúchos, apenas os estados com menor presença na corte têm apresentado crescimento no número de ações que chegam ao tribunal. O Acre teve um crescimento de 241% nos últimos anos, assim como também tiveram procentagens altas Tocantins e Paraíba. Mas esses são estados com um número bruto de processos em trâmite no tribunal exponencialmente menor que os estados de grande porte. O Rio de Janeiro, por exemplo, que é a origem de grande parte dos processos do Supremo, teve um decréscimo de 49% de ações em que é parte na corte em comparação com 2006. Proporcionalmente, São Paulo apresentou queda de 12% no número de ações. Dessa forma, vale dizer que, em 2012, um em cada seis processos novos que entraram na corte veio do Rio Grande do Sul.
Assim, mesmo contextualizando as diferenças de população e porte da economia, o Rio Grande do Sul está sobrerrepresentado no Supremo, aponta o levantamento. Enquanto o Pará teve 54 processos na corte em 2012, o Rio Grande do Sul teve 1.119. “Muito embora variações sejam esperadas, a disparidade entre o Rio Grande do Sul e o Pará é descomunal”, apontam os responsáveis pelo relatório.
Substituição dos REs e AIs
Entre 2006 e 2012, considerando os processos novos chegados à corte, o número de ações referentes aos direitos do consumidor quadruplicou. Na década passada, um em cada seis processos que chegavam ao Supremo tratava de Direito Tributário e vinham do estado de São Paulo. Hoje, 2% dos novos processos na corte se referem à matéria tributária e são originais de São Paulo. Paralelamente a isso, a fatia de processos referentes aos direitos do consumidor passou de 4% para 15%.
Dessa forma, processos de Direito Tributário perderam a preponderância, ao passo que os sobre direitos do consumidor ganharam. Triplicaram também as ações de Direito Penal e duplicaram as de Processo Penal.
Outro fenômeno destacado pelo relatório foi a substituição das categorias de processos mais frequentes no Supremo. Saem de posição de destaque o Recurso Extraordinário (RE) e o Agravo de Instrumento (AI) e firma-se o Agravo em Recurso Extrordinário, que substituiu, nos últimos anos, essas duas outras categorias de processo. Em 2006, o STF recebia cerca de 60 mil REs e mais de 60 mil AIs.
Criado em 2010, o ARE passou a ser julgado pelo Supremo somente em 2011. Porém, já em 2012, chegaram à corte mais de 45 mil novos AREs, enquanto os REs caíram para 10 mil e os AIs para menos de 5 mil. O dado deve ser motivo de preocupação, apontam os responsáveis pelo relatório, porque a queda no número de Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento não representa, dessa forma, um declínio no número bruto de processos da corte, o que a aproximaria do tão esperado perfil de uma corte constitucional. Pelo contrário, o espaço foi ocupado pelo ARE, uma categoria de processo que não existia até há três anos, o que representa um “surto desproporcional” de seu uso na corte.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Município cobra IPTU de ilha em reserva ecológica


O município de Angra dos Reis (RJ) quer cobrar imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de uma ilha que ele mesmo declarou sob proteção ambiental, o que impossibilita o proprietário de usá-la. O território foi caracterizado pelo município como Zona de Interesse Ambiental de Proteção.
Ao ser executado na Justiça pelo município de Angra dos Reis, o proprietário reclamou que o pagamento é impossível, uma vez que não pode exercer seu direito de propriedade. A ilha, segundo ele, não está em zona urbana, o que afastaria a cobrança do imposto. A cobrança, no valor de R$ 2,5 milhões, se refere ao período de 2009 a 2013.
A Justiça ainda não concluiu o julgamento, mas decidiu que a própria ilha pode ser dada como garantia do tributo enquanto o mérito da questão não é discutido. A 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a penhora online de valores das contas bancárias do proprietário, alegando que essa alternativa é "extrema e excepcional", admitida apenas quando os demais meios de pagamento se esgotarem. “Além do mais, a constrição sobre valores e depósitos bancários inviabiliza o livre exercício das atividades pessoais e comerciais do executados, tendo reflexo, inclusive, sobre sua subsistência e de seus familiares”, afirmou o relator, desembargador Plinio Pinto Coelho Filho.
Segundo os advogados do proprietário da ilha, Luiz Gustavo Bichara e Rafael Goulart, do Bichara Barata e Costa Advogados, a decisão é importante por flexibilizar a imposição de que o suposto devedor garanta as dívidas fiscais somente com dinheiro, “especialmente em casos como esse, em que a tributação é manifestamente indevida e ilegal”, afirma Goulart.
Estação ecológica
O autor alega só ter descoberto que a ilha tinha restrições legais impostas por normas que regulavam o uso da área em âmbito federal, estadual e municipal após a compra, feita em 1998. Essas restrições impediam qualquer modificação na paisagem.
O Decreto federal 98.864/1990 criou a Estação Ecológica de Tamoios, composta por outras 28 ilhas. A Lei municipal 162/1991 classificou a ilha como zona de preservação permanente. Em seguida, o estado do Rio de Janeiro editou o Decreto 20.172/1994 e instituiu a área de proteção ambiental Tamoios, que incluiu a ilha como "zona de vida silvestre".
As normas tornaram a ilha proibida de qualquer visitação que não seja com o fim de estudo ou pesquisa científica, que depende de autorização prévia do órgão responsável.
Na petição declaratória, os advogados do proprietário afirmaram que, com as restrições impostas pelas normas que limitaram o uso do imóvel, o proprietário da ilha perdeu o chamado jus utendi. “Uma vez afastado o direito de uso e gozo do imóvel, descaracterizada está a propriedade, fato este que, por óbvio, afasta a incidência do IPTU, pois se não há propriedade no sentido jurídico do termo, também não poderá haver cobrança do tributo.”
Além disso, foi destacada pelos advogados a impossibilidade de se cobrar IPTU de imóvel fora da zona urbana do município. Pelo artigo 32 do Código Tributário Nacional (CTN), o fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, localizado na zona urbana do município. “Para que seja viável a cobrança do IPTU, além de estar localizado em zona urbana, é necessária a presença de, no mínimo, dois melhoramentos indicados no primeiro parágrafo do artigo 32 do CTN, o que não ocorreu em relação ao imóvel”, afirmam os advogados.

