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terça-feira, 26 de abril de 2016

Improbidade administrativa, dispensa de licitação e dano ao erário

Improbidade administrativa, dispensa de licitação e dano ao erário

Nos tempos atuais, nos quais diariamente a sociedade toma conhecimento de atos de improbidade administrativa, os profissionais do Direito devem procurar estabelecer, objetivamente, os requisitos que devem ser demonstrados para eventual condenação do apontado ímprobo.
Nesse contexto, busca-se analisar a improbidade administrativa que decorreria da dispensa indevida de licitação, objeto de previsão do artigo 10 da Lei 8.429/92.
Após a configuração do ilícito, previsto no caput da disposição citada, a lei arrola, exemplificativamente, algumas condutas que constituem improbidade administrativa, dentre as quais a de “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente” (inciso VIII).
Os tribunais, de forma majoritária, vem decidindo que esta modalidade de improbidade administrativa só se configura quando demonstrada a existência de prejuízo financeiro, prejuízo concreto ao erário. Então, à falta de prova de superfaturamento, segundo esse entendimento, não se aperfeiçoaria o ilícito.
No entanto, existem decisões recentes (por exemplo, STJ, AgRg no REsp 1.288.585/RJ, de 16/2/16 e AgRg no REsp 1512393/SP) que entendem que a demonstração de dano financeiro efetivo não é necessária em casos de dispensa indevida de licitação. O dano seria in re ipsa, na medida em que o poder público, quando não promove a licitação, sendo ela obrigatória, deixa de contratar a melhor proposta.
E, com efeito, para a configuração da improbidade administrativa prevista no artigo 10, VIII, da Lei 8.429/92 é desnecessária a comprovação de dano efetivo ao erário.
Primeiro, porque a lei assim afirma.
De fato, após descrever, no artigo 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, a modalidade ora em discussão, estabelecendo que “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens” constitui improbidade administrativa que causa dano ao erário, a mesma lei arrola, nos incisos, diversas condutas, dentre as quais a de dispensar indevidamente a licitação.
Fosse necessária a demonstração do dano efetivo e essa conduta não teria sido prevista. Bastaria a disposição do caput mencionado, que prevê como improbidade administrativa o ato que causa dano ao erário. Então, se além dessa conduta, descrita de forma genérica, houve a descrição da conduta específica de dispensar indevidamente a licitação, não se pode entender que, aqui, há necessidade de demonstração do prejuízo efetivo.
Porém, outro argumento mostra-se mais forte e decisivo.
Sabe-se que a licitação tem o objetivo de, assegurando igualdade entre os interessados, obter a melhor proposta para a administração.
A licitação não foi prevista para a escolha de alguma proposta que não apresente preço excessivo, mesmo porque o superfaturamento acarreta a desclassificação das propostas (artigo 48, II, da Lei 8.666/93). A licitação objetiva a melhor proposta, vale dizer, a que represente menos custo para a administração, a oferta mais barata (aqui se considera que a licitação mais comum é a de menor preço, não obstante existam outros tipos, que não são objeto destes comentários).
Para a obtenção dessa melhor proposta, a alma da licitação é a competitividade. Ou seja, a administração chama os interessados em contratar determinado objeto, determinando que as propostas sejam mantidas em sigilo (e, não por acaso, a quebra deste sigilo (artigo 94 da Lei de Licitações). Presume-se que aqueles que acodem ao chamado buscarão apresentar o menor preço possível para vencer o certame, sabendo que os demais concorrentes também terão a mesma conduta. Dessa competição resulta a melhor proposta para a administração. Não uma proposta que apresente, simplesmente, um preço de mercado.
O preço de mercado constitui uma faixa de valores praticada no ramo, que vai desde um valor menor até um maior. Essa variação decorre dentre os quais a maior ou menor eficiência do fornecedor — que determina a agregação, ao preço do produto ou serviço, de maiores ou de menores custos indiretos — assim como a maior ou menor pretensão de lucro e à estratégia de vendas, tudo obedecendo à lei da oferta e da procura.
A vida em sociedade e a necessidade de aquisição de produtos e serviços em mercados caracterizados pela livre iniciativa mostram essa realidade de variação de preços em determinados patamares mínimo e máximo, dependendo do fornecedor.
Comprar a preço de mercado não significa comprar com o melhor preço, com o preço mais baixo. Significa, apenas, comprar a preço praticado por alguns fornecedores que, não necessariamente, terão a mesma eficiência de outros, ou a mesma estratégia, ou, ainda, a mesma pretensão de lucro.
Logo, exigir a prova de dano ao erário em casos de dispensa indevida de licitação conspira contra uma das finalidades deste instituto, expressa no artigo 3º da Lei 8.666/93, de selecionar a proposta mais vantajosa para a administração. Lembre-se, nesse passo, que a Constituição Federal, dentre as diversas normas que regem a administração pública, exige que os gastos públicos sejam marcados pela economicidade, como resulta claro da leitura do artigo 70, caput, da Constituição Federal, que indica esse princípio, dentre outros, para a realização da fiscalização a cargo dos tribunais de Contas.
Não se tem economicidade sem a obtenção da melhor proposta para a administração.
Assim, em conclusão, na hipótese de dispensa indevida de licitação, o dano ao erário deve ser considerado in re ipsa, sem a necessidade de demonstração de efetivo prejuízo financeiro.
Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e integrante do Ministério Público Democrático.
Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2016, 8h10

