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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Um pouquinho de legalidade, crime e separação de poderes

Perigo da criminalização judicial e quebra do Estado Democrático de Direito


caricatura lenio luis streck 02 [Spacca]O alerta de Alessandro Baratta: afinal, o que queremos?
No final dos anos 1990, o grande criminólogo Alessandro Baratta esteve em Porto Alegre participando de um simpósio sobre criminologia e feminismo. Em pauta a violência contra as mulheres e minorias. As mulheres presentes, a expressiva maioria professando um pensamento progressista, tinham um objetivo: criminalizar duramente os delitos desse jaez. Baratta, homem de militância progressista, no início de sua conferência, fez a seguinte reflexão: neste congresso demonstramos um alto grau de esquizofrenia. Em sentido amplo, todos queremos um direito penal mínimo e o máximo de liberdade; todavia, quando atingidos pela situação, ou seja, em sentido estrito (referindo-se às mulheres e minorias), queremos o mais alto de punição. Assim, ao mesmo tempo manifestamos a nossa descrença no direito penal e entoamos uma ode em seu louvor, pugnando pelo máximo de punição. Afinal, perguntou: “o que queremos”?[1]
Passados tantos anos, durante os quais estamos buscando aperfeiçoar as garantias constitucionais, eis que nos deparamos com um Mandado de Injunção (4.733-STF) — instrumento criado para garantir as liberdades fundamentais e em geral os direitos civis, políticos e sociais — pretendendo (consoante trecho extraído dos autos do processo)
“obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima, por ser isto (a criminalização específica) um pressuposto inerente à cidadania da população LGBT na atualidade”.
O Mandado de Injunção, no seu polo ativo, é assinado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT); o réu: o Congresso Nacional que estaria em mora por não criminalizar os atos acima referidos. O Procurador-Geral da República, na linha dos pronunciamentos dos presidentes da Câmara e do Senado, exarou parecer pelo não conhecimento do mandamus injuntivo. Já o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, fulminou o pedido, aduzindo, entre outras questões, que a criminalização de condutas depende de lei, invocando precedentes da corte.
A questão, portanto, parecia encerrada, desembocando na resposta juridicamente apropriada. No entanto, a ABGLT impetrante ingressou com agravo regimental. Até então, nada de anormal. O que surpreendeu, deveras, foi o parecer da Procuradoria-Geral da República (ler aqui) que, contrariando o parecer anterior e a jurisprudência da Suprema Corte, exarou entendimento favorável:
“O Mandado de Injunção, na linha da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, presta-se a estabelecer profícuo e permanente diálogo institucional nos casos de omissão normativa. Extrai-se do texto constitucional dever de proteção penal adequada aos direitos fundamentais (Constituição da República, art. 5º, XLI e XLII). Em que pese à existência de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, sua tramitação por mais de uma década sem deliberação frustra a força normativa da Constituição. A ausência de tutela judicial concernente à criminalização da homofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistema constitucional. Parecer pelo conhecimento e provimento do agravo regimental. PGR Mandado de Injunção 4.733/DF (agravo regimental). Parecer 4.414/2014-AsJConst/SAJ/PGR).
Ou seja, para a Procuradoria-Geral da República, é possível, via Mandado de Injunção, criminalizar a homofobia e a transfobia, posição que, permissa vênia, vai na contramão da história constitucional, porque admite, a partir da tese da proibição de proteção insuficiente, que o Poder Judiciário pode estabelecer criminalizações.  Segundo o parecer, existe uma clara falta de norma regulamentadora que
“inviabiliza o exercício da liberdade constitucional de orientação sexual e de identidade de gênero, bem como da liberdade de expressão, sem as quais fica indelevelmente comprometido o livre desenvolvimento da personalidade, em atentado insuportável à dignidade da pessoa humana (...).
As indagações que cabem são: Qual seria a relação de uma criminalização com o livre desenvolvimento da personalidade? Qual é o papel do direito penal em um Estado Democrático? Cuida-se, aliás, de questionamentos que não dizem respeito apenas ao caso da criminalização da homofobia, mas que tocam a problemática mais ampla do uso (ou abuso?!) do direito penal como resposta adequada aos problemas da sociedade, que aqui não se poderá desenvolver.
Nessa quadra, vale enfatizar que respeitamos o pleito da ABGLT. O que aqui se questiona é o foro adequado para a satisfação de sua pretensão, que não há de ser o Poder Judiciário. A luta pela criminalização, entretanto, em si, embora contrária à melhor filosofia do direito penal, não é evidentemente inconstitucional, como também não seria inconstitucional eventual lei (desde que proporcional, portanto,  contemplando as exigências da Constituição Penal) tratando do assunto.
Trata-se, fundamentalmente, da discussão acerca dos limites institucionais na relação de Poderes da República. Nesse sentido, lembramos que há mais de quatro séculos essa questão já estava posta em pleno absolutismo dos Stuart, na Inglaterra seiscentista. Lá, Sir Edward Coke, juiz de um pequeno tribunal da Inglaterra no início do século XVII, já considerava nulos os atos do Rei absolutista pelos quais este pretendia estabelecer penalizações sem lei (o famoso caso das Proclamations). Quer dizer, Coke, sem garantias constitucionais, enfrentava o absolutismo para impedir que se pudesse criminalizar condutas sem previsão específica em lei. Passados tantos séculos, o Brasil corre o risco de colocar-se na contramão do constitucionalismo, rompendo com todo um sistema de garantias fundamentais estabelecido com ênfase na própria Constituição Federal de 1988 (CF).
Por tal razão, há que publicamente e com particular ênfase, questionar uma série de aspectos vinculados à tese da Procuradoria-Geral da República, que deveriam deixar muito preocupados os cidadãos brasileiros e todos os que defendem um Estado Democrático de Direito.
1. O próprio uso do Mandado de Injunção como meio para assegurar, à revelia do legislador infraconstitucional, punições na seara criminal é de ser posto na ordem do dia. Note-se que de acordo com o texto constitucional, dar-se-á Mandado de Injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos assegurados pela Constituição Federal.  Muito embora o artigo 5º, XLI (mas também o inciso XLII no que toca à criminalização do racismo), tenha a feição de um mandado expresso de punição de toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, isso não significa – diferentemente do que se verifica no caso do racismo (assim como da tortura e da ação de grupos armados contra a ordem constitucional) – que tal punição tenha de se dar na esfera criminal, pois aqui as hipóteses concretas e mesmo as sanções para as diversas situações foram deixadas (pelo constituinte originário) ao alvedrio da deliberação legislativa infraconstitucional.
2. Além disso, especialmente para efeitos de criminalização e penalização a própria CF assegura, na condição de direitos-garantia fundamentais, a legalidade estrita (art. 5º, XXXIX, CF). Resulta elementar que o Mandado de Injunção não pode ser manejado para efeitos de por um lado buscar uma “criminalização judicial” onde sequer a CF exige de forma inequívoca a criminalização, pois, reitere-se, punição não é equivalente a criminalização (e nem esta necessariamente implica imposição de pena, como se extrai do exemplo da despenalização, mas não descriminalização da posse de droga para consumo próprio), muito menos, contudo, para com isso violar frontalmente outros direitos e garantias fundamentais.
3. Na medida em que a CF não estabelece a obrigação de criminalizar a homofobia, o deferimento do Mandado de Injunção faria com que o Judiciário legislasse, substituindo os juízos políticos, morais e éticos, próprios do legislador, pelos seus. Como já referido, a CF estabelece a obrigação de criminalizar o racismo, mas a extensão do conceito de racismo para a homofobia ou transfobia é um claro exercício do que se poderia designar de panhermeneutismo, sem considerar aqui a ocorrência da absolutamente vedada analogia in malam partem. Não há abrigo constitucional para tal.
4. Mais ainda, o parecer do Ministério Público Federal não leva em conta que o direito fundamental invocado na impetração impõe ao Estado o dever de combater e punir todas as formas de discriminação e racismo (fim), não se referindo, portanto, “à legislação específica de um tipo especial de conduta (meio)”.
5. Portanto, não há qualquer comando constitucional que exija tipificação específica para a homofobia e transfobia. Se a opção for pela criminalização e pela punição tal decisão cabe aqui com exclusividade ao legislador infraconstitucional, o que não pode ser superado mesmo por uma exegese extensiva de legislação em vigor.
6. Outra preocupação guarda relação com o uso descontextualizado de uma figura oriunda do direito alemão, qual seja, o princípio da proibição de proteção insuficiente, o assim chamado Untermassverbot. Se a tese foi utilizada na Alemanha no direito penal, foi-o em outro sentido e contexto. Lá o Tribunal Constitucional declarou ser inconstitucional a descriminalização do aborto. Havia uma lei e o Tribunal entendeu que o Parlamento não tinha liberdade de conformação para proceder a descriminalização, à míngua de alternativa minimamente eficaz para a proteção da vida do nascituro. Mas a decisão do Bundesverfassungsgericht não criminalizava qualquer conduta. A proibição de proteção insuficiente, que opera como um segundo nível de controle das omissões e ações (insuficientes) do poder público, poderá servir de importante critério para o controle dos atos do poder público e mesmo ensejar uma correção de rumos, mas não se presta como fundamento cogente e eficaz, por si só, para justificar a criminalização de uma conduta, ainda mais, como no caso em tela, mediante provimento jurisdicional.
7. Todos sabemos que a jurisprudência do STF tem sido firme com relação à necessidade de se detectar, para o cabimento do Mandado de Injunção, a existência inequívoca de um direito subjetivo, concreta e especificamente consagrado na CF, direito que não esteja sendo fruído por seus destinatários em virtude da ausência de norma regulamentadora exigida por essa mesma Carta (por todos, o MI 624/MA). Aliás, no parecer anterior, acolhido pelo ministro Lewandowski, assim se manifestou o PGR de então:
“Dessa forma, verifica-se que o ordenamento jurídico pátrio protege homossexuais, bissexuais e transgêneros de agressões fundadas pelo preconceito contra suas orientações sexuais. Por mais que a associação impetrante julgue tal proteção deficiente, a insatisfação com o conteúdo normativo em vigor não é motivo suficiente para o cabimento do presente Mandado de Injunção. ”
A questão simbólica
De todo modo, respeitando, à evidência, a posição jurídica explicitada no parecer do Procurador-Geral da República, o que mais nos preocupa é o valor simbólico da questão sub judice. Tudo indica que, por coerência e prestigiando os seus próprios julgados, o Supremo Tribunal Federal fulminará o agravo. Entretanto, o que fica é a ponta do iceberg de um imaginário que cresce dia a dia no Brasil, caracterizado pelo uso de criminalizações para resolver problemas sociais e de relacionamento sociais. Por certo que não foi este o objetivo Ministério Público Federal.
Por evidente que não se nega a importância do direito penal e sequer se questiona a existência, especialmente no caso brasileiro, de mandados constitucionais de criminalização. Neste ponto, deve ser louvada a posição exposta no parecer, porque abre esse horizonte de cumprimento, no futuro, dos mandados constitucionais, embora não seja o caso, na opinião dos subscritores, da homofobia. Mas o que não se pode tolerar é o estabelecimento de uma hipertrofia do direito penal, que, ao fim e ao cabo, resulta paradoxal. De um lado, os movimentos sociais (minorias, etc.) clamam por liberdades e pelo estabelecimento de limites à atividade de controle do Estado; de outro, exigem que o mesmo Estado criminalize condutas, a ponto de colocar a criminalização como condição para o exercício do “desenvolvimento livre da personalidade”.
Não esqueçamos, ainda nessa quadra, que a tentativa de criminalizar as referidas condutas expostas na inicial tem como sustentáculo a sua correlação (analogia) com o racismo. Nesse sentido, há que se ter em conta a relevante circunstância – de índole constitucional – que racismo é crime hediondo; consequentemente, tudo está a indicar que qualquer agressão de cariz homofóbico e identidades de gêneros, a vingar a pretensão da inicial do Mandado de Injunção, será considerada “crime hediondo”. E veja-se a vagueza e a ambiguidade do “tipo penal” pretendido na impetração, o que, por si só, já ofende princípios e regras elementares da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos. Como conceituar “todas as formas de homofobia e transfobia”? Ofensas verbais estão incluídas? E isso seria uma forma de racismo? E o crime de homofobia abrangeria atos concretos de discriminação (mediante uma leitura afinada com o que dispõe o art. 5º, XLI, CF) ou já incluiria atos de preconceito?
Mas também a chaga de uma forma sutil de “maquiavelismo jurídico” merece referência, visto que não é a primeira vez que causas que são em si nobres (uma vez que ninguém questiona — e a CF impõe! — a bondade intrínseca do combate a todas as formas de discriminação), tendem a legitimar, do ponto de vista de alguns, praticamente todo e qualquer meio para a sua realização, ainda que o meio implique sérias violações de direitos e garantias fundamentais, profundamente incrustrados na Constituição e no direito internacional dos direitos humanos, todos a contemplar a legalidade estrita em matéria penal.
Assim, sem pretender tirar a legitimidade dos movimentos sociais em buscar a criminalização de condutas que, a seu juízo, violam seus direitos fundamentais, entendemos, a partir de um olhar constitucional, que esse desiderato não pode ser alcançado pela via do Poder Judiciário. Nossa divergência, nesse sentido, quer abrir as portas para um profícuo diálogo no sentido de buscar as melhores e mais eficazes formas de combater discursos de ódio e atos discriminatórios praticados contra os mais variados movimentos sociais — em especial o LGTBT — e mantendo, assim, incólume a Constituição, porque de nada adiante, sob pretexto de uma proteção, desproteger outros direitos.
Numa palavra: pretendemos ser duros na defesa do direito constitucional, mas tolerantes com a divergência e prontos para o diálogo democrático, circunstância que envolve, necessariamente, o fundamental papel desempenhado pelo Ministério Público brasileiro, em especial na sua fala máxima com assento na Suprema Corte, onde tais questões, muitas vezes por carência de diálogos institucionais, deságuam e acabam por resultar, como se pretende no Mandado de Injunção aqui questionado, em provimento que desborda dos limites do Estado Democrático de Direito. O combate eficaz que deve ser travado contra toda e qualquer forma de discriminação atentatória aos direitos humanos e fundamentais, no que se inclui a luta contra a homofobia, há, contudo, de ser travado sem violar princípios sagrados à Democracia e ao constitucionalismo.