Executivo propõe regularização de terrenos de marinha


A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 5.627/2013, do Executivo, que pretende estimular a regularização de áreas utilizadas por terceiros nos chamados terrenos de marinha, que pertencem à União. Segundo o Ministério do Planejamento, o projeto torna menos burocráticos e mais transparentes os processos de demarcação dessas áreas e facilita a regularização das ocupações por meio do parcelamento e do perdão de dívidas patrimoniais acumuladas com a União. Em razão de ter de tramitar em mais de três comissões de mérito, foi criada uma comissão especial para analisar a matéria em caráter conclusivo e em regime de prioridade.
Uma das inovações da proposta é a que obriga a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a fazer audiências públicas nos municípios onde estiver situado o trecho a ser demarcado como território da União. As audiências, além de colher plantas, documentos e outros elementos relativos aos terrenos, servirão para prestar informações e esclarecimentos à população interessada antes mesmo do início do processo de demarcação.
Em razão do interesse estratégico que têm, por estarem localizados nas fronteiras litorâneas, os terrenos de marinha não podem ser totalmente alienados, a não ser com autorização da Presidência da República. A fim de permitir o uso dessas áreas por terceiros, a União pode firmar dois tipos de contratos específicos: de aforamento ou enfiteuse; e de ocupação.
O aforamento permite o repasse do domínio útil (direito de uso) da área, conferindo ao interessado amplos poderes para explorá-la. Nesse caso, para reduzir a burocracia, o projeto acaba com a necessidade de a concessão de aforamento ser referendada pela SPU, ficando diretamente a cargo das superintendências estaduais do órgão, que deferindo o pedido, calculará o foro e concederá o aforamento. Por outro lado, o texto também autoriza a delegação à SPU da competência para transferir imóveis da União a estrangeiros.
A proposta também prevê a possibilidade de a SPU autorizar a utilização do espaço subaquático ou do mar territorial em terrenos de marinha para passagem de dutos de petróleo e gás natural ou cabos de fibra ótica. Segundo o Executivo, a ideia é compatibilizar o uso da superfície pelo foreiro com as necessidades de uso do subsolo em razão de demandas geradas pela União.
Aforamento
No aforamento, o chamado foreiro ou enfiteuta conserva a titularidade dos direitos perpetuamente, podendo transferi-los a herdeiros ou a terceiros, de modo gratuito ou oneroso. Porém, para se beneficiar do terreno, do qual passa a ter 83% do domínio pleno, fica obrigado pagar anualmente a União uma taxa de 0,6% sobre o valor de mercado do imóvel, denominada foro. Em caso de transferência onerosa (venda), que precisa ser autorizada pela União, o titular do aforamento paga ainda outra taxa a União, o laudêmio.
Pelo projeto, em transferências onerosas, o titular do aforamento precisará apenas comprovar estar em dia com as obrigações relativas ao imóvel, e não mais com todas as demais obrigações junto ao Patrimônio da União, como prevê a legislação atual. Eventuais benfeitorias (aterro, construção, obra, cercas) feitas no terreno deixam de compor a base de cálculo do laudêmio e de multas acumuladas por conta de débitos pendentes.
O texto explicita ainda que terrenos considerados pela SPU como de interesse do serviço publico não poderão ser objeto de aforamento. Hoje a legislação já impede o aforamento de áreas que são ou venham a ser consideradas indisponíveis e inalienáveis.
Ocupação
Em paralelo ao contrato de aforamento, a União pode permitir que particulares utilizem terrenos de marinha também por meio de certificados de ocupação. Nesse caso, não há transferência de domínio, que continua integralmente com a União. Segundo juristas, trata-se de simples ato administrativo unilateral e precário. Mesmo assim, os certificados de ocupação demandam o pagamento de uma taxa de ocupação.
Pela proposta do Executivo, a taxa de ocupação passará a ser, em todos os casos, de 2% do valor do terreno, sendo anualmente atualizada pela SPU. Atualmente o percentual é de 2% ou de 5%. O texto também determina que a atualização do valor do terreno tomará como base, no caso de áreas urbanas, a planta de valores genéricos elaborada pelos municípios e pelo Distrito Federal e, no caso de áreas rurais, a Planilha Referencial de Preços de Terras, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Somente em último caso terão por base pesquisa mercadológica, como prevê a legislação vigente.
Pelo projeto, fica estendido até um ano após 27 de abril de 2006 o período em que o ocupante de terreno da União tem preferência para buscar o domínio útil da área (aforamento) por meio de licitação. Pela legislação vigente, o ocupante só poderia requerer o aforamento de áreas ocupadas até um ano após 15 de fevereiro de 1997, desde que estivesse regularmente inscrito e em dia com suas obrigações.
Nesse caso, será concedida preferência na aquisição do imóvel ao ocupante interessado, com as mesmas condições ofertadas ao vencedor do processo licitatório, desde que ele manifeste vontade no ato do pregão ou até 48 horas depois.

Mantido em licitação restaurante que apresentou certidões sem autenticação on-line

DECISÃO

O edital de licitação pública é lei entre a administração e os participantes, e não é possível fazer exigências que não estejam previamente estabelecidas. Essa é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aplicada pela Segunda Tuma para manter a habilitação de um restaurante do Rio de Janeiro em licitação.

O restaurante foi excluído do certame por apresentar documentos sem autenticação on-line. Por isso, impetrou mandado de segurança com o objetivo de participar regularmente de processo licitatório de tomada de preços para o qual havia sido inabilitado. Ganhou em primeira e segunda instância.

Ainda inconformada, a União recorreu ao STJ, alegando violação ao artigo 41 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações).

Vinculação ao edital

O ministro Humberto Martins, relator do caso, ressaltou que o referido artigo trata do princípio da vinculação no procedimento licitatório, que proíbe à administração o descumprimento das normas contidas no edital.

“Sob essa ótica, o princípio da vinculação se traduz na regra de que o instrumento convocatório faz lei entre as partes, devendo ser observados os termos do edital até o encerramento do certame”, afirmou.

Martins apontou que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região reconheceu que o edital não exigia a autenticação on-line dos documentos da empresa. O STJ não pode rever esse entendimento por força das Súmulas 5 e 7 do próprio Tribunal, que, respectivamente, vedam a interpretação de cláusulas contratuais e a revisão de provas em recurso especial.

Seguindo as considerações do relator, a Turma não conheceu do recurso da União. A decisão foi unânime.