sexta-feira, 15 de abril de 2016

AULA DE REVISÃO - DIREITO ADMINISTRATIVO 1 - 16/04/2016 - QUESTÕES E TEMAS RELEVANTES



TÓPICOS PARA REVISÃO
DISCIPLINA: DIREITO ADMINISTRATIVO
DATA: 16/04/2016



1 - CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO
Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que estuda os princípios, regras e institutos que regem as atividades jurídicas do Estado e de seus delegados, as relações de subordinação e de coordenação delas derivadas e os instrumentos garantidores da limitação e do controle de sua legalidade, legitimidade e moralidade, ao atuarem concreta, direta e imediatamente, na prossecução dos interesses públicos, excluídas as atividades de criação da norma legal e de sua aplicação judiciária contenciosa.


1 -INTERESSE PÚBLICO
O interesse público, legalmente definido como o que está posto sob a responsabilidade do Estado e tido como finalidade de sua ação, não é outro senão, em síntese, o interesse geral da sociedade, ou, em se preferindo, o bem comum, como acepção metajurídica inspiradora da ação política, que o Direito, definirá discriminadamente: para cada sociedade e para cada tempo. A positivação deste conceito, embora de inegáveis efeitos práticos para a defnição da legalidade de seu atendimento, não afasta as dificuldades conceptuais trazidas pelo pluralismo, próprio das sociedades democráticas contemporâneas, que passa a exigir a consideração de múltiplos e diferentes interesses grupais, setoriais e regionais na conformação dessa síntese que o Estado deve satisfazer tendo em vista a legitimidade de seu atendimento, tornando obsoleto, em consequência, o antigo conceito, ainda rousseauniano, de interesses gerais.

2 - ADMINISTRAÇÃO E ESTADO DE DIREITO
Com o advento do Estado de Direito, as normas de direito público ganharam essa dupla função: a de limitar e a de controlar o poder do Estado, de modo a garantir os indivíduos e os grupos secundários, por eles instituídos, contra os excessos e desvios praticados no exercício
do poder político.
Mas, no correr dos séculos XIX e XX, sob o acicate das grandes Revoluções – a Industrial e a Científica e Tecnológica – que marcaram os últimos cento e cinquenta anos, o Estado haveria ainda de acrescer mais uma nova função em sua evolução, como instituição política
central contemporânea: a intervenção na ordem econômica e social das sociedades, tornando-se necessário conformá-la, também, essa nova e delicada função, ao Direito Público, potencialmente concentradora de mais poderes no Estado, com a inevitável conversão de inúmeras relações antes privadas e livres em relações administrativas e estatalmente controladas.