[1] Ver, para tanto, STRECK, L. L. ; BARATTA, A. ; ANDRADE, V. R. P. . Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. 

Carf e os efeitos prospectivos para novos entendimentos e retroativos para atos


Uma situação que permanece gerando insegurança jurídica se refere a decisões negociais que foram tomadas no passado com base em decisões reiteradas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que apontaram a forma correta de aplicar alguma norma, mas, vários anos depois, tendo havido mudança interpretativa, mesmo os fatos do passado passaram a ser julgados pelo novo entendimento. Exemplo dessa situação ocorreu com operações societárias que antes eram admitidas e praticadas, mas que passaram a ser rechaçadas e julgadas pelo novo crivo.
Indo contra essa corrente, Turma do Carf aplicou previsão do Código Tributário Nacional (CTN) raramente acionada, para dar efeitos apenas prospectivos para mudanças de interpretação; assim ementado:
Acórdão 3401-002.537 (publicado em 12.08.2014)
MUDANÇA DE ENTENDIMENTO ACERCA DE INTERPRETAÇÃO TRIBUTÁRIA – MUDANÇA DE CRITÉRIO JURÍDICO - ART. 146 DO CTN – APLICAÇÃO SOMENTE A FATOS GERADORES POSTERIORES À SUA INTRODUÇÃO
Nos termos do artigo 146 do CTN, a modificação introduzida, de oficio, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.
Voto (...)
É comum o fisco alterar o seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal implicando encargo maior ou menor para o contribuinte. Quando a mudança de posicionamento do fisco favorece o contribuinte não temos dúvida de que o novo critério interpretativo pode ser aplicado retroativamente em razão do princípio da retroatividade benéfica (art. 5º, XL da CF).
É diferente quando se tratar de retroação que agrava o encargo tributário do contribuinte, hipótese em que não poderá retroagir o critério interpretativo, quer em razão do já citado princípio da retroatividade benéfica que veda a retroação quando maléfica, quer em função da vinculação da administração a seus próprios atos.
De fato, o fisco limita-se a aplicar a lei ao caso concreto. Logo, se a lei não pode retroagir, salvo se for a nova lei mais benigna, parece evidente que o critério jurídico de interpretação dessa lei, também, não possa retroagir a menos que se trate de um novo critério mais favorável ao sujeito passivo da obrigação tributária.
Na prática, é comum o fisco promover o desenquadramento do regime do SIMPLES, ou do regime de tributação fixa do ISS, com efeito retroativo alegando novo entendimento formado à luz da jurisprudência administrativa ou judicial.
Essa prática é ilegal e contraria o princípio da boa-fé do contribuinte, de um lado. E de outro lado, representa insubmissão da administração a seus próprios atos, o que é inadmissível por implicar violação do princípio da segurança jurídica.
O novo critério interpretativo só pode ser aplicado para o futuro, jamais para o passado.

Ato declaratório retroage
Não é situação inusual haver contribuintes que já usufruem de benefício fiscal, como o da área da Sudene, sem ter ainda o Ato Declaratório da Receita Federal, apesar de já ter o Laudo Constitutivo da Adene. A Receita Federal autua, pois considera que, sem a chancela do fisco, fica irregular o benefício fiscal.
Todavia, Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) aduziu que o ADE é meramente declaratório de um direito que já se tem a partir de um Laudo Constitutivo, portanto pode ser produzido posteriormente, mesmo após o início da fruição dos benefícios; assim ementado:
Acórdão 9101-001.895 (publicado em 14.08.2014)
INCENTIVOS FISCAIS. SUDENE. RECONHECIMENTO DO DIREITO PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL.
Para os benefícios concedidos com base no art. 14 da Lei nº 4.239/63, o ato expedido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil é um ato que declara, vale dizer, chancela o direito do contribuinte à redução do IRPJ para o período desde a data em que existe a declaração de que estão preenchidos os requisitos para tal benefício. Essa declaração, consubstanciada em laudo constitutivo, emitido pelo Ministério da Integração Nacional ADENE, é a prova necessária e suficiente, sendo certo que só a partir dela tem-se o direito passível de reconhecimento pela SRFB.
Em linha com esse entendimento amplo para gozo de benefício, há este outro precedente, desta feita sobre pedido de revisão de benefício fiscal, que tem como condição estar o contribuinte regular com o fisco. A Turma fixou o entendimento de que a prova da regularidade pode se dar no curso do processo administrativo, não necessariamente no momento em que solicitado o benefício; assim ementado:
Acórdão 9101-001.436 (publicado em 15.08.2014)
INCENTIVOS FISCAIS. CONCESSÃO. REGRAS DE ADMISSIBILIDADE. PERC. COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL.
Comprovada a regularidade fiscal no curso do processo administrativo, deve ser afastada a preliminar de impossibilidade de deferimento do incentivo fiscal com fulcro no art. 60 da Lei n° 9.069, de 1995, devendo a repartição de origem prosseguir a análise do mérito do pedido.