ADI sobre isenções fiscais à Fifa para a Copa do Mundo terá rito abreviado



O ministro Dias Toffoli, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5030, que questiona artigos da Lei 12.350/2010, os quais concedem isenções fiscais à Fifa para a realização da Copa do Mundo de 2014, aplicou ao caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs), “em razão da relevância da matéria”. Dessa forma, a ação será julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar apresentado pela Procuradoria Geral da República (PGR), autora da ação.
A lei prevê isenções do Imposto de Renda, IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e de contribuições como PIS/Pasep e Cofins-Importação, na organização e realização do evento. Para a PGR, os dispositivos violam os artigos 3º, 150 e 153 da Constituição Federal.
Segundo a Procuradoria Geral da República, a isenção fiscal é um favor do qual o Poder Público poderá se valer para atingir certas finalidades estatais, mas o benefício não pode se converter em “privilégio indevido e injustificado, ferindo as próprias bases do Estado Democrático de Direito”.
A PGR aponta que, além da Fifa, são beneficiárias várias pessoas físicas e jurídicas vinculadas à entidade, como confederações nacionais de futebol, prestadores de serviços, Comitê Organizador Local, contratados para trabalhar na Copa do Mundo, árbitros, jogadores, membros das delegações e voluntários. Além disso, as isenções valem para vários eventos relacionados à competição, como congressos, banquetes, seminários e atividades culturais.
“As isenções previstas são concedidas pura e simplesmente intuitu personae (com relação à pessoa) e não são ligadas diretamente ao desenvolvimento do desporto. Ou seja, tais incentivos não são ligados ao deporto para fins de desenvolvimento do próprio esporte, como objetiva a Constituição da República”, alega a Procuradoria.
Tratamento diferenciado
Na avaliação da Procuradoria Geral da República, não há nenhuma razão que justifique tratamento diferenciado da Fifa e seus relacionados. “A única alegação possível, de que a medida tem um interesse logístico na facilitação da organização da Copa do Mundo, não é motivo constitucionalmente relevante para legitimar a isenção concedida”, sustenta.
A PGR defende que fere o princípio da razoabilidade a concessão de isenção de tributos a pessoas físicas e jurídicas com elevada capacidade contributiva. “Não se vê por parte dos beneficiários da isenção a prática de contrapartida em favor do interesse público, senão um mero ato de liberalidade do ente tributante que visa à concessão de privilégios indevidos”, aponta.
O ADI argumenta que tal isenção “não se qualifica como um benefício constitucionalmente adequado”, mas como um “verdadeiro favorecimento ilegítimo”, que afronta o princípio da isonomia, prevista no artigo 150, inciso II, da Carta Magna. Aponta ainda que os dispositivos promovem a discriminação irregular, pois conferem isenção de tributos para estrangeiros em desfavor de contribuintes brasileiros. “É possível perceber que a intenção do legislador é privilegiar o contribuinte estrangeiro relacionado ou indicado pela organizadora e associadas, em detrimento do nacional em idêntica condição”, frisa.
De acordo com a Procuradoria, a norma viola ainda o princípio da igualdade, pois somente poderão ser beneficiados pela suspensão da incidência do PIS/Pasep e da Cofins as empresas indicadas pela Fifa. “Não se vislumbra na hipótese correlação lógica para o benefício tributário, mas apenas a tentativa de aumentar os lucros da Fifa, em afronta ao princípio da isonomia e da generalidade”, assinala.
Pedido
Na ação, a PGR pede a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 7º ao 12 e 15, parágrafo 3º, da Lei 12.350/2010, bem como dos artigos 15 a 20 e 23, parágrafo 3º, do Decreto 7.578/2011, que regulamenta os dispositivos acima citados.
Ao decidir pelo rito abreviado na tramitação da ADI, o ministro Dias Toffoli solicitou informações ao Congresso Nacional e à Presidência da República, responsáveis pela edição da norma questionada. Após o prazo de 10 dias para as informações, ele determinou que se dê vista dos autos, no prazo sucessivo de cinco dias, ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República para que se manifestem sobre a matéria.
RP/AD

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Candidato que recusa vaga em cidade não desejada vai para o fim da lista de aprovados



Um candidato em processo seletivo simplificado para o cargo de agente penitenciário no Paraná obteve a nona colocação geral. Estavam previstas 423 vagas temporárias, em diversos municípios do estado.

Quando o candidato foi convocado, não havia vaga para Londrina, onde mora. Depois de recusar a vaga, buscou o Judiciário para afastar a previsão do edital de que, não havendo interesse na lotação oferecida, o candidato deve ir para o final da fila. Ele queria manter sua classificação até que surgisse a lotação na cidade desejada.

A Justiça paranaense negou o mandado de segurança impetrado pelo candidato, que recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O relator do recurso, ministro Humberto Martins, destacou que o edital previa que os candidatos seriam alocados em lista única e que, na medida em que fossem identificadas as necessidades nas várias localidades, seria dada opção de lotação, obedecendo à ordem de classificação.

Fim da fila

Também estava estabelecido no edital que, em caso de não haver interesse na lotação ofertada, o candidato poderia pedir sua alocação no final da fila. No caso em julgamento, o impetrante não teve interesse nas lotações ofertadas e postulou o direito de manter sua classificação para ser lotado – no futuro – em localidade que lhe interesse.

Martins lembrou que o tema já foi enfrentado pelo STJ. A Primeira Turma firmou o entendimento de que “sem base legal ou editalícia, não é possível pretender vaga para o provimento em lotação com vacância potencial no futuro”.

“Como indicado no acórdão de origem, as vagas – e correspondentes lotações – seriam ofertadas paulatinamente, de acordo com a necessidade da administração, observando a lista de aprovados”, disse o ministro. “Assim, não há violação à isonomia ou impessoalidade”, concluiu.

Seguindo o voto do relator, a Primeira Turma negou provimento ao recurso por considerar que a pretensão a um direito não previsto no edital, ou seja, de reserva de sua colocação para nova opção em momento posterior, não encontra amparo legal.

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Coordenadoria de Editoria e Imprensa

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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