3 - FUNÇÕES ESTATAIS
É possível concluir que as funções exercidas pelos três tradicionais Poderes orgânicos são as modalidades de ação do Estado, que, com maior ou menor grau de autonomia, lhes são distribuídas, com complementaridade e interdependência, mas, como indicado, sem predominância ou exclusividade de qualquer um deles sobre os demais.
Por outro lado, a se ater apenas à natureza das funções estatais, resumir-se-iam elas, basicamente, a duas: as normativas e as executivas: a função normativa, referida à criação da norma legal, e a função executiva, à sua aplicação, nesta incluídas as duas outras atividades
estatais acima examinadas – a administrativa e a jurisdicional. Essa distinção está próxima à propugnada por Paul Laband, para quem o Estado ou faz a􀉹rmações intelectuais – a função normativa – ou exercita operações concretas – a função administrativa e a jurisdicional.

4 - PRINCÍPIOS
Texto para reflexão:
www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito
>

Questão n.̊ 1-- Leia com atenção e responda:
Pode-se afirmar que o direito administrativo teve origem na França, em decorrência da criação da jurisdição administrativa (o sistema do contencioso administrativo), ao lado da jurisdição comum. Foi pela elaboração pretoriana dos órgãos de jurisdição administrativa, em especial de seu órgão de cúpula, o Conselho de Estado, que se desenvolveram inúmeros princípios informativos do direito administrativo, incorporados ao regime jurídico de inúmeros outros países.
EXPLIQUE o modelo de jurisdição (administrativa) existente no Brasil atualmente.
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Questão n.̊2

No decorrer dos anos, entretanto, e principalmente após as duas guerras mundiais do Século XX, o Estado se viu na obrigação de reerguer-se política, econômica e socialmente. Nesse momento, surgiu o Estado Social, que tinha como deveres, além dos já consagrados no período liberal, educação, moradia, saúde etc. À medida que o Estado foi assumindo maiores obrigações, naturalmente foi crescendo o número de pessoas que realizavam seu trabalho. A organização do pessoal se deu em hierarquias distintas e organizadas, buscando maior organização e eficiência.
Instrução: EXPLIQUE  a concepção de Estado/Administração tratada no texto supra.
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Questão n.º 3 : EXPLIQUE, com base na imagem abaixo, o Poder da Administração por ela retratado.
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Saúde: greve em hospitais já restringe oferta de internação, avalia município

Funcionários dos hospitais geridos pela Famesp em Bauru fizeram o 1º dia de greve[1]

A rotina de internações dos pacientes que aguardam vaga no Pronto-Socorro Central (PSC) foi prejudicada já no primeiro dia de greve dos funcionários das principais unidades hospitalares públicas de Bauru.

Segundo o Departamento de Urgência e Emergência (DUE) da Secretaria Municipal de Saúde, embora 27 pessoas estivessem na fila de espera por internação, nenhuma vaga foi liberada, ontem. Na avaliação do diretor do DUE, Luiz Antônio Bertozo Sabbag, a restrição estaria relacionada à paralisação dos funcionários.

“É uma situação bastante atípica. Em dias críticos, há liberação de ao menos três ou quatro vagas. Acredito que, com menos gente trabalhando, certamente eles não poderiam usar a capacidade total de leitos, porque não haveria pessoal suficiente para acompanhar estes pacientes”.