PLR
Decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais sempre chamam a atenção, pois é órgão incumbido de pacificar as divergências entre Turmas do CARF. E, no caso abaixo, Turma da CSRF enfrentou questões referentes à participação nos lucros e resultados (PLR) e decidiu que (a) o acordo negociado entre empregados e empresa com intervenção do sindicato não precisa ser firmado antes do exercício a que se refere, mas apenas antes do pagamento da PLR; e (b) que havendo pagamento de parcela do PLR em periodicidade menor que a legal (antes semestral atualmente trimestral), apenas a parcela desconforme a lei deve ser desqualificada e sofrer incidência de contribuição, não invalidando todo o PLR; assim ementado:
Acórdão 9202-003.192 (publicado em 13.08.2014)
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS (PLR). PAGAMENTO EM CONFORMIDADE COM A LEI DE REGÊNCIA. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO. PAGAMENTO EM DESACORDO COM A LEI. INCIDÊNCIA.
Apenas a parcela paga ou creditada aos empregados a título de participação nos lucros ou resultados em acordo com as diretrizes fixadas pela legislação pertinente não integra o salário de contribuição.
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS (PLR). ANTERIORIDADE DE CONVENÇÃO COLETIVA, ACORDO COLETIVO OU NEGOCIAÇÃO COLETIVA. NECESSIDADE. INEXISTENCIA DE PRAZO FIXADO EM LEI. ACORDO FIRMADO DURANTE O PERÍODO DE AFERIÇÃO DAS METAS ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS.
A Lei 10.101/2000 exige que o fechamento do acordo para o pagamento da PLR ocorra antes do pagamento e ao menos durante o período de aferição dos critérios adotados para fixação do direito subjetivo dos trabalhadores. Referida lei não estabelece, contudo, prazo mínimo necessário entre o fechamento do acordo e o pagamento da PLR, não cabendo ao interprete fazê-lo.
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS (PLR). PERIODICIDADE PREVISTA NA LEI 10.101/2000. DESCARACTERIZAÇÃO DAS PARCELAS PAGAS EM DESACORDO E NÃO DO PROGRAMA DE PLR COMO UM TODO.
A Lei 10.101/2000, antes da alteração pela Lei 12.832/2013, vedava o pagamento de PLR em periodicidade inferior a um semestre civil ou em mais de duas vezes no mesmo ano civil. Não se pode deixar de aplicar a lei a pagamentos feitos em acordo com as suas disposições, devendo ser computados na base de cálculo das contribuições previdenciárias apenas as parcelas pagas em periodicidade inferior à permitida ou acima de duas vezes por ano.

Ágio e perda
Existe uma legislação pouco utilizada, mas ainda vigente pelo menos até 2015 quando, pelas novas regras que extinguiram o RTT, ocorrerá revogação expressa (art. 117, III, “i” da Lei 12.973/14). Trata-se da dedução da perda de capital na alienação de participação societária, especificamente quando for antecedida por aquisição com ágio (art. 34, I, do DL 1.598/77); possibilidade que ficou esquecida porque se passou a utilizar a previsão de dedução do próprio ágio, que surgiu com a Lei 9.532/97.
De fato, a dedução do ágio passou a ser permitida (art. 7º, III, da Lei 9.532/97), quando antes era vedada (art. 25 do DL 1.598/77). Na época em que era vedada a dedução do ágio, surgiram casos em que se deduzia, a título de perda de capital, o valor extra que tinha gerado o ágio; o que causou autuações apontando haver planejamento tributário ilícito em pagar ágio para adquirir participação societária alegando o valor alto da participação, mas, no momento seguinte, amortizar a mesma participação a título de perda porque a participação valeria pouco. Aliás, a lei que possibilitou a dedução do ágio surgiu, conforme a exposição de motivos da MP 1.602/97 depois convertida na Lei 9.532/97, justamente para coibir tal planejamento. O aprofundamento dessa discussão, inclusive cotejando com a nova regra da Lei 12.973/14, pode ser encontrado em artigo dos autores desta coluna no livro Grandes questões em discussão no Carf, a ser lançado pela editora Focofiscal em setembro de 2014.
Estabelecido esse contexto, no caso abaixo a fiscalização glosou a posterior amortização da perda de capital porque o inicial ágio não foi fundamentado; o que está em linha com a jurisprudência do antigo Conselho de Contribuintes, atual Carf. Todavia, a Turma fez uma distinção inexistente na pacífica jurisprudência do Carf, considerando que a falta de fundamento do ágio só impediria a dedução como perda se houvesse prova de que o ágio foi simulado, mas não por simples falta de documentação; e só não foi cancelada integralmente essa parte da autuação porque o contribuinte teria usado critério de correção sem base legal; assim ementado:
Acórdão 1301-001.496 (publicado em 18.07.2014)
ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. GANHO OU PERDA DE CAPITAL. ÁGIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO ECONÔMICA.
Isoladamente, diferentemente da amortização antecipada autorizada por normas legais, a ausência de comprovação documental da fundamentação econômica não constitui impedimento para que, na apuração do ganho ou perda de capital, o ágio seja considerado no valor contábil da participação alienada. Não obstante, constatando-se que na atualização do custo foram utilizados índices não autorizados pela legislação de regência, há de se promover a glosa correspondente.
Voto (...)
A meu ver, a partir da constatação de que a contribuinte fiscalizada não detinha documentos capazes de justificar, economicamente, o pagamento do ágio, caberia à Fiscalização envidar esforços no sentido de demonstrar, por exemplo, que o valor pago não se destinou efetivamente à aquisição da participação societária.
Perscrutando a jurisprudência deste Colegiado acerca da matéria, identifiquei dois pronunciamentos que, tomando-se por base unicamente as ementas dos julgados, pode-se concluir, equivocadamente a meu ver, que o fato isolado de o contribuinte não comprovar, documentalmente, o fundamento econômico do ágio, impede que ele utilize o referido custo na apuração do ganho ou perda de capital.
Com efeito, os acórdãos nºs 108-09.809 e 1301-00.053 foram assim ementados (embora julgados por Colegiados distintos em momentos também distintos e envolverem empresas diferentes, os fatos dos quais decorreram as autuações são os mesmos): (...)
Penso, pois, que os pronunciamentos acima referenciados não invalidam a tese de que, isoladamente, o fato de a contribuinte não ter comprovado documentalmente o fundamento do econômico não pode servir de fundamento para que seja promovida a glosa do ágio pago na aquisição da participação societária, para fins de apuração de ganho ou perda de capital. Ao contrário, reafirmam o entendimento de que tal glosa deve vir acompanhada de outros elementos que autorizem concluir que, por exemplo, houve artificialização da perda (como nos casos antes descritos), ou, como já dito, que o pagamento não se destinou efetivamente à aquisição do investimento.
Ausentes tais elementos, tenho por improcedente a glosa efetuada.

Desafio para reforma tributária é superar ideia de reformas pontuais

Direito e desenvolvimento

 


Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Em 18 de agosto de 2014, o Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas recebeu Bernard Appy, para retomar a agenda de discussões sobre “Reforma Tributária Viável”. O economista ressaltou os principais problemas do sistema tributário brasileiro e trouxe sugestões de aperfeiçoamento[1].
É pacífico entre os estudiosos sobre o tema a necessidade de uma reforma ampla em matéria fiscal. No entanto, as autoridades ainda não se convenceram que este é um tema prioritário para o desenvolvimento do país, capaz de (i) alavancar a economia brasileira, ampliando a competitividade e possibilidade de internacionalização das empresas; (ii) reduzir as desigualdades regionais; (iii) reduzir as desigualdades de renda; e (iv) gerar ambiente promissor ao desenvolvimento dos micro e pequenos empresários.
Bernard Appy sustenta que  um sistema tributário bem estruturado deve: (i) ser eficaz do ponto de vista de geração de receita; (ii) impactar o mínimo possível a eficiência econômica, os investimentos e a competitividade no país; (iii) sempre que possível ser progressivo, desde que este objetivo não conflite com os demais; (iv) ser simples de forma a reduzir o custo empresarial de compliance, o alto grau de litigiosidade e a insegurança jurídica; (v)  ser equitativo, garantindo a incidência equivalente sobre iguais; e (vi) ser transparente, já que o cidadão deve estar ciente de quem arca com o tributo e como os recursos arrecadados são gastos pelo Estado.
Dados extraídos do estudo O peso da burocracia tributária na Indústria da Transformação 2012[2] mostram claramente que o custo de compliance (pessoal, obrigações acessórias, softwares e terceirização de serviços e custo do contencioso (advogados) representa R$ 24,6 bilhões, 1,16% do faturamento, 2,6% faturamento considerando insumos e 4,96% do PIB da indústria de transformação. Um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento da indústria brasileira.
Já o gritante volume do contencioso tributário brasileiro foi apresentado pela pesquisadora Lorreine Messias[3] ao trazer que o contencioso federal na esfera administrativa montava a R$ 528 bilhões (11% do PIB) em setembro de 2013. Em meados de 2013, apenas quatro questões tributárias em discussão no Supremo Tribunal Federal montavam a R$ 213 bilhões (4,4% do PIB). Segundo o estudo da OCDE para uma amostra de 18 países, a mediana do valor do contencioso administrativo era de 0,2% do PIB, o que significa dizer que o contencioso tributário no Brasil é mais de 50 vezes superior ao padrão mundial. Como falar em transparência fiscal, eficiência econômica e atração de investimentos diante deste cenário?
Quando se fala em tributação sobre a produção (ICMS, PIS/COFINS, IPI e ISS), o foco sobre a temática da Guerra Fiscal é sempre superestimada o que gera uma deficiência de debate sobre outros entraves igualmente relevantes, tais como: (i) o número excessivo de tributos sobre a produção, com uma forte fragmentação da base de incidência entre setores e categorias de contribuintes; (ii) a sobreposição dos regimes cumulativo e não cumulativo no PIS/COFINS; (iii) a interpretação excessivamente restritiva da Receita Federal no tocante aos insumos que geram créditos de PIS/COFINS; (iv)  o acúmulo de créditos de ICMS e PIS/COFINS e a grande dificuldade das empresas em recuperar o crédito acumulado; (v) a multiplicação de regimes especiais de ICMS e PIS/COFINS para setores beneficiados, em detrimento dos demais setores da economia; e (vi) os problemas de eficiência alocativa que resultam deste conjunto de distorções.
Enquanto a maioria dos países está trabalhando na redução da tributação sobre os lucros para atração de investimentos, o Brasil anda na contramão do mundo e mantém uma alíquota elevada (de 34%), próxima do padrão de tributação norte-americano (35%).  Tributa-se mais o lucro reinvestido na empresa do que o lucro distribuído aos acionistas, o que reflete uma lógica de incentivo ao consumo em detrimento da lógica de incentivo para realização de investimentos, pesquisa e desenvolvimento.
Como se não bastasse, o regime atual de tributação de lucros de controladas no exterior torna as empresas brasileira pouco competitivas e “trava” o seu processo de internacionalização.     
A proposta de desoneração da folha de pagamento, pensada para solucionar pontualmente o problema da competitividade da indústria, não foi capaz de suprir esta demanda e ainda, a migração da contribuição previdenciária da folha para a receita para apenas alguns setores acabou por agravar as distorções alocativas.
De fato nos parece que o grande desafio da reforma tributária, na linha do exposto por Bernard Appy[4], é ultrapassar a ideia de reformas pontuais e repensar um sistema tributário e financeiro simples, reduzindo ao máximo as distorções que resultam no tratamento diferenciado de iguais (setorialmente ou em função de distintos regimes) e que prejudicam a eficiência alocativa e os investimentos no país, ampliando a transparência sobre a efetiva incidência dos tributos e evitando mudanças na legislação tributária em razão de situações conjunturais.