APET - Remessa ao exterior é isenta de IR

APET - Remessa ao exterior é isenta de IR

APET - Remessa ao exterior é isenta de IR

APET - Remessa ao exterior é isenta de IR

APET - TJMG mantém lançamento de crédito tributário

APET - TJMG mantém lançamento de crédito tributário

Judiciário deve fazer controle judicial de concursos

O desejo de passar a integrar o quadro funcional da administração pública se tornou, há algum tempo, o principal sonho, no campo profissional, da imensa maioria dos jovens brasileiros. Tal constatação acha-se revelada no aumento da concorrência nos certames públicos, com índices que se superam ano após ano.
Como consequência direta dessa procura, muitas questões relacionadas ao tema passaram a desaguar, de forma recorrente, nas nossas cortes de Justiça. Os debates gravitam em torno de diversos pontos (v.g. cadastro de reserva, direito subjetivo à nomeação, terceirizados em detrimento de concursados etc.), destacando-se, dentre tantos outros desdobramentos, os critérios utilizados para correção de provas pelas bancas examinadoras e a possibilidade do seu controle judicial.
Viceja de forma tranquila nos tribunais superiores o entendimento de que as comissões examinadoras gozam de uma certa margem de discricionariedade na condução dos concursos públicos, no que tange à eleição de critérios de correção de provas e respectiva atribuição de notas.
Para se ter uma ideia de quão antigo é o tema em pauta (malgrado continuem candentes os debates travados em torno dele), basta observar que o STF, por exemplo, possui precedente específico sobre o assunto que data do ano de 1966, estabelecendo o ministro Evandro Lins que “não cabe ao Poder Judiciário sobrepor-se aos critérios da comissão julgadora, para rever as notas atribuídas aos candidatos” (RM 15543/DF, DJ 13/04/66).
De lá para cá essa compreensão se manteve íntegra, sendo comodamente reproduzida nos julgados da excelsa corte e demais tribunais pátrios.
Ocorre que a prevalência desse entendimento — notadamente se aplicado de forma acrítica e automática — traz consigo o risco de chancelar comportamentos arbitrários e abusivos, divorciados da lei, do direito e da justiça.
Nesse panorama, vale colacionar os principais fundamentos jurisprudenciais que servem de supedâneo para o não enfrentamento, pelo STJ, das decisões tomadas pelas comissões julgadoras de concursos públicos:
- “é inviável a incursão pelo mérito administrativo” (AgRg no RMS 19934/RS, DJe 13/04/2009);
- “em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora dos certames a responsabilidade pelo seu exame” (REsp 731257/RJ, DJe 05/11/2008);
- “não pode o Poder Judiciário imiscuir-se na valoração dos critérios adotados pela Administração para a realização de concursos públicos, salvo quanto ao exame da legalidade das normas instituídas no edital e o seu cumprimento durante a realização de certame” (AgRg no Ag 1085824/RJ, DJe 23/03/2009);
- “as comissões examinadoras organizam e avaliam as provas com discricionariedade técnica” (REsp 11211, DJU 26/09/94).
Esse enfoque restritivo encontra eco, também, em precedentes do STF, nos quais se consagra o entendimento de que o Judiciário, nessa matéria, apenas estaria legitimado a aferir se as questões formuladas se contêm, ou não, no programa do certame, “dado que o edital - nele incluído o programa - é a lei do concurso” (RE 440335 AgR, DJe 31/07/2008).
O STJ, todavia, abrandando o rigor da exegese limitativa que predomina nos seus arestos, firmou precedente segundo o qual, na hipótese de erro material, “considerado aquele perceptível primo ictu oculi, de plano, sem maiores indagações, pode o Poder Judiciário, excepcionalmente, declarar nula questão de prova objetiva de concurso público” (REsp 722586/MG, DJ de 3/10/2005).
Eis, em síntese, a compreensão trivial que o tema tem merecido dos nossos tribunais, nas últimas décadas.
Sucede que a discussão do tema em questão recomenda análise um tanto mais aprofundada, tudo com vistas a imprimir maior alcance ao mandamento que resulta do artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Republicana, sem descurar dos precisos contornos que emanam do artigo 2º, da Constituição Federal de 1988, consoante se evidenciará adiante.
Felizmente, já é possível entrever algumas sutis, mas importantes, mudanças em recentes acórdãos dos referidos pretórios.
No precedente infra, a excelsa corte, em que pese tenha reafirmado que “O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas”, ressalvou, acertadamente, que a hipótese de erro grosseiro pode ser alvo de correção judicial:
(...) 1. A anulação, por via judicial, de questões de prova objetiva de concurso público, com vistas à habilitação para participação em fase posterior do certame, pressupõe a demonstração de que o Impetrante estaria habilitado à etapa seguinte caso essa anulação fosse estendida à totalidade dos candidatos, mercê dos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da eficiência. 2. O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (v.g., MS 30433 AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES; AI 827001 AgR/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; MS 27260/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Red. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA), ressalvadas as hipóteses em que restar configurado, tal como in casu, o erro grosseiro no gabarito apresentado, porquanto caracterizada a ilegalidade do ato praticado pela Administração Pública. 3. Sucede que o Impetrante comprovou que, na hipótese de anulação das questões impugnadas para todos os candidatos, alcançaria classificação, nos termos do edital, habilitando-o a prestar a fase seguinte do concurso, mediante a apresentação de prova documental obtida junto à Comissão Organizadora no exercício do direito de requerer certidões previsto no art. 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal, prova que foi juntada em razão de certidão fornecida pela instituição realizadora do concurso público. 4. Segurança concedida, em parte, tornando-se definitivos os efeitos das liminares deferidas.
(MS 30859, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 23/10/2012).
Como se percebe, o acórdão em vitrine enuncia um considerável avanço, na medida em que se afasta da indesejada compreensão de que a intervenção judicial, nessa seara, cinge-se apenas à análise de eventual descompasso entre as questões da prova e o programa do concurso descrito no edital, evoluindo no sentido de autorizar a sua interferência em caso de “erro grosseiro”, locução esta apta a abarcar uma série de irregularidades possíveis.
Neste julgado, o STF entendeu, ainda que sob a nota da excepcionalidade, que era possível adentrar no mérito dos quesitos da prova de Direito Civil – sobre os assuntos domicílio[1] e mútuo[2] – para retificar o gabarito inquinado de erros gritantes.
Impressionado com a “magnitude dos equívocos perpetrados em prejuízo do impetrante”, o ministro Dias Toffoli fez ver que, “confrontada com tal situação, a banca examinadora preferiu omitir-se, deixando de reconhecer a falha que – repita-se – salta aos olhos”, concluindo que a desconsideração de tais erros crassos implicaria em consagrar “remetada injustiça” (correção da prova em afronta total ao que estatui o Código Civil).
Assim, sem se comprometer com a tese de que “sempre seria possível a ingerência judicial na análise dos gabaritos produzidos por bancas examinadoras de concursos públicos, mas entendendo que cada caso submetido à apreciação do Judiciário deve ser enfrentado segundo suas peculiaridades”, o ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do ministro Marco Aurélio, para conceder a segurança, convalidando, desta feita, a liminar anteriormente deferida.
O ministro Luiz Fux, relator do writ, que, inicialmente, denegava a segurança, após os debates, houve por bem reajustar o seu voto, para concedê-la, “por uma questão de justiça”, ficando vencidas as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia.
O acórdão em destaque é digno de aplausos.
Com efeito, não se pode, em detrimento da justiça, fazer prevalecer a fórmula, nem sempre aplicável, de que “o Judiciário não pode se substituir às bancas examinadoras”. Ao intervir em casos em que se acham presentes erros teratológicos praticados pelas referidas comissões, se está, na verdade, pondo em prática o sistema do check and balance, estando o Judiciário, tão somente, cumprindo o seu mister de dizer o direito. Se associam a esse fundamento, também, os princípios interpretativos da máxima efetividade e da conformidade funcional.
Em sentido convergente, obtempere-se que não existe poder ilimitado, nem mesmo sob a vertente da sua dimensão discricionária. Havendo abuso, capricho ou arbitrariedade, o Judiciário pode e deve interferir, sob pena de se admitir a degeneração do regular exercício do poder em arbítrio, ficando o titular do direito lesado ou ameaçado integralmente desamparado.
É muito louvável que o combate ao arbítrio venha granjeando, cada vez mais, espaço na jurisprudência dos tribunais. Nessa perspectiva, vale conferir recente decisão do STJ (RMS 39.102/RO, DJe 25/03/2013), através da qual se repudiou abusos perpetrados pela comissão julgadora do certame.
Neste precedente, operou-se conclusão curiosa e inédita na jurisprudência da Corte Superior, a saber: o Tribunal se substituiu à banca examinadora e alterou a nota da concursanda.
A questão central do acórdão repousa sobre a ofensa ao princípio da isonomia, mercê da constatação de desigualdade no tratamento conferido a candidatos inscritos no concurso público para provimento de cargos de juiz substituto da carreira da magistratura do Estado de Rondônia.
O relator do recurso no STJ, ministro Ari Pargendler, concedeu o mandado de segurança com apoio nas seguintes premissas:
A desigualdade do tratamento está documentada nos autos, e já foi relatada, a saber:
* revisão da nota a portas fechadas (as notas dos demais candidatos foram alteradas em sessão pública);
* mediante a identificação prévia da candidata (os demais candidatos tiveram a garantia do anonimato);
* realizada pela Comissão de Concurso (as provas dos demais candidatos foram corrigidas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Desta feita, a Corte conferiu à impetrante a nota mínima 6,0 (seis), em vez de 5,8 (cinco vírgula oito) atribuída pela comissão organizadora, culminando, pois, na sua aprovação, no que tange à prova de sentença criminal, entendimento este que se manteve incólume no STJ, a despeito da oposição de embargos declaratórios sucessivos.
Enfatize-se, a propósito, que a tolerância, pelo Judiciário, de atos que, de tão absurdos, geram perplexidade, milita contra o objetivo maior do certame, que é, exatamente, selecionar o(s) melhor(es) canditado(s), em respeito aos princípios da isonomia, da moralidade, da eficiência e do próprio concurso público, que, para serem inteiramente acatados, por óbvio, pressupõem processo de seleção absolutamente hígido e justo, sem espaço para práticas/preferências desarrazoadas das bancas organizadoras.
Insista-se: nada justifica a prevalência de um gabarito absurdo, que contraria a lógica do razoável e que ofende a mais elementar ideia de bom senso. O Judiciário, em casos que tais, pode e deve adotar postura garantista, arrojada e destemida, a exemplo das que foram externadas nos precedentes acima destacados.
Esse pensamento encontra ressonância na abalizada doutrina de Hely Lopes Meirelles:
Não se pode perder de vista, contudo, que embora o Poder Judiciário não possa substituir o ato discricionário do administrador, deve proclamar as nulidades e coibir os abusos praticados. Impedir o Juiz de incursionar pela matéria de fato, quando influente na formação do ato administrativo, será convertê-lo em mero endossante dos atos da autoridade administrativa, substituindo o controle da legalidade por um processo de referenda extrínseco, em flagrante afronta ao disposto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição (Meirelles, 2005, p. 120-121).
Gize-se que entendimento diverso representa a desconstrução do princípio do amplo acesso à justiça, bem assim ofensa ao Estado Democrático de Direito e ao princípio da separação dos poderes, por privar o Judiciário do exercício de sua função precípua, que é pronunciar o direito nos casos submetidos à sua apreciação.
Demais disso, não se olvide a incidência, na espécie, do princípio da juridicidade, que tornou superada a ideia de vinculação do Estado à mera legalidade em sentido estrito (simples reverência à lei), passando a impor àquele a conformidade dos seus atos com o direito (leia-se: com todo o sistema jurídico, abarcando, assim, regulamentos, princípios gerais implícitos ou explícitos, costumes etc.).
Ora, conformar a administração pública à lei e ao direito, concomitantemente, é perseguir o ideal de justiça, sem permitir que o fetichismo por filigranas jurídicas impeça o alcance deste desiderato.
Noutro quadrante, não merecem prestígio as orientações jurisprudenciais guiadas exclusivamente pelo propósito de desafogar os tribunais da gama de processos que abarrotam as suas prateleiras, posto não poderem ser encarados apenas como números. As demandas reclamam pronta e célere intervenção do Judiciário, via due process of law, em busca da harmonia e da pacificação social. E nesse contexto, “restringir” deve ceder espaço a “ampliar”, no tocante ao acesso à justiça.
A propósito, Mauro Capelletti, na obra “Acesso à Justiça”, já advertia, com argúcia, que “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPELLETTI, 1988, p. 9).
Por isso é que, entre o comodismo das fórmulas (à exemplo do mantra que se consolidou no sentido de estabelecer que “o Judiciário não pode se substituir às comissões examinadoras de concursos públicos”) e a aplicação do direito ao caso concreto, com a predominância da justiça, não deve haver hesitação na escolha deste último, ainda que, para tanto, seja necessário trilhar um caminho menos “prático”.
Ressalte-se que este tema (controle judicial sobre o mérito dos quesitos de provas em concursos públicos) encontra-se pendente de julgamento, em sede de repercussão geral, no STF (RE 632853/CE), sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Oxalá que o Supremo, na fixação da diretriz, alargue a compreensão do tema, no sentido de admitir, por decisão do seu Pleno, que o Poder Judiciário pode, presentes determinados vícios (v.g. arbitrariedade, capricho, abuso ou injustiça), realizar o controle judicial das questões de concursos públicos.
Não há porque temer a criteriosa intervenção do Judiciário. Temível, mesmo, é não poder contar com ele, ficando-se à mercê de erros, abusos e arbitrariedades incontrastáveis.