Ele acrescenta que, hoje, com a continuidade da greve, a tendência é de acúmulo de um número ainda maior de pessoas na fila por internação.
Renan Casal
QUESTÃO n.º4


INSTRUÇÃO: ANALISE o caso à luz do conceito doutrinário de interesse público.
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QUESTÃO n.º5

Não há exclusividade no exercício das funções pelos Poderes. Há, sim, preponderância. As linhas definidoras das funções exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição. Aliás, é nesse sentido que se há de entender a independência e a harmonia entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados pela Constituição.[2]

Instrução: EXPLIQUE porque não há exclusividade no exercício da função administrativa do Estado pelos três poderes.
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Questão nº 6
O Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, o da proteção aos direitos individuais diante do Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a da necessidade de satisfação de interesses públicos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos[3].
EXPLIQUE, na perspectiva do regime jurídico aplicável à Administração Pública, a possibilidade de preponderância dos direitos individuais do cidadão perante a Administração.


Um determinado agente público foi afastado do exercício de suas funções em função da prática de ato ilícito. Submetido a processo administrativo disciplinar em que lhe foi assegurado o contraditório e a ampla defesa, determinou-se a perda do cargo.
Em função da decisão, o agente público consultou seu advogado, que lhe respondeu que a questão restou definitivamente resolvida na esfera administrativa, tornando-se imutável.
CONFRONTE a idéia tratada no trecho acima aos modelos de jurisdição administrativa existentes no Brasil e na França.
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Questão n.º 7

Juízes do Brasil têm direito a auxílio-moradia de até R$ 4,3 mil, decide CNJ

Depois de muitas discussões e articulações, o Conselho Nacional de Justiça decidiu regulamentar o auxílio-moradia dos juízes. Na sessão desta terça-feira (7/10), o plenário do CNJ aprovou uma resolução para garantir o pagamento da verba a todos os juízes que moram em lugares sem imóvel oficial à disposição. A regra segue o mesmo teor exposto em decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. O teto do benefício será o mesmo do que é  pago aos ministros do STF: R$ 4.377.
O pagamento do auxílio-moradia vem sendo motivo de atritos entre o Judiciário e o Executivo. Principalmente por causa do impacto nos cofres da União. A ordem para que os juízes recebem o benefício foi dada em decisão liminar do ministro Fux. Ele atendeu a pedido da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que reclamava do fato de o Ministério Público e a maioria dos tribunais de Justiça já pagarem o auxílio. Por uma questão de isonomia, pediam que os juízes federais também o recebessem.
Fux concordou com a Ajufe e determinou à União pagar o auxílio a todos os juízes federais que moram em lugares sem imóvel oficial à disposição, nos termos do artigo 65, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Logo depois, as entidades representativas das outras classes da magistratura reclamaram o mesmo direito, e a liminar do ministro Fux foi estendida a todos os juízes do Brasil
CONTESTE a possibilidade de pagamento do referido auxílio com base na idéia atual de juridicidade.




[1] Disponível em:< http://www.jcnet.com.br/Geral/2013/07/saude-greve-em-hospitais-ja-restringe-oferta-de-internacao-avalia-municipio.html>. Acesso em 04/11/2015.
[2] Acervo pessoal do professor.
[3] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. Revista Jam – Jurídica. Ano XIII, nº 9, setembro, 2008. p. 38.
(4) NETO, Diogo de Figueiredo Moreira.  Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial /Diogo de Figueiredo Moreira Neto. – 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Direito Tributário e Direito Penal - Sonegação