[1] Apresentação disponibilizada por Bernard Appy.
[2] Fonte FIESP e IBGE. Disponível em: http://goo.gl/3L3RwS.
[3] Ver “Contencioso Tributário brasileiro é muito superior ao dos EUA”, de Lorreine Messias. Disponível em: http://goo.gl/uhJxSQ e “Litigiosidade tributária no Brasil”, de Bernard Appy e Lorreine Messias. Disponível em: http://goo.gl/GmUbLa.
[4] Ver apresentação disponibilizada por Bernard Appy.

Não há nada tão distante como o fim de contrato de concessão

Dar pouca preocupação para o futuro distante parece ser um dilema eterno do ser humano. John Maynard Keynes já afirmava que “a longo prazo, todos estaremos mortos”. E não há nada tão distante no mundo empresarial como o fim de um contrato de concessão ou permissão de serviço público, instrumento jurídico contratual que ultrapassa décadas.
 
Mas a regra é que as discussões sobre o fim dos contratos só se cristalizam quando o advento do termo está próximo. E essa pouca preocupação legal não é uma exclusividade brasileira: se verificarmos a lei ucraniana de concessões (nos artigos 15 e 24), também é possível extrair essa mesma vagueza normativa.
 
Além de alguns contratos de concessão no setor de energia, está chegando ao fim os contratos de concessão no setor de transportes — e, graças a Deus, a profecia de Keynes não se realizou e estamos aqui vivos debatendo o tema!
 
Um desses contratos que deve trazer discussões interessantes para os próximos meses é o da concessão da Ponte Presidente Costa e Silva, a Ponte Rio-Niterói, visto que o contrato de concessão da atual concessionária, a Concessionária Ponte Rio-Niterói S. A. (controlada por uma holding, o Grupo CCR) expirará no final de maio de 2015. O Ministério dos Transportes, atento a essa questão, publicou, no começo deste ano, um chamamento público com a finalidade de obter estudos de viabilidade para uma nova concessão da Ponte por meio de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Algumas empresas, dentre elas o próprio grupo controlador atual, apresentaram as propostas de estudos, e o Ministério dos Transportes deverá, em breve, levar a audiência pública a minuta de edital e contrato para a licitação da Ponte.
 
É importante destacar que a atual concessionária está estruturada na forma de uma sociedade de propósito específico (SPE). Ou seja, com o advento do termo contratual, cessa a sua razão jurídica de existir. Considerando que o grupo controlador apresentou estudos para a nova modelagem da Ponte — o que já serve para externar a sua intenção em participar de uma eventual nova concorrência —, o interessante, sob o aspecto jurídico, é a possibilidade de haver a extinção da SPE e a criação de uma nova SPE pelo mesmo grupo controlador — caso ele se consagre vencedor em uma eventual nova licitação. Além das já árduas discussões com relação ao término da SPE, poderá haver a hipótese de uma extinção ficta da SPE, dado que, na prática, haveria apenas uma mudança formal de SPE. Materialmente, teríamos a mesma empresa concessionária explorando o serviço já explorado por ela — utilizando-se até mesmo de seu capital físico e humano já destinado à operação atual.
Por essa razão, pretende-se analisar brevemente os seguintes pontos nas linhas que se seguem: i) a questão da reversibilidade da concessão (dos ativos e da operação em si); ii) a adjudicação do serviço público a SPE com mesma estrutura societária anterior — os mesmos controladores; (iii) eventual sucessão trabalhista; (iv) eventual sucessão comercial; (v) indenização quanto a investimentos ainda não amortizados.
 
A principal preocupação da legislação brasileira no fim das concessões é quanto à reversibilidade dos bens, com a ausência de disposições concernentes à reversibilidade operacional. O artigo 18, XI, da Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões), indica que o edital de licitação conterá “as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior”, sendo, inclusive, uma cláusula essencial do contrato de concessão (artigo 23, X, da mesma lei).
 
A mesma lei define que, na extinção da concessão, todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos devem retornar ao poder concedente, conforme previsão editalícia e contratual. E tal assunção do serviço autoriza imediatamente o poder concedente a ocupar e utilizar as instalações e os bens reversíveis (artigo 35, parágrafos 1º e 3º da Lei de Concessões).
 
Se analisarmos as Seções XI – Dos Casos de Extinção da Concessão, XII – Do Regime dos Bens que Integram a Concessão, XIII – Da Cessão de Bens do DNER para a Concessionária, e XIV – Da Reversão dos Bens que Integram a Concessão, todas do Contrato de Concessão firmado entre União e a concessionária, observaremos os seguintes pontos relevantes:
 
a) Extinta a concessão, os bens são revertidos ao DNIT (sucessor do DNER) livres de ônus e encargos, inclusive sociais e trabalhistas;
b) Extinta a concessão, há a imediata assunção do serviço pelo DNIT, devendo haver os levantamentos, avaliações e liquidações necessários. Ato contínuo, revertem gratuita e automaticamente para o DNIT todos os bens da concessão, móveis ou imóveis, afetados ao serviço público;
c) O DNIT deve antecipar-se à extinção da concessão para proceder aos levantamentos necessários para fins de determinação do montante de indenização no caso de bens ainda não amortizados;
 
De resto, há a reprodução dos mesmos dispositivos legais supramencionados — dado que o Contrato de Concessão foi assinado em dezembro de 1994, anterior à Lei de Concessões. Não há, portanto, uma ampla disciplina jurídica contratual específica a essas questões de reversibilidade operacional, e existe uma rarefeita normatização para a reversibilidade de bens, conforme exposto pelos dispositivos acima mencionados.
 
É que, na verdade, só faz sentido essa assunção imediata de bens e direitos no caso de haver o início da exploração por parte do DNIT, ainda que temporária, do serviço público em questão — tal como ocorreu no caso da extinção dos contratos no estado do Rio Grande do Sul. O chamamento público do PMI no presente caso demonstra que essa hipótese não está nos planos do Ministério dos Transportes.
 
Logo, partindo dessa premissa, faria todo sentido estabelecer como termo inicial da concessão D+1 em relação ao termo final, hipótese em que, às 23h59, o serviço público ainda seria operado pela concessionária anterior, e, à meia noite do dia seguinte, passaria automaticamente a ser explorado pela nova concessionária.
 
Nesse caso, o DNIT poderia celebrar um único “termo de devolução e entrega” juntamente com a antiga e a nova SPE, operando-se a imediata devolução do serviço pela antiga concessionária e sua assunção pelo DNIT e, ato contínuo, a transferência e entrega dos bens e responsabilidades pela exploração à nova SPE. Porém, para que essa possibilidade possa ser concretizada, é imperioso que a licitação já esteja adjudicada, homologada, e o contrato assinado antes do advento do termo contratual, sob pena de não ser possível juridicamente se operar essa engenharia contratual.
 
Caso a assinatura seja posterior ao termo final do contrato, será necessário que o DNIT primeiro assuma o serviço — já que essa assunção se opera automaticamente com o advento do termo final do contrato — para daí poder transferi-lo à nova SPE. Ter o contrato assinado antes do advento do termo contratual deve, portanto, ser uma das prioridades para o Ministério dos Transportes, o que traria inegáveis ganhos procedimentais nessa nova concessão.
 
E, convém ressaltar, essa assinatura teria que se dar em um prazo consideravelmente anterior ao termo contratual. Isso porque talvez seja necessário o estabelecimento de uma espécie de “equipe de transição”, tal como ocorre na Administração Pública com a mudança de governos, a ser composta por membros do DNIT, da ex-concessionária e da nova concessionária, a fim de que a nova concessionária possa receber o serviço da concessionária anterior sem que haja a sua interrupção.
Seria um ganho meramente operacional, porquanto, nesse caso, não se “vira a chave”: a concessão continua “ligada”. No caso de o mesmo grupo controlador vencer a licitação, essa transição nesses moldes deverá ser ainda menos complicada para a nova SPE (na prática, ela “transferiria” o serviço para ela mesma), o que lhe poderia representar uma vantagem operacional e, por conseguinte, influenciar na elaboração da sua proposta econômica para a licitação.
 
Já na hipótese de a SPE assumir o serviço em data diferente de D+1 em relação ao termo final, a concessionária anterior terá que “virar a chave” e entregá-la ao DNIT, “desligando” a concessão e passando o serviço público a ter imediatamente exploração pública, estando sob responsabilidade do DNIT. Será necessário que o DNIT entregue a “chave”, posteriormente, para a nova concessionária. E, nesse caso, ainda que o mesmo grupo controlador vença a licitação, a dificuldade procedimental será a mesma, não representando vantagem operacional alguma, já que não haverá a figura da “transferência para si mesmo”.
 