[1] Considerado, erroneamente, sinônimo de residência.
[2] O outro quesito da prova, também alvo de impugnação, enuncia que o mútuo implica obrigação de restituir coisa certa, em indiscutível confronto a definição legal do instituto (art. 586, Código Civil).
Heder Rubens Silveira e Souza é advogado no Rio Grande do Norte.
Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2013

Contratada sem concurso não tem direito a 13º

Súmula do TST

 

Súmula 363 do Tribunal Superior do Trabalho assegura aos funcionários públicos contratados após a Constituição de 1988 sem aprovação em concurso público apenas o direito a salários e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.Com esse fundamento a 4ª Turma do TST absolveu o município de Barbalha (CE) da responsabilidade pelo pagamento de parcelas relativas ao 13º salário a uma funcionária.
A decisão, que considerou nulo o contrato de trabalho por ausência de aprovação em concurso público, reformou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE) que, mesmo considerando o contrato nulo, condenou o município a pagar o 13º salário.
O relator do recurso do município ao TST, ministro Fernando Eizo Ono, verificou que a condenação deveria ser reformada por contrariar a Súmula 363. Dessa forma, a condenação ao pagamento do 13º salário foi indevida.
A ação agora julgada pelo TST teve origem em Reclamação Trabalhista ajuizada por uma servente, admitida sem concurso público na função de atendente de saúde e lotada na Secretaria Municipal de Saúde do município. Ela afirmou ter permanecido nessa condição por cerca de sete anos até ser contratada por meio de concurso, e pedia o pagamento de diversas verbas trabalhistas devidas pelo período do contrato anterior, entre elas o 13º salário. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
Processo: RR-111500-55.2009.5.07.0028