Fonte: CONJUR

Em matéria penal, primeiro direito do réu é ser bem acusado

Nem todo descumprimento das obrigações tributárias principais ou acessórias constitui sonegação fiscal, crime cuja configuração pressupõe a prática de ações ou omissões fraudulentas tendentes (i) a ocultar do Fisco a existência de tributo devido ou (ii) a iludi-lo relativamente (ii.1) ao seu valor, (ii.2) ao seu vencimento, (ii.3) à pessoa do devedor ou (ii.4) à ocorrência de pagamento ou outra causa extintiva.
Assim, não é crime o simples inadimplemento do tributo, quando todas as obrigações acessórias tenham sido cumpridas (vedação da prisão por dívida), ou quando o descumprimento ou a inexatidão destas decorram de erro do contribuinte ou da divergência deste face à interpretação legal adotada pelo Fisco (inexistência de dolo — Código Penal, artigo 18, parágrafo único), valendo lembrar que, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o sujeito passivo deve interpretar e aplicar a norma por sua conta e risco, intervindo as autoridades tributárias apenas a posteriori.
Da mesma forma, não é crime deixar de cumprir as obrigações acessórias, se o tributo foi integralmente pago ou se não há tributo a pagar (crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto — CP, artigo 17). De fato, a sonegação fiscal é crime material, que pressupõe o resultado, e não formal ou de mera conduta.
Dessa última consideração decorre que, à sua vez, toda sonegação fiscal constitui descumprimento — ao lado das obrigações acessórias — também de uma obrigação tributária principal.
Atento a isso, o STF editou a Súmula Vinculante 24, a saber: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. E não poderia ser diferente, pois não se pode falar em sonegação antes que o próprio credor esteja convencido de sua pretensão, o que só ocorre após o término do processo tributário administrativo — que é meio de controle interno do ato administrativo de lançamento.
A nosso ver, a Súmula Vinculante 24 é mesmo tímida, pois a denúncia deveria aguardar o trânsito em julgado da ação judicial em que se contesta o débito, visto que só nela haverá plena cognição dos fatos (porque os Tribunais administrativos não admitem perícias) e do direito (porque não apreciam alegações de inconstitucionalidade ou mesmo de ilegalidade de atos normativos). Só assim se afastará o risco de condenação criminal pela evasão de tributo depois reconhecido como indevido.
Em síntese, a admissibilidade da denúncia exige a confirmação administrativa do crédito tributário e, ademais, a sua plena exigibilidade, pois não é ilícito — e muito menos crime — o inadimplemento de obrigação temporariamente inexigível (Código Tributário Nacional, artigo 151).
Aplica-se aqui a ideia de unidade do injusto, segundo a qual um ato não pode ser inválido em um ramo do ordenamento (o penal), se é válido — ou ainda não está definitivamente caracterizado como inválido — em outro (o tributário). Noutras palavras, a tipicidade é dada pelo Direito Penal, mas a antijuridicidade o é pelo ramo que valora a conduta, aqui, o Direito Tributário.
Nos delitos fiscais, as normas efetivamente contrariadas – pois o agente antes realiza do que viola o tipo penal — são as tributárias. Não há distinção ontológica ou qualitativa entre o ilícito penal e o ilícito tributário de índole administrativa. A diferença está no grau de reprovabilidade que lhes atribui o legislador, é dizer, na sanção que comina a cada qual. E mais: como já ficou evidente, a compreensão do ilícito penal depende da compreensão do ilícito tributário, pois sem este não há aquele.
Do exposto decorre que, para atender ao artigo 41 do Código de Processo Penal — segundo o qual “a denúncia (...) conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias...” —, a acusação deve descrever suficientemente a ofensa à legislação tributária e o preenchimento do tipo penal, sob pena de rejeição liminar por inépcia (CPP, artigo 395, inciso I).
No dizer do STF, capitaneado pelo ministro Celso de Mello, são insubsistentes “as imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas” (1ª Turma, HC 70.763/DF, DJ 23/9/1994), bem como as fundamentadas em “simples presunção ou (...) meras suspeitas” (2ª Turma, HC 89.427/BA, DJe 27/3/2008).
Uma denúncia com tais fragilidades — ainda que pretensamente compensadas, como é usual, pela invocação de cifras aterradoras — implica clara inversão do ônus da prova, violando o postulado constitucional da não culpabilidade.
De fato, cabe ao Ministério Público provar, de forma inconteste, a prática do crime e a culpa do acusado, e não a este último demonstrar sua inocência. Como adverte o STF, “já não mais prevalece (...) a regra que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou (...), com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (...)” (2ª Turma, HC 88.875/AM, relator ministro Celso de Mello, DJe 9/3/2012).
Não se trata de menoscabar a importância da adimplência fiscal ou a gravidade do crime de sonegação. Cuida-se, isso sim, de exigir que as denúncias a ele relativas — como, aliás, a qualquer outro delito — se revistam de apuro técnico, indo além dos subjetivismos revestidos de dramaticidade, de forma a proteger o contribuinte de ações penais indevidas, prematuras ou ininteligíveis.
Em suma, o primeiro direito do réu é ser bem acusado.