É possível reparar que essa problemática quanto à reversibilidade operacional também se estende a direitos e obrigações emergentes da concessão. Uma questão é afeta à esfera trabalhista: o que fazer com todos os empregados da atual concessionária? Rescindir todos os contratos sem justa causa por conta da extinção da SPE? A ocorrência da chamada “sucessão trabalhista” não ocorre automaticamente nesse caso, visto que os artigos 10 e 448 da CLT apenas se referem à mudança de propriedade ou estrutura jurídica da empresa. No caso em questão, não há a mudança da estrutura jurídica, mas sim o surgimento de uma nova empresa (SPE), e a extinção da atual que vem explorando o serviço.
 
Já no caso de surgimento de uma SPE por parte do mesmo grupo controlador, a discussão da sucessão trabalhista poderia emergir, sobretudo por parte de órgãos de controle das relações de trabalho. Faria sentido em a SPE atual demitir todos os empregados para recontratá-los? Sob o aspecto da lógica jurídica do instituto da concessão e manutenção da isonomia entre os participantes, sim. A ocorrência da sucessão trabalhista representaria uma inegável vantagem competitiva ao grupo controlador que se mantivesse na exploração da concessão por meio da adjudicação a uma nova SPE — eliminaria boa parte dos custos de transação envolvidos com o capital humano. Entretanto, se integrarmos o problema com a seara trabalhista, a questão não é de simples solução pelo seu elevado impacto social — afinal, é uma questão que envolverá milhares de empregados.
 
A discussão da sucessão poderia inclusive atingir uma SPE controlada por grupo diverso do que explora atualmente a infraestrutura e o serviço público, prejudicando a competitividade de outros players. Atento a essa questão social, seria possível o edital e contrato da nova concessão obrigar a nova SPE a assumir o capital humano da SPE anterior — ao menos aquele “afetado” diretamente à operação, como os arrecadadores de pedágio, e os motoristas de viaturas de inspeção e ambulâncias? Poderiam eventuais interessados impugnar um item na minuta do edital e do contrato que contenha tal obrigação, sob o argumento de que isso representaria uma vantagem competitiva ao atual grupo controlador, o qual detém hidden information sobre o seu próprio capital humano, acarretando a temida assimetria de informações da teoria dos leilões? Por outro lado, a formação de uma equipe de transição poderia representar um mecanismo de screening na concessão, mitigando essa assimetria?
E nas questões referentes à sucessão comercial? A princípio, valeria o mesmo raciocínio acima. Em tese, os contratos com terceirizados deveriam ser encerrados, já que estariam limitados ao prazo da concessão — o máximo da liberdade de subcontratar da concessionária é dependente do prazo da outorga da exploração do serviço público. Essa questão pode ser mais simples no caso das concessões rodoviárias em andamento; contudo, em concessões aeroportuárias, a possibilidade de exploração comercial de áreas no complexo aeroportuário, com a anuência do poder concedente, poderia ensejar contratos de exploração de espaço com terceiros que sejam superiores ao prazo de concessão, a fim de viabilizar financeiramente o retorno dos investimentos realizados.
 
Levando em consideração que essa situação hipotética ocorra na concessão da Ponte Rio-Niterói, como decorrência do exposto no parágrafo anterior, a nova concessionária teria que atuar obrigatoriamente como sucessora desses contratos? Poderia a minuta do edital e do contrato obrigar a essa sucessão comercial? Isso certamente estaria sujeito a contestações pelos grupos empresariais concorrentes do atual grupo controlador?
 
Outra discussão interessante, por derradeiro, é quanto aos bens reversíveis ainda não amortizados. O artigo 36 da Lei de Concessões dispõe que a reversão far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados. Não há nenhum dispositivo textual e literal que imponha a indenização prévia, como é feito no caso da encampação (artigo 37), embora haja referência à forma de pagamento do artigo 36. A interpretação mais plausível é que a reversão e indenização caminhem pari passu na formalização do ato jurídico: no termo de devolução, são apurados os bens não amortizados, definidos o valor da indenização e realizado o seu pagamento na conta da SPE a fim de extinguir as obrigações mútuas das partes.
 
No atual contrato de concessão da Ponte, a Cláusula 117 registra expressamente que a indenização dá-se de forma prévia para os bens amortizados. No entanto, em contratos de concessão mais recentes do Governo Federal (sobretudo os primeiros da Segunda Etapa de Concessões Rodoviárias Federais), a disposição é que a reversão “se fará com o pagamento, pela União, das parcelas dos investimentos”, mas não menciona se o pagamento é prévio ou posterior à extinção da concessão. Por fim, contratos mais recentes da Terceira Etapa incluem cláusulas expressas no sentido de que não haverá indenização por bens não amortizados, sendo esse um risco assumido pela concessionária na precificação de sua proposta.
 
Porém, seria possível que o novo contrato de concessão defina que o novo concessionário deva pagar a indenização ao concessionário anterior, previamente à extinção da concessão? Nessa hipótese, o pagamento teria que ser uma conditio sine qua non à nova SPE para a assunção do serviço — modelagem semelhante ao que vem sendo cogitado para MIPs e PMIS quanto aos gastos na sua estruturação e modelagem, no sentido de que o vencedor do certame deve reembolsar o elaborador dos estudos prévios que deram origem ao projeto. E algumas minutas já vêm inscrevendo que o depósito prévio do reembolso dos valores é requisito para a assinatura do contrato administrativo.
 
Contudo, como ficaria no caso de uma nova SPE na específica hipótese em que ela seja 100% do mesmo grupo controlador? Teria ela uma vantagem competitiva em termos contábeis, podendo “abater” o valor de indenização devido à antiga SPE na elaboração da proposta para o certame, tornando-a mais competitiva que a dos demais licitantes? Poderia haver uma compensação de contas, com a ex-SPE abrindo mão do crédito a receber da nova SPE se ela for pertencente ao mesmo grupo controlador — visto que seria, na prática, um pagamento para si mesmo? Sendo o grupo controlador credor e devedor de si próprio, aplicar-se-ia o instituto da confusão disposto no artigo 381 do Código Civil?
 
Em síntese, essa apertada análise tentou salientar algumas questões que deverão pautar as discussões jurídicas nos próximos meses. Todas essas discussões poderão vir disciplinadas na minuta do edital e contrato oportunamente, o que representará um desafio aos estudiosos e operadores do direito público, e servirá como um importante case para o término das concessões de serviços públicos no Brasil.

Crime de apropriação indébita depende de fim de processo fiscal administrativo

Recebimento de denúncia

 

Os crimes contra a ordem tributária são delitos materiais, sendo imprescindível para sua consumação a constituição definitiva do crédito tributário, com o esgotamento da esfera administrativa. O entendimento foi usado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar Agravo do Ministério Público Federal pela condenação de um contribuinte por crime de apropriação indébita previdenciária. A ministra Regina Helena Costa entendeu que não existia justa causa para a denúncia.
Representado pelo advogado Erikson Elói Salomoni, o contribuinte alegou que não foram exauridas todas as fases na esfera administrativa da cobrança do recolhimento dos impostos. Segundo o advogado, a decisão administrativa é imprescindível para que o processo-crime prossiga.
O Ministério Público Federal afirmou que o crime de apropriação indébita previdenciária tem natureza material e dispensa o encerramento do procedimento administrativo fiscal para ficar configurado. Bastaria, segundo a tese, o simples não repasse à Previdência Social das contribuições descontadas dos segurados empregados.
Em primeira instância, a denúncia do Ministério Público foi rejeitada, com a justificativa de que o processo administrativo não tinha terminado. Sem julgamento, portanto, não existia constituição definitiva do crédito em favor da União.
O entendimento do STF em relação aos crimes contra a ordem tributária é de que a constituição definitiva do crédito tributário, com o consequente reconhecimento de sua exigibilidade, é o que configura objetivamente a punibilidade necessária para o início da persecução criminal.
Em relação à decisão administrativa, ficou decidiu que o delito de apropriação indébita previdenciária é crime omissivo material e não formal. Sendo assim, “o prévio exaurimento da via administrativa em que se discute a exigibilidade do tributo constitui condição de procedibilidade da ação penal”, afirmou a ministra na decisão.
Clique aqui para ler a decisão.
Agravo em Recurso Especial 527.703

Autor de ação contra autarquia federal pode escolher foro, decide STF

 

 
As possibilidades de escolha de foro em ações envolvendo a União (previstas no artigo 109, parágrafo 2º, da Constituição Federal) se estendem às autarquias federais e fundações. Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal rejeitou tentativa do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de impedir que um processo envolvendo a autarquia tramitasse em uma seção federal do Rio Grande do Sul.
O Cade alegava que só poderia ser réu em ações no Distrito Federal, onde tem sede, com base no Código de Processo Civil. Por isso, era contrário a uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que havia reconhecido a competência da Seção Judiciária de Passo Fundo (RS) para analisar um caso envolvendo uma empresa de vigilância.
A Advocacia-Geral da União, que representou o conselho, defendeu que “a incompetência é nítida”, pois a Constituição cita exclusivamente a União. Para a AGU, a ausência de distinção entre administração direta e indireta no artigo 109 é proposital, pois, “em 25 oportunidades a CF faz essa distinção”. Somente seria possível ajuizar ação fora da sede quando autarquias possuam sucursais ou agências em outros lugares.
Já o relator, ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que o preceito emquestão “não foi concebido para favorecer a União, mas sim para beneficiar o outro polo da demanda, que, dispondo da faculdade de escolha do foro, terá mais facilidade para obter a pretendida prestação jurisdicional”. Para ele, as autarquias federais têm ainda vantagens processuais concedidas à União, o que facilita a atuação em outro foro que não o seu.
O ministro disse ainda que, na época da elaboração da Constituição, as autarquias tinham representações jurídicas próprias, o que mudou em 2002. “A partir dessa inovação, sufragar o entendimento defendido pela recorrente significaria minar a intenção do constituinte originário, que foi justamente a de tornar mais simples o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário, quando se tratar de litígio com ente público federal.”
Divergência
O ministro Teori Zavascki votou no sentido oposto ao relator. Segundo ele, a grande variedade de autarquias se distingue não só pela finalidade, mas também pelo âmbito geográfico de atuação. Ele usou como exemplo os conselhos regionais de fiscalização profissional. “Não veria como um conselho regional do Rio Grande do Sul poderia ser acionado perante a Justiça Federal de outro estado”. Zavascki chegou a ser acompanhado pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Luiz Fux, mas venceu a tese do ministro Lewandowski, com um placar de 6 votos a 3. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
RE 627.709