Democracia tributária e a tripartição de Poderes

Consultor Tributário

Democracia tributária e a tripartição de Poderes

Caricatura: Heleno Tavares Torres - 30/01/2012 [Spacca]O princípio da tripartição de Poderes não está em crise, ao menos na minha opinião, mas reclama cautelosa atenção de todos. O momento é de vigília permanente, pois o máxime princípio da democracia, quando integrado de modo inexorável ao Estado Constitucional, postula que a igualdade e a liberdade dos cidadãos sejam preservadas nas suas máximas possibilidades, restringidas unicamente pela legalidade, como medida e limite de atuação dos órgãos de estado, quando atendido o devido processo legal. Nenhuma restrição às liberdades individuais pode prescindir do cumprimento integral do devido processo legal e seus subprincípios, como o duplo grau de jurisdição, a livre produção de provas e o juiz natural.
Nenhum poder ou órgão estatal recebe poderes ilimitados da Constituição. Por isso, o equilíbrio na repartição dos Poderes é princípio fundamental que se impõe como estruturante do nosso Estado Constitucional, para afastar interferências ou prejuízos ao exercício de poderes pelos órgãos de cada um deles. Portanto, não é dado a qualquer órgão ou autoridade a possibilidade de interferir ou amesquinhar competências alheias.
São muitas as ameaças recentes ao bom equilíbrio entre os Poderes, e isso nas três esferas do nosso federalismo. Interferências frequentes por membros do Judiciário nas competências dos parlamentos. Criação de créditos orçamentários vinculantes, segundo emendas de parlamentares, sem qualquer conexão com os programas de governo ou os planos orçamentários aprovados. Medidas provisórias usadas para todas as situações. Nada disso é salutar à democracia.
Outro desvirtuamento da tripartição de Poderes é a negação de direitos, o que se vê com muita frequência nas regulamentações de leis pela Administração com redução dos direitos assegurados, por “razões de Estado”, interesses de grupos ou por mera pressão política. Não é diferente o caso de aprovações de leis ou de emendas que contrariam direitos reconhecidos por decisões de tribunais, como as do STF ou do STJ.
No caso do Judiciário, ao tempo que a vontade de julgadores, com suas ideologias ou crenças personalistas, colocam programas políticos com prevalência sobre o efetivo cumprimento do devido processo legal e das garantias constitucionais, mormente aqueles do duplo grau de jurisdição e da livre apreciação de provas, qualquer decisão tomada será fruto do arbítrio, e não prestação jurisdicional.
É da essência do Estado de Direito a substituição da vingança privada ou das pressões coletivas pelo cumprimento do devido processo legal. Decisões judiciais são legitimadas pela independência, ainda que suas decisões sejam contramajoritárias. Daí o sentido das garantias dos juízes. Ao Judiciário cabe a execução das leis. Somente quando estas se encontrem em conflito com a Constituição pode o juiz afastar sua aplicação. Portanto, a sociedade deve esperar do Judiciário o construir uma hermenêutica avançada, mas nunca em detrimento do devido processo legal, corolário do princípio do Estado Democrático de Direito.
Ora, negar o duplo grau de jurisdição, por exemplo, é negar a realização da Constituição e das leis. No Brasil, numa interpretação conforme à Constituição, não pode existir decisão, de qualquer tribunal, que afaste o direito de acesso a recursos. Não se reclama decisão de outro tribunal, mas que todo cidadão tenha acesso a recursos e os meios inerentes ao devido processo legal, e que estes sejam examinados com independência e ampla liberdade, pois seria amplamente inconstitucional receber apenas formalmente os recursos e recusar-lhes a possibilidade de “revisão” do que foi decidido em conformidade com as alegações enfrentadas. Se as provas ou as razões apresentadas não forem suficientes, nada se tem a modificar; entretanto, presentes motivos relevantes, o juiz não pode temer modificar sua decisão.
Precisaremos extrair muitos ensinamentos da Ação Penal 470 para o futuro da democracia nos processos judiciais, tanto das suas virtudes quanto dos seus tropeços. Se há uma “página virada”, esta só poderá ser compreendida como a primeira parte do julgamento. Enquanto o devido processo legal não se esgotar, com os meios e recursos a ele inerentes, não haverá o que executar. Não haverá fim de processo, que só terá cabimento com independência do Tribunal (alheio a quaisquer pressões), ampla apuração das provas, afastamento das contradições e obscuridades, além de respeito ao contraditório. Não temos o direito de legar para as gerações vindouras a deterioração do princípio do devido processo legal, como é o caso do direito aos recursos legais.
Passemos à relação entre Administração e Legislativo, para que se perceba adequadamente que o direito de iniciativa parlamentar deve ser respeitado pela Administração, sem que isso possa merecer caráter vinculante, como se pretende.
A representatividade tem a missão de definir as preferências que se possam converter no conteúdo da legalidade, sempre nos limites da Constituição e dos princípios não escritos. Portanto, afetações à representatividade causam danos também aos princípios democráticos e do Estado de Direito.
Dentre as funções do parlamento, está aquela primordial de produção e tutela da legalidade. A Lei é sempre a expressão de uma vontade qualificada, que é a legislativa, e, como diz Carré de Malberg, “esta vontade legislativa deve seu caráter especial tanto à forma na qual se manifesta como ao órgão de onde provém”[1]. Nesta, a iniciativa parlamentar assume preeminência indiscutível, mormente em matéria tributária, financeira e orçamentária.
No exercício do poder geral de iniciativa das leis, somente as que são propostas pelos parlamentares tem o condão de assumir a condição para seguimento no processo legislativo, salvo as exceções de reserva da iniciativa popular e aquelas de competência do presidente da República, no que se incluem as medidas provisórias.
Excetuada a questão relativa à iniciativa popular e o recurso às medidas provisórias, a “iniciativa reservada” ao Poder Executivo coincide geralmente com aquelas matérias que são da sua competência administrativa.[2] Justifica-se, assim, este poder de iniciativa reservado ao Poder Executivo, pelo vínculo necessário com matérias que demandam a força de lei de modo mais direto.
Provocado que seja, o legislador, por projeto oriundo da iniciativa reservada, esta se exaure na simples propositura, dando início ao processo legislativo, salvo específicos casos, como a proposta de lei do orçamento anual, na qual a ação parlamentar é bem mais limitada. Na iniciativa legislativa geral ou naquela reservada, ao fim, todas as leis passarão pela sanção presidencial, que tem poderes para exercer o veto, mesmo que o legislador a este possa se opor ao seu tempo.
As matérias tributária e orçamentária, como a criação de fundos e outros que afetem o orçamento de algum modo, dependerão sempre de lei, de competência de “iniciativa reservada” ao Poder Executivo, por força dos artigos 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “b”, e 63 da CF. E leis que devem ser vinculantes para todos. Sobre isso passamos a cuidar.
Daí a iniciativa, no regime constitucional, vir prevista como medida pluralística, constitucionalmente atribuída a pessoas previamente definidas. Cuida-se de um direito-poder, como bem observou Canotilho, ou seja, de dever concretamente imposto pela Constituição como ordem para legislar[3], assim atribuído a cada sujeito competente.
Interessa-nos examinar a iniciativa legislativa, para verificar se, quando seu impulso fique reservado ao executivo ou qualquer outro órgão, isso teria alguma força para obstar o órgão que detém a competência para fazê-lo, no exercício lídimo do seu campo material de atividade legiferante.