 é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG.
Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2016, 8h00

terça-feira, 5 de abril de 2016

Mais uma envolvendo os correios - utilização de empresas terceirizadas sem licitação

Associação de franquias postais contesta utilização de empresas sem licitação pela ECT 

A Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 392), com pedido de tutela antecipada, no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), alegando violação de preceitos constitucionais em decorrência da utilização de empresas terceirizadas, sem licitação, como prestadoras auxiliares de serviço público postal.

Segundo a autora da ADPF, a prática viola os princípios da obrigatoriedade de licitação, isonomia, probidade administrativa, legalidade, igualdade, coisa julgada, segurança jurídica, eficiência do ato administrativo, supremacia do interesse público, livre iniciativa e do livre exercício do trabalho. A ADPF foi distribuída ao ministro Edson Fachin.

A associação ressalta que, nos termos da Lei 11.668/2008, apenas as franquias postais estão autorizadas a executar atividade auxiliar ao serviço público postal. Alega que empresas terceirizadas, sem prévia licitação, estariam executando atividade que é vedada até mesmo às franquias postais, qual seja, o serviço denominado FAC – Franqueamento Autorizado de Cartas, utilizado para o envio de grandes quantidades de cartas comerciais (mínimo de 50 mil postagens/mês), a preço diferenciado.
De acordo com a entidade, nos serviços de FAC, as empresas terceirizadas (do seguimento das indústrias gráficas e de cobranças, dentre outras) ficam autorizadas, via contrato (chamado de “contrato guarda-chuva”) a imprimir objetos postais com chancela de outros contratos, postando-os em seu nome. Ainda de acordo com a associação, empresas que não conseguem atingir a postagem exigida mensalmente ou que tenham problemas fiscais se utilizam de outra pessoa jurídica, que abriga sob seu contrato uma série de subcontratos que, somados, atingem o volume médio mensal necessário para a concessão do desconto pela ECT.   

“Têm-se, na prática supracitada, o manuseio do objeto postal cujo monopólio é exclusivo da União através de empresas terceirizadas, não licitadas, atuando como detentora do monopólio, pois prestam atendimento a outras empresas, tornando-se concorrentes das franquias postais, que exercem atividade auxiliar ao serviço público postal devidamente regulamentado pelo processo licitatório, cujo serviço de FAC – Franqueamento Autorizado de Cartas – são impedidas de realizar”, argumenta a associação.

A associação classifica a permissão de “temerária, antijurídica e danosa ao cidadão”, na medida em que geraria desequilíbrio econômico-financeiro junto aos franqueados postais, que deixam de exercer sua atividade auxiliar a grandes empresas e seus consequentes contratos junto à ECT, ocasionando queda de produtividade e ganhos, que terá reflexos no repasse à própria ECT, que no final também arcará com enorme prejuízo.

A associação pede antecipação dos efeitos da tutela para que seja determinada a imediata suspensão de todos os contratos de execução de FAC que contenham a natureza de “contrato guarda-chuva” e para que sejam suspensos os efeitos da regra contida na parte final do item 3.6 do artigo 1º da Portaria MC 3.894/2014, permitindo às franquias postais o exercício de serviços como o FAC. No mérito, pede que seja julgada procedente a ADPF a fim de que seja declarado ilegal o ato administrativo que transfere o serviço público postal a empresas privadas ou permita a execução de atividade auxiliar ao serviço público postal por empresas que não estejam submetidas à Lei 11.668/2008.
VP/CR