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Julgamentos sem sustentação oral na Receita são legais, avalia TRF-3


A análise de processo administrativo pode ocorrer em primeira instância sem que a parte seja notificada ou tenha espaço para sustentação oral. Assim entendeu a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ao manter decisão monocrática que liberou julgamentos “a portas fechadas” praticados pelas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJs).
A reclamação foi feita pelo Grupo JBS, que dizia que a Receita violou os princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da publicidade por ter negado pedidos de compensações, mas não ter informado data e local da sessão. A empresa tentava conseguir liminar para suspender o andamento de processos administrativos que já tenham sido julgados sem esse tipo de comunicação.
O pedido foi negado pela 13ª Vara Federal de São Paulo, e a decisão foi mantida pela desembargadora federal Consuelo Yoshida. Segundo a relatora, “não há nenhuma previsão legal, nem tampouco regulamentar que autorize o contribuinte ou seu procurador a realizar sustentação oral, entregar memoriais ou participar da sessão de julgamento” na primeira instância. Geralmente, a apresentação oral da defesa só é aberta em segundo grau, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Como a JBS conseguiu litigar no âmbito administrativo e até oferecer recurso, a magistrada avaliou que não há ilegalidade na conduta praticada pelas DRFs. A decisão monocrática usou como base o artigo 557 do Código de Processo Civil, que impede o seguimento de recurso quando há jurisprudência dominante contrária no tribunal. Ela citou dois acórdãos com a mesma tese, julgados em 2010 e em fevereiro de 2014 pela 3ª Turma do TRF-3.
A empresa recorreu, porém o colegiado também manteve a negativa ao pedido. Em seu relatório sobre o caso, a desembargadora apenas reproduziu o que havia dito antes, apontando não haver “elementos novos capazes de alterar o entendimento externado”. O entendimento na corte foi unânime.
Mais questionamentos
O procurador da Fazenda Nacional Leonardo de Menezes Curty, que atua na 3ª Região, aponta crescimento em questionamentos como esse. Chefe da Divisão de Acompanhamento Especial (grupo instalado nas unidades regionais da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para estudar teses que possam impactar a arrecadação), Curty diz que o tema passou a ser monitorado neste ano no país, após entrar no radar de Brasília.
“Talvez essa tendência ocorra porque o processo administrativo tem sido mais utilizado pelo contribuinte em detrimento do Judiciário”, afirma. Uma das inimigas é a Ordem dos Advogados do Brasil, que decidiu apresentar uma série de ações em todo o país para forçar o Fisco a cancelar os “julgamentos secretos”.
Em 2009, a 4ª Turma do TRF-3 concluiu que a parte ou seus advogados devem ser intimados sobre a data em que serão apreciadas as defesas e os recursos que apresentaram, sob pena desses atos serem considerados inválidos.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

STF - Mantida decisão do TCU que condenou ONG por superfaturamento em convênio com o MS

 
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu pedido de liminar da Associação Beneficente Promocional Movimento Alpha de Ação Comunitária (MAAC), de Santos (SP), contra decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou a restituição de R$ 141 mil e o pagamento de multa de R$ 50 mil por irregularidades na execução de convênio firmado com o Ministério da Saúde. O ministro é relator do Mandado de Segurança (MS) 33027, impetrado pela MAAC contra o acórdão do TCU.
O convênio firmado pela associação e o Ministério da Saúde tinha por finalidade a aquisição de unidades móveis de saúde (UMS) para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), mediante o repasse financeiro de R$ 960 mil. Segundo o TCU, porém, a entidade praticou “atos de gestão ilegítimos e antieconômicos” na condução do convênio (fraude à licitação e destinação incorreta dos bens, entre outros), contribuindo para o superfaturamento na aquisição das UMS.

O órgão de contas afirma ainda que os objetivos pactuados não foram cumpridos, porque as unidades não foram entregues a estabelecimentos vinculados ao SUS: de quatro, três foram destinadas a igrejas evangélicas por meio de contratos de comodato. Para o TCU, “ainda que a ONG tenha sido usada pela ‘máfia dos sanguessugas’ para atender a interesses de determinados parlamentares, empresários e servidores públicos”, sua presidente “contribuiu decisivamente para o sucesso do esquema mafioso” ao ratificar licitações falsas.

No MS 33027, a MAAC sustenta que o convênio foi executado dentro de plano de trabalho aprovado pela autoridade competente, que considerou tecnicamente adequado o valor. Afirma que, apesar de não fazer parte da cadeia de elaboração e aprovação do trabalho técnico, foi responsabilizada pela restituição do débito.

A associação argumenta ainda que o TCU teria dado tratamento desigual em relação aos demais agentes responsáveis, que sofreram sanção pecuniária de R$ 3 mil. Por isso, alternativamente à suspensão da devolução e da multa, pede sua redução para esse valor.

Decisão

Ao indeferir a liminar, o ministro Luís Roberto Barroso observou que, segundo o TCU, o fato de o convênio ter sido executado dentro do valor previsto não exclui a hipótese de superfaturamento nem a responsabilidade da entidade, a quem caberia realizar a licitação depois de pesquisar os preços apresentados pelos concorrentes. “Nada disso foi feito pela associação, que simplesmente homologou a ata de uma licitação montada por pessoa estranha aos seus quadros”, diz o acórdão.

Diante desse registro, o ministro afastou, em juízo liminar, os argumentos da MAAC de que não teria participado da elaboração do plano de trabalho. “Embora a execução do convênio não tenha excedido o valor previsto, isto não dispensava a pesquisa de preços e a aferição de sua compatibilidade com os valores de mercado”, assinalou.

O argumento de violação à isonomia também foi afastado pelo relator com base no acórdão do TCU, para o qual a situação da associação “é bastante diferente da situação dos agentes públicos”. Ainda segundo o acórdão, foi a MAAC e sua então presidente “que compactuaram com a licitação fraudulenta”, assinando a ata de tomada de preços que resultou na contratação de empresa “pertencente ao Grupo Planan, da família Vedoin”.

Para o ministro Barroso, “os diferentes graus de responsabilidade dos envolvidos autorizam a imposição de sanções diversas”. Por outro lado, a revisão das conclusões do TCU demandaria o reexame de provas, incabível em mandado de segurança.
CF/CR

licitação pequenas empresas

Lei amplia benefícios para pequenas empresas em licitações


O que já era bom ficou melhor. Desde 2006 quando editada a Lei Complementar 123 as micro e pequena empresas gozavam de significativos benefícios nas licitações públicas, agora a Lei Complementar 147 amplia a participação das micro e pequenas empresas nas compras públicas.
A Lei Complementar 147 aumentou o prazo para regularização da documentação fiscal irregular da micro e pequena empresa de 2 dias úteis para 5 dias úteis, prorrogável por mais 5 dias úteis.
Com as novas alterações introduzidas o tratamento favorecido nas licitações deixa de ser facultativo e passa a ser obrigatório e o rol de obrigados a adotar o tratamento favorecido nas licitações além da União, Estados e Municípios passa a englobar a administração indireta autárquica e fundacional das três esferas da federação.
As licitações até R$ 80 mil passam, necessariamente a ser exclusivas para as micro e pequenas empresas. Antes era uma opção do ente responsável pela licitação. Nas licitações de maior vulto de obras de engenharia e serviços de qualquer natureza a subcontratação da micro e pequena empresa permanece sendo facultativa, já nas licitações para aquisição de bens divisíveis a subcontratação passa a ser obrigatória independentemente de previsão expressa no edital da licitação.
Por fim, a lei acertadamente e conforme defendido por esse autor em vários seminários e palestras sobre o tema, recomenda que nas dispensas fundadas nos artigos 24, incisos I e II (compras de pequeno valor) as contratações sejam preferencialmente feitas com as micro e pequenas empresas.
Como se vê, a Lei Complementar 147 altera significativamente o quadro de vantagens que haviam sido implementadas pela Lei Complementar 123, tornando o processo de inserção e consolidação das micro e pequenas empresas no mercado mais eficiente e garantido.
 é advogado. Presidente da Comissão de Transparência da OAB-BA e conselheiro da OAB-BA.

Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2014, 08:13




BAGUNÇA FISCAL - FONTE: SITE CONJUR

PROJETOS DESCONEXOS

"Bagunça fiscal" é vilã da economia, criticam especialistas


A “credibilidade fiscal” está se perdendo, em face da concentração das riquezas pelo Estado, com base na dívida pública. Quem afirma é o professor da Unicamp Geraldo Biasoto. Segundo ele, o nível de incerteza para investimentos no Brasil é um dos mais altos do mundo e “a bagunça fiscal está sendo insuportável para a economia”. Biasoto afirma ainda que a “coesão social” era a principal vitrine do país para o exterior. Entretanto, hoje em dia, um programa como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nada mais é do que “uma constelação de projetos desconexos, com graves defeitos de essencialidade e factibilidade”.
O assunto foi debatido no Seminário Federalismo Fiscal Brasil-Alemanha, especialistas dos dois países apresentaram um retrato do nó tributário que amarra União, estados e, principalmente, municípios. O evento foi organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em parceria com a FGV Projetos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e aconteceu no dia 13 de agosto na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes (foto), o Pacto Federativo é um tema que merece destaque nas agendas política e jurídico-institucional brasileira. O ministro diz que, hoje em dia, há a intensificação das chamadas escaramuças federativas. “Basta pensar em assuntos como a guerra fiscal, que tem acumulado questões no âmbito do STF, bem como os fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), na permanente busca de uma repartição mais igualitária. São soluções que ainda demandam reflexão”.
“Nitidamente Nacional”
Para o tributarista e professor adjunto da UFRJ Eduardo Maneira, o ICMS tem caráter “nitidamente nacional”, embora a Constituição de 1988 dê aos estados e ao Distrito Federal a competência de instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Segundo Maneira, a solução “mais óbvia e mais difícil” para enfrentar a causa da guerra fiscal é fazer o ICMS virar Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal.
Sobre a guerra fiscal entre os estados, o consultor legislativo do Senado Federal Marcos Mendes afirmou que o modelo centralizado e antifederativo que exige do Conselho Nacional de Polícia Fazendária (Confaz) unanimidade das partes para a concessão de benefícios fiscais não funciona mais.
Federalismo alemão
O modelo de federalismo da Alemanha é reconhecido pelos especialistas como o mais avançado em termos de federalismo cooperativo, em oposição ao federalismo “competitivo”. O jurista alemão Christian Waldhoff afirmou que a Carta da república Federal da Alemanha repartiu, “de forma justa”, os recursos entre a Federação e os estados, com base no princípio de autonomia e responsabilidade. Os impostos, basicamente, são federais e o sistema de compensação financeira é definido em “escalões de compensação”, com base na Lei dos Critérios, que vigorará até 2019. Esse sistema de compensação, segundo Waldhoff, baseia-se na capacidade financeira, e não em necessidades ou carências, buscando-se, sempre, uma “compensação adequada”. Na Alemanha, o Senado é formado por pessoas escolhidas pelos governadores estaduais. Ou seja, os executivos estaduais estão diretamente representados na segunda Casa do Congresso.
Também participou do evento o jurista alemão Alexander Blankenagel. De acordo com ele, os estados não têm competências para instituir tributos, e o “financiamento” dos estados pela Federação baseia-se em critérios cada vez mais severos, isso é, em pressupostos “bem rigorosos”. A Federação só pode socorrer com urgência os estados para evitar distúrbio na economia nacional. E, nesses casos, cabe ao Judiciário verificar se o legislador está ou não agindo com discricionalidade.
Federalismo fiscal
Fernando Rezende (FGV-Ebape) da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas (Ebrape) da Fundação Getulio Vargas, falou sobre os desafios e perspectivas para o federalismo fiscal brasileiro. Segundo ele, os estados “brigam e não encontram a saída do labirinto, num período em que temos, pela primeira vez, a centralização do poder na democracia”. A seu ver, essa crise não se resolve apenas mediante a redistribuição de receitas, como no passado.
“Houve perda de influência dos entes federados na política nacional, com forte queda da participação dos estados na repartição do bolo fiscal. Os governantes suportam o ônus político gerado pela incapacidade de evitar a deterioração da infraestrutura urbana e melhorar a qualidade dos serviços públicos”, afirmou.
Para o professor, é necessário combinar a implementação da política regional com a gradual uniformização das alíquotas interestaduais do ICMS, já que “as velhas soluções não servem”. Ele sugere “introduzir flexibilidade normativa necessária para permitir o ajustamento periódico à dinâmica territorial”.
O professor do Instituto de Economia da Unicamp Sérgio Prado analisou as federações parlamentaristas (Alemanha, Canadá e Austrália) e presidencialistas, destacando que, nas primeiras, o poder é centralizado no “gabinete” — uma representação direta do próprio parlamento — enquanto que nas federações presidencialistas há uma “dispersão de poder” muito maior.
Segundo ele, em países parlamentaristas como a Alemanha, a casa legislativa que corresponde ao nosso Senado age como verdadeira representação regional. Até por que, na Alemanha, o “Senado” é formado por 69 representantes dos 16 estados, indicados pelos governos parlamentares estaduais, e não eleitos diretamente pelo voto popular. Ele observou, ainda, que em face da “fragilidade” dos governos estaduais no arcabouço federativo do Brasil há 25 anos permanece inalterada a distribuição das cotas do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
O professor Everardo Maciel, que foi Secretário da Receita Federal durante oito anos (1995-2002), afirmou que a Federação no Brasil é “imperfeita, incompleta e provisória” — sendo a única a ter município como ente federativo . Defende que a reforma tributária depende também de uma reforma política, e inclui um Código do federalismo fiscal, que contenha “norma gerais aplicáveis às transferências intergovernamentais, incentivos fiscais regionais e harmonização de políticas tributárias”.
Maciel considera que os parlamentos estaduais (assembleias legislativas) “ficaram muito tolhidos, sem ter muito o que fazer”, situação que repercute no Congresso Nacional, para o qual são eleitos, em sua maioria, parlamentares que tenham maior possibilidade de “trazer” recursos para os seus municípios. Na sua opinião, “deputados federais viram vereadores federais”.
Segundo Maciel,  a prova disso é que existem até “associações de suplentes de vereadores”. O ex-secretário da Receita Federal disse ainda que o país tem “uma multidão de partidos, o que torna a governabilidade praticamente impossível”, e alarga a crise do Legislativo. Na sua opinião, o Congresso passou a discutir e a votar — quase que somente — medidas provisórias (MPs) do Executivo. “O Congresso quase virou um negócio, e vereador virou profissão”, afirmou.

Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2014, 12:09Topo da página

APET:- Inadimplência fiscal não pode impedir regularização de alteração societária

APET:- Inadimplência fiscal não pode impedir regularização de alteração societária