A competência de iniciativa das leis, como regra geral, pertence aos membros do legislativo (iniciativa interna ao órgão legislativo) e, por exceção, nos casos previamente designados na Constituição, como modalidade de “reserva de iniciativa”, atribuída a certos órgãos do Estado, como o presidente da República, o Supremo Tribunal Federal e outros[4]; e ainda, em qualquer modalidade, cumpre aos cidadãos em geral o direito de participação, ou de iniciativa popular, desde que atendido o quórum mínimo de assinaturas. Excetuando-se esse último caso, podemos dizer com tranquilidade que, afastado o caso da competência de elaboração dos regimentos dos tribunais e dos projetos de leis orçamentárias, que são de competência de iniciativa exclusiva, todas as demais competências de iniciativa são relativas, razão pela qual nada impede que o legislativo possa propor projetos sobre as respectivas matérias.
Para algumas matérias, preferiu a Constituição atribuir ao presidente da República competência para iniciativa legislativa, logo, reservada a determinadas matérias, como a tributária e a orçamentária (art. 61, § 1º, II, “b”), por estarem diretamente vinculadas à gestão das finanças públicas e a certas competências administrativas, passando o Executivo a ter prerrogativa de provocar a inércia legislativa para iniciar a tramitação de projeto de lei cujo resultado, sob a forma de lei, posteriormente, será encaminhado ao próprio presidente para a competente sanção, promulgação e publicação (art. 84, IV, da CF).
A competência de “iniciativa reservada” do chefe do Executivo, diversamente do que se supõe, tem origem na necessidade de controle legislativo sobre os atos do executivo que comportem implicações financeiras. Isso é algo decorrente de tempos em que a Administração detinha maiores poderes que o próprio parlamento. Na atualidade, em face dos efeitos da tripartição dos Poderes e outros efeitos típicos do princípio republicano, essa combinação de esforços justifica-se como medida técnica para fomentar maior controle e rigor na condução administrativa e financeira do Estado, porém com franco predomínio dos interesses legislativos na determinação do controle e da execução das leis financeiras. Como bem observou Temístocles Brandão Cavalcanti, “os casos de ‘iniciativa’ do Poder Executivo e, portanto, de limitações à competência da Câmara, devem ser interpretados, restritivamente, as dúvidas, beneficiando a competência da Câmara, por constituírem exceção à regra geral, (...) é indubitável que, levado a extremos (...), importa no cerceamento da atividade legislativa”[5].
Em vista disso, mesmo que reconhecido o direito de iniciativa, não que dizer que implique “proibição” para o Legislativo exercer seu poder geral de iniciativa, porquanto ainda lhe resta o mecanismo de sanção, para aprovar ou vetar as leis naquilo que não lhe pareça conforme aos interesses públicos, incluído aí o bom andamento financeiro ou administrativo, além de uma espécie de controle prévio de inconstitucionalidade, no caso brasileiro, conforme dispõe o artigo 64 da CF.
Nas matérias de iniciativa do Poder Executivo, a competência legislativa é sempre concorrente. Não o é como na espécie de regimentos internos, dos tribunais ou dos orçamentos anuais, estes últimos entendidos sempre pela jurisprudência do STF como leis de efeitos concretos[6]. Não acompanha esses, portanto, a legislação do orçamento, matéria para a qual, apesar de ter-se tratamento genérico previsto no artigo 61, parágrafo 1º, da Constituição, mais adiante, apresentam-se diversas regras sobre os distintos modelos de leis orçamentárias e seus projetos somente podem ser propostos nos termos dos procedimentos ali assinalados[7] (por exemplo o artigo 165, inciso III, da CF). Para todas as matérias que ali não estão versadas em rito autônomo, o procedimento será sempre concorrente.
E tanto é assim que, em qualquer matéria, os parlamentares podem, e devem, apresentar propostas de modificação de qualquer projeto de lei, inclusive aqueles de cunho orçamentário ou tributário[8]. A vinculação da proposta limita-se, destarte, unicamente aos poderes de apresentação ab initio, não se estendendo ao conteúdo, que poderá sofrer modificações por meio de propostas de emendas ou alterações.
No caso do orçamento, ele não poderá ser rejeitado, mas certamente poderá receber inúmeras emendas, tantas quantas julguem necessárias os deputados ou senadores[9]. É o que Jorge Miranda chama de iniciativa superveniente.
No Brasil, o artigo 63 da Constituição admite o direito de propor emendas nos projetos de iniciativa reservada do presidente, apenas prevendo a proibição de que estas se prestem a gerar “aumento da despesa prevista”[10].
A iniciativa de apresentação do projeto de lei, como bem diz Carré de Malberg, não é, por si só, um ato de competência legislativa. É, sem dúvida, uma operação essencial, já que se presta como provocação para que o parlamento discuta o conteúdo normativo, porém, para que um órgão possa ser considerado como partícipe da competência legislativa não basta que tenha poder de pôr em movimento esses poderes, ou mesmo que tenha poderes para conferir vigência ao seu conteúdo[11], porquanto desprovido de qualquer mandamento legislativo (vontade reveladora do poder popular representado no parlamento). A iniciativa reservada ao presidente da República, diz ele, é só uma consequência de sua função e de sua tarefa de administração[12], de um tal modo que o exercício de tarefa impulsionadora decorre da sua atividade administrativa, não se revelando como qualquer conteúdo legislativo.
Nesse particular, a competência da iniciativa pode coincidir com os poderes dos membros do parlamento (i), quedar-se numa condição concorrente com a competência atribuída a um ou mais órgãos específicos (ii) ou, ainda, vir atribuída de modo exclusivo a um terceiro órgão (iii). Com agradável surpresa, vimos em Jorge Miranda coincidência de opinião nesse particular, ao dizer que “iniciativa legislativa” não se confunde com “competência legislativa”, pois “iniciativa legislativa significa propor a lei, competência decretar a lei”[13].
A promulgação e publicação da lei no Diário Oficial dependem de ato prévio, a sanção presidencial, que é exigência constitucional. Ao término do processo legislativo, a promulgação da lei, após o ato da sanção, visa a conferir executoriedade à lei, enquanto que a publicação propõe-se como meio de publicidade do seu conteúdo, posto ser o Executivo o responsável pela execução das leis. Por isso, ao presidente encontra-se atribuído o poder de promulgação.
Por isso, cumpre ao Presidente da República, na oportunidade da sanção arguir eventual vício de iniciativa, ao que se pode seguir o veto, caso entenda “inconstitucional ou contrário ao interesse público”. Atendida a constitucionalidade formal, a justificativa para o “veto” somente poderá ser motivada por inconstitucionalidades materiais ou mesmo por prejuízo ao interesse público. Nesse caso, a sanção, será bastante em si para confirmar a cooperação do Executivo e assentimento ao conteúdo da lei aprovada.
Apesar das tantas críticas da população ao legislativo, justas nas suas aspirações de austeridade, essa realidade não pode servir como justificativa para prejudicar a legitimação do parlamento no âmbito das suas competências. Este compromisso com o equilíbrio da relação entre os poderes é dever de todos aqueles que tenham como responsabilidade cumprir e fazer cumprir a Constituição. A proteção da divisão de poderes é uma conquista da segurança jurídica, na realização do princípio do Estado Democrático de Direitos. Nesse sentido, é igualmente um direito fundamental de todos.