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

ITBI - artigo interessante

www.conjur.com.br  - Consultor Tributário

Planejamento sucessório se beneficia das regras de imunidade do ITBI

Na semana passada, entre os dias 6 e 8 de agosto, ocorreu em Curitiba o VII Congresso Internacional de Direito Tributário do Paraná, organizado, com brilho e competência, pela Professora Betina Treiger Grupenmacher e presidido pelo Professor Paulo de Barros Carvalho. O nosso colega de coluna Heleno Torres foi muito justamente homenageado pela vasta obra acadêmica produzida na sua vida profissional. Foi também homenageada postumamente a ministra Denise Martins Arruda, inclusive por meio do lançamento de um livro que leva o seu nome e compila uma série de artigos escritos pelos mais variados autores. Essa obra foi também coordenada pela Professora Betina.
Tratando do tema “Tributação: Democracia e Liberdade”, o Congresso contou com a participação de juristas e profissionais do Direito que, sob distintas bases teóricas, enfrentaram os principais problemas e perspectivas relacionados ao atual contexto da tributação no Brasil.
Desta vez, coube a mim tratar do planejamento sucessório em face das regras de incidência do ITBI.
Entre as modalidades dessa espécie de planejamento, uma das mais utilizadas é aquela que se consubstancia na criação das denominadas “holdings patrimoniais”, cujo capital é integralizado mediante o conferimento dos direitos e bens (móveis e imóveis) que compõem patrimônio de cuja sucessão se cuida. No passo seguinte, o quotista, antes detentor do patrimônio integralizado, doa, com reserva de usufruto e na proporção que entende correta (observados os limites da legítima), as quotas da nova sociedade aos seus herdeiros e sucessores.
Além de desburocratizar o processo sucessório, na medida em que, quando da morte do quotista doador, o usufruto será automaticamente extinto e o pleno domínio das quotas se consolidará nas mãos dos respectivos sucessores, a constituição dessas “holdings patrimoniais” serve, ainda, ao propósito de: (a) propiciar a melhor organização administrativa dos bens e direitos a ela transferidos; (b) melhor regular a forma como as deliberações serão tomadas; (c) diminuir a visibilidade (e consequente exposição) do detentor de um grande patrimônio, com todas as benesses relativas a questões relacionadas à sua segurança daí decorrentes; e (d) diminuir a carga fiscal incidente sobre as receitas produzidas pelos ativos transferidos, conforme o caso de que se trate.
Por ser tributo que onera a transmissão da propriedade imobiliária, a análise das regras relativas à imunidade do ITBI e às exceções que lhe são aplicáveis ganham fundamental importância quando se analisa a viabilidade da constituição da referida “holding patrimonial”.
E essa não é uma tarefa das mais fáceis porque, apesar de o ITBI ser um dos tributos mais antigos do nosso sistema (de fato, como já tive oportunidade de demonstrar nesta coluna, a tributação da transmissão da propriedade foi pela primeira vez prevista em 1809, um ano após a vinda da Família Real para o Brasil) e ser regulado na Constituição e na lei complementar por um reduzido número de normas, a sua incidência provoca interessantes discussões, e a maior parte delas ainda aguarda solução definitiva por parte dos nossos tribunais superiores.
A imunidade referida acima está prevista no artigo 156 da Constituição Federal de 1988, abaixo transcrito:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
(...)
§ 2º - O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
II - compete ao Município da situação do bem.”
Importante notar que, conforme entendimento adotado pela jurisprudência do STF (RE 627815/PR, Tribunal Pleno, DJe-192, de 01-10-2013; RE 606107/RS, Tribunal Pleno, DJe-231, de 25-11-2013, entre outros), por se tratar de regra constitucional de imunidade tributária, a sua intepretação deve ser finalística, teleológica, e não literal como determina o artigo 111 do CTN. E qual teria sido a intenção do legislador constitucional ao excluir a incidência do ITBI naquelas circunstâncias? Não foi outra que não a de desonerar do ITBI as mutações patrimoniais imobiliárias havidas na criação de novas empresas e/ou em reestruturações societárias, tendo em vista que dessas práticas é de se esperar que decorra maior dinamismo e consequente incremento da economia nacional.
Procurou-se, também, excluir dessa desoneração aquelas empresas cuja atividade preponderante fosse relacionada a bens imóveis (compra e venda, locação entre outros), pois, nessas hipóteses, estaria havendo circulação de bens que seriam, eles próprios, objeto da exploração econômica, configurando, portanto, circulação de riqueza cuja exclusão de tributação não se justificaria.
As regras constitucionais acima transcritas foram reguladas pelos artigos 36 e 37 do CTN, que, com força de lei complementar, foram recepcionados pela Constituição Federal em vigor. Eis o que eles dispõem:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.”
Se compararmos a redação dos dispositivos constitucionais com aqueles constantes do CTN acima transcritos, verificamos que há nestes últimos norma no sentido de que o imposto também não incidirá na desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica dos bens e direitos que tenham sido objeto de integralização de capital, desde que a transmissão seja feita ao sócio/acionista que a realizou originariamente.
Há quem defenda que essa “não incidência” na desincorporação seria inconstitucional porque não expressamente prevista na Constituição Federal. Não me parece correto esse entendimento. De fato, se, como visto acima, o que se pretende com a regra de imunidade é incentivar as mutações patrimoniais decorrentes de investimentos em pessoas jurídicas mediante a desoneração do ITBI, não seria mesmo de se imaginar incompatível com essa premissa norma que impedisse a incidência do imposto no retorno dos respectivos bens imóveis ao patrimônio do investidor.
E vou além. A exigência de que o bem retorne especificamente ao sócio/acionista que realizou o investimento originariamente deve se referir exclusivamente às hipóteses de desincorporação (redução de capital), porque expressamente mencionadas, e não àquelas de extinção das sociedades, que têm abrangência muito mais ampla. Essa é a opinião de Hugo de Brito Machado, como se verifica no texto abaixo transcrito:
“(...) na hipótese de extinção da pessoa jurídica é irrelevante quem seja o destinatário dos bens transferidos.
(...) não nos parece que exista incompatibilidade entre a norma imunizante albergada pela vigente Constituição Federal e a norma do art. 36, parágrafo único, do Código Tributário Nacional. Esta última na verdade não se aplica aos casos de extinção, que estão sob a incidência da primeira. Aplica-se, porém, aos casos de simples redução do capital social, com desincorporação dos bens imóveis ou direitos a eles relativos do patrimônio de pessoas jurídicas.”
(Comentários ao CTN, Vol. I., Atlas, SP, 2003, p. 399-400.)
Poder-se-ia argumentar que a possibilidade de retorno do bem a pessoa diversa daquela que fez o investimento originalmente daria ensejo à criação e à extinção de pessoas jurídicas com o único intuito de evitar-se a incidência do ITBI em operações que, na verdade, configurariam mera compra e venda de imóveis.
Essa hipótese deve ser examinada à luz das regras relativas à validade de planejamentos fiscais e, qualquer que seja a conclusão a que se chegue, jamais poderá servir de fundamento para limitar o real alcance da norma imunizante e, assim, evitar que ela atinja a finalidade para a qual foi criada, que é fazer com que a pessoa jurídica seja utilizada como instrumento legítimo para a viabilização de empreendimentos. Em outras palavras, não se pode pretender que as patologias restrinjam a aplicação das regras em um ambiente saudável.
Outro aspecto que gera controvérsia é o relativo à caracterização da atividade imobiliária preponderante, que, nos termos do texto constitucional, impede aplicação da regra de imunidade.
Como visto, no seu artigo 37, o CTN determina que restará caracterizada essa atividade preponderante caso mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorra de operações de “venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição”. No segundo parágrafo do mesmo dispositivo, determina-se ainda que, se a pessoa jurídica “iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de dois anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os três primeiros anos seguintes à data da aquisição”.
A interpretação que me parece correta é a de que a verificação da atividade preponderante deve ser feita em dois períodos estanques de dois anos, um anterior e outro posterior à data em que a operação ocorre. Assim, para que as regras de imunidade não se apliquem, há que se verificar a existência de receita imobiliária preponderante no período anterior e, cumulativamente, no período imediatamente subsequente. Isso é o que está escrito no dispositivo do CTN acima referido.
Há, no entanto, precedente isolado do STJ que não admite essa interpretação. Transcrevo abaixo a respectiva ementa:
“TRIBUTÁRIO – ITBI: ISENÇÃO – ART. 37, § 1º DO CTN: INTERPRETAÇÃO.
1. O dispositivo indicado (...) não ordenou que fosse examinada situação fática concomitante: dois anos antes e também dois anos depois.
2. Interpretação errônea da Lei.” (REsp 11.941, 2ª Turma. Min. Eliana Calmon, 10.08.1999)
Mas, então, que formas alternativas haveria para a determinação da atividade preponderante, caso o precedente acima se torne jurisprudência pacífica? As autoridades fiscais costumam defender que o correto seria a apuração estanque em cada um dos períodos (nos dois anos anteriores ou nos dois anos posteriores) e, se a essa atividade for caracterizada em qualquer deles, isso já será suficiente para que a regra de imunidade não seja aplicável. Essa interpretação me parece equivocada porque vai de encontro ao que literalmente está disposto na norma de regência, que utiliza o conectivo “e” e não o “ou” para regular a hipótese, o que literalmente determina a necessidade de que essa apuração seja feita de forma cumulativa. Se a intenção do legislador fosse adotar o método alternativo, a redação do dispositivo teria sido outra. Inclusive, a adotada no texto em vigor demonstra o oposto, quando determina que, nos novos empreendimentos, dever-se-á adotar o prazo maior de 3 anos para a apuração da existência da atividade imobiliária preponderante. Se fosse correta a interpretação “alternativa”, bastaria, nos novos empreendimentos, condicionar a imunidade à não configuração da referida atividade preponderante nos dois seguintes à respectiva criação. Mas, não foi isso que fez o legislador. Como visto, ele preferiu a adoção de um período maior de três anos (subsequentes) para que a referida verificação fosse realizada.
Aliás, isso nos leva a uma terceira interpretação dessa regra de apuração, que, por ser intermediária, talvez seja a mais justa: aferir a existência da atividade preponderante pelo exame da média das receitas operacionais auferidas nos dois períodos (anterior e posterior à aquisição). Assim, a restrição constitucional somente ocorreria se a média de receitas auferidas em ambos os períodos fosse preponderantemente imobiliária.
Essa interpretação é a que mais se aproxima do que parece ter sido a vontade do legislador, quando regulou a apuração de atividade preponderante em novos empreendimentos: ter uma base maior de verificação das atividades exercidas pelo contribuinte, com o objetivo de evitar a influência de eventualidades.
Na jurisprudência, há um obter dictum do ministro Humberto Gomes de Barros, abaixo transcrito, que parece corroborar essa interpretação:
“Seria, pois, necessária a demonstração de que durante os 4 anos a que se refere o parágrafo 1º [art. 37], não houve qualquer negócio imobiliário.” (Resp 448.527, 1ª Turma, 19.08.2003)
Um último aspecto relativo ao tema em exame que gostaria de trazer para discussão é o referente ao momento a partir do qual passam a ser devidos os acréscimos moratórios, caso apurada a existência de atividade imobiliária preponderante nos três anos subsequentes (nos empreendimentos novos) e nos dois anos seguintes (nos empreendimentos já existentes). Quando passariam a incidir os referidos acréscimos? No momento em que houve a transferência da propriedade do bem imóvel, por exemplo, na integralização do capital, ou no momento em que apurada a existência da referida atividade preponderante?
A resposta a essa pergunta pode ser encontrada com clareza no parágrafo terceiro do artigo 37 do CTN, segundo o qual, “verificada a preponderância (...), tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data”. Ou seja, apesar de mantidas as características de valor do bem à época em que foi transferido, a obrigação tributária só se considera nascida quando ocorrida a verificação de preponderância.
E faz todo o sentido que seja assim. De fato, a existência de atividade imobiliária preponderante tem a natureza de condição resolutória no que diz respeito à aplicação das regras de imunidade do ITBI: elas valem, desde o primeiro momento, sob a condição de que não venha a se configurar, no futuro, atividade imobiliária preponderante. Caso implementada essa condição, as referidas regras deixam de produzir efeitos. Já a ocorrência do fato gerador, em uma visão inversa, está sujeito a condição suspensiva: a de que as regras de imunidade deixem de se aplicar ao evento. Como todos sabem, nos termos do artigo 117 do CTN, nas hipóteses em que o fato gerador está sujeito a condição suspensiva, ele só se considera ocorrido no momento do seu implemento.
Há precedente nesse sentido, que transcrevo abaixo:
“(...) Observe-se que é a imunidade que está sujeita a condição resolutória relativa à verificação de ulterior preponderância. E é exatamente essa imunidade sujeita à condição resolutória que impõe ao fato gerador como situação jurídica, a condição suspensiva. Assim, o fato gerador somente se aperfeiçoará se e quando, dentro do prazo respectivo, for demonstrada a preponderância que afasta a imunidade e concretiza o fato gerador do tributo.” (TJ-PR. Apelação Cível nº 987176-9, de 04/02/2014; no mesmo sentido: TJ/RS - Apelação/Reexame Necessário n. 70013338009, de 2/12/2006 e Agravo de Instrumento n. 70051978948, de 12/11/2012).
Portanto, caso se verifique a existência de atividade imobiliária preponderante, os acréscimos moratórios somente passarão a ser calculados após a data da respectiva constatação.
Em suma, esses foram alguns dos aspectos que abordei na minha exposição. Como disse no início desta coluna, apesar de antigo e regulado por poucas normas, o ITBI gera múltiplos questionamentos e a maioria deles ainda aguarda um posicionamento final por parte dos nossos tribunais superiores. Resta-nos esperar.

 é sócio do escritório Ulhôa Canto Advogados, secretário-geral da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), vice-presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro e professor na Fundação Getulio Vargas.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2014, 08:03h