[1] CARRÉ DE MALBERG, R. Teoría General del Estado. México: Fondo de Cultura Económica, 2001, p. 353;
[2] Passim, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 3ª ed., SP: Saraiva, 1995, p. 204, “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante”.
[3] CANOTILHO, J.J. Gomes. Directo Constitucional. 2ª ed., Coimbra: Almedina, p. 767;
[4] “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”.
[5] Cavalcanti, Temístocles Brandão. Parecer: Lei de aumento de vencimentos – iniciativa do poder executivo – sanção – ratificação e homologação. Revista de Direito Administrativo, RJ: FGV, 1961, nº 72, p. 419. E mais adiante, confirma seu entendimento: “Se foi o Poder Executivo quem, pela sanção, verificou que, na hipótese, o procedimento legislativo não feriu a política governamental na matéria, não há como admitir-se que o Judiciário anule uma lei, impedindo a sua execução, por uma consideração meramente formal, desde que a aprovação do preceito legal supriu a nulidade”.
[6] “EMENTA: - CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COM EFEITO CONCRETO. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS: Lei 10.266, de 2001. I. - Leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitucionalidade. II. - Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida”. ADI 2484 - MC/DF. STF, Pleno, Min. CARLOS VELLOSO. DJ 14/11/2003
[7] “Competência exclusiva do Poder Executivo iniciar o processo legislativo das matérias pertinentes ao Plano Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos Orçamentos Anuais. Precedentes: ADIN 103 e ADIN 550”. (ADI 1.759-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 06/04/01).
[8] O STF reconhece idêntico cabimento, mormente em matéria tributária, in verbis: “No mérito, não tem relevância jurídica capaz de conduzir à suspensão da eficácia da Lei impugnada o fundamento da presente argüição relativo à pretendida invasão, pela Assembléia Legislativa Estadual, da iniciativa privativa do Chefe do Executivo prevista no artigo 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal, porquanto esta Corte (assim na ADI 2.304-MC, onde se citam como precedentes as ADIN's — decisões liminares ou de mérito — 84, 352, 372, 724 e 2.072) tem salientado a inexistência, no processo legislativo, em geral, de reserva de iniciativa em favor do Executivo em matéria tributária, sendo que o disposto no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais.” (ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 01/08/03. No mesmo sentido: ADI 2.474, DJ 25/04/03). E ainda: “A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado.” (ADI 724 MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27/04/01).
[9] Como assinala Michel Temer: “O Chefe do Executivo pode deflagrar o procedimento de formação da lei, pela iniciativa. Mas é só. Deflagrado aquele procedimento, o projeto se enforma no Legislativo. Lá será emendado com adições (se possível), subtrações ou substituições. Num dado momento – depois da votação – corporifica-se o projeto criado pelo legislativo”. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 9ª ed., SP: Malheiros, 1992, p. 130;
[10]Não havendo aumento de despesa, o Poder Legislativo pode emendar projeto de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, mas esse poder não é ilimitado, não se estendendo ele a emendas que não guardem estreita pertinência com o objeto do projeto encaminhado ao Legislativo pelo Executivo e que digam respeito a matéria que também é da iniciativa privativa daquela autoridade.” (ADI 546, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 14/04/00); “Processo legislativo. Iniciativa privativa do poder executivo. Emenda pelo Poder Legislativo. Aumento de despesa. (...) Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a Parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, a e c combinado com o art. 63, I, todos da CF/88). Inaplicabilidade ao caso concreto.” (RE 274.383, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 22/04/05).
[11] CARRÉ DE MALBERG, R. Teoría General del Estado. México: Fondo de Cultura Económica, 2001, p. 354;
[12] Ibidem, p. 355;
[13] Ibidem, p. 244;
 
Heleno Taveira Torres é advogado, professor e livre-docente de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, e membro do Comitê Executivo da International Fiscal Association.
Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